O assunto é óbvio e, lá no fundo, desconfortável. Talvez porque mesmo óbvio, natural, ele “exista” de fato de forma diferente. É como o assunto do divórcio… Comum, todo mundo conhece alguém que já o atravessou, mas não se fala no assunto, nas exigências dessa travessia, no preconceito com o recomeço da mulher, ou sobre o rótulo de “coitados e problemáticos” dados aos filhos destas famílias em reconstrução, mesmo que de forma velada. Se trata como algo superado, de lido definido, justo e “moderno”, quando na verdade pessoas choram dentro dessa “fantasia” dada como pronta.
Responsabilidade parental é pauta que tem discurso bonito e pouca prática. O fato é que se trata de projeto, planejado ou não, de pai e mãe. De dois, responsáveis igualmente, mesmo que no exercício seus oferecimentos e contribuições sejam distintas e não menos importantes.
Assistia a uma matéria de filhos adultos que cresceram sob o acompanhamento de mães solteiras e os vi chorar pela ausência do pai. Mais do que a mágoa pelo eventual desinteresse do mesmo em acompanha-los na vida, imperava a dor da falta da presença, da figura.
Me comove ver a “criança no adulto” chorar a falta mais até do que ver uma criança chorar…
O choro do adulto é profundo, quase que calado de tão longe que vem. Por mais que berre, vem de um lugar tão interno, tão perdido, tão solitário, que me dói a alma.
Quem nunca sentiu essa dor da criança que vive na gente? Aquela que calou algo que lhe afetou quando vulnerável, pequena, e sem capacidade de elaboração melhor? Quem nunca teve a sua criança tocada por uma cena de invalidação, ou de abandono, ou de controle, ou de altas exigências não superadas ou nunca suficientemente atendidas? Quem não guarda em si uma criança que idealizou, lá atrás, que esperou e não aconteceu, que interpretou mal e sofreu, que puxou a culpa para si e que viveu com ela para sempre?
Você tem uma assim aí?
Pois vi naquela matéria na televisão, homens feitos chorarem pela falta de uma vida toda. Não choravam pelo que receberam, mas pelo que nunca lhes foi ofertado.
Mãe a pai deveriam fazer “prova” de avaliação de capacitação para ganharem o direito de exercerem esses papéis na vida, sabe… Deus ou as forças do universo e da ciência deveriam mandar filhos ao mundo apenas após a anuência de ambos os envolvidos na parentalidade, assumidas as devidas responsabilidades que essa entrega envolve. Deveria ser proibido que uma criança se forme adulta sem a presença de suas principais referências na vida, suas origens, sejam elas no afeto, sejam elas fruto do encontro biológico.
O apresentador Rodrigo Wilbert disse outro dia no programa dele com a esposa Fernanda Lima, com quem forma um “casal magia” de encher os olhos da gente, que é responsabilidade do homem também evitar uma gestação não desejada. Que é de responsabilidade de ambos a decisão por se ter um filho, e depois, de acompanhá-lo de todas as formas possíveis. Está divulgado na televisão, em horário nobre, e foi o Rodrigo quem disse…
Óbvio? Resolvido? Não. Na sociedade em que vivemos filho ainda é responsabilidade, de fato, da mãe. A “pensão” daquele que “desistiu” da empreitada ou se “distanciou” é dada como troco do prejuízo. Como se criar filhos fosse “conta de padeiro” ou uma demanda resumida aos custos financeiros, na maior parte dos casos, não financiado por grande parte das negociações transitadas no âmbito do direito e nas mesas de acordos da vida.
Ver mulheres sobrecarregadas emocionalmente na sua jornada pela maternidade solitária, pela ausência de parceria, se tornou algo aceito na nossa sociedade como aquele mendigo com a placa que diz que ele sente fome na sinaleira, com a diferença de que este último comove mais. A mãe que dá conta de filho sozinha não é coitada, é veladamente “culpada”, e ainda passa pelo dano moral de ser vista muitas vezes como “usurpadora” de recursos do pai ausente ou, no caso de não querer essa briga para si, essa humilhação de ter que pedir auxilio para o que é direito, carrega a coroa pesada da super-heroína que dá conta disso também com os recursos possíveis ou próprios…
A vida da mulher nunca foi fácil, e às vezes me pego pensando se com tudo o que conquistamos nos anos, na história, não pesamos ainda mais a nossa bagagem com o desejo de dar conta de tudo, na busca de independência. Em uma sociedade patriarcal, não está fácil para ninguém ser mãe e viver a vida com o mais que ela tem a oferecer.
Seria bom que olhar para isso, mesmo com o desconforto que pode gerar, nos trouxesse consciência, reflexão e escolha para as nossas vidas em termos que nos cuidem, que nos protejam e aos nossos filhos… Na falta? Que a briga necessária seja brigada, que o pedido de cuidado e de ajuda seja proferido sem vergonha ou medo, que a parceria parental seja devidamente responsabilizada e que as portas dos afetos presentes em lugares novos estejam sempre abertas, pelo tanto de ganho que trazem aos formatos possíveis de família. As crianças que vivem na gente merecem. Nossos filhos e as crianças deles, também.
Pois criança que chora em adultos ainda me comove demais… Afinal, é choro de criança desamparada e a responsabilidade por esse “guarda-chuva” que protege tem nome e são, pelo menos, dois.
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