Não é de hoje que a minha alma briga para enxergar a vida sem filtros. Amo óculos de sol, seus estilos, cores, “janelas”, mas a verdade é que não consigo usá-los quase…

Nos lugares mais bonitos, nos mais tristes, nos momentos mais profundos e nos quais urjo estar presente, sendo eles de prazer ou de dor, gostos da nudez, dos olhos esforçados para darem conta do que veem, para sentirem a força do sol, do vento, do choro que dói na ponta do nariz, da claridade da verdade, da franqueza…

Gosto do tom que as coisas têm sem filtro. E por mais que a minha vaidade feminina seja seduzida por uma “edição” que faz brilhar aqui, que colore os olhos de azul ali, que maquie as imperfeições e tape os furos dos poros e as marcas de expressão do tempo, a verdade é que o que me deixa leve e em paz com o meu “lar íntimo” é aquele momento “in natura” no qual posso esfregar os olhos, o rosto, e ver que sou parte do tempo e que sou de verdade, soma de tudo o que atravesso. É quando me encontro às escondidas com a minha natureza e “sem vergonha” dela, a observo, curiosa, a fim de achar o que me tornei. Quando me vejo parte de uma realidade cronológica, mesmo que dura, por ser viva, por ser movimento e por ter já seus “aninhos” nas costas…

Faço “botox” na testa. Quem nunca? Se você não faz é possível que sucumba logo a uma das maravilhas da ciência que tiram o peso dos anos do nosso semblante, sem mudá-lo. Apenas com a sutileza de quem segura a peteca para ela não cair…

Completo quarenta e dois anos em menos de dois meses e sinto verdadeiramente os efeitos do tempo e das minhas batalhas nas linhas que comunicam meu inconformismo, entre as minhas sobrancelhas, minha alegria, nos cantos dos meus olhos, meus sustos, minha ansiedade e os meus sofrimentos, na minha testa…

Este ano passei por um “Covid” e saí dele desnutrida, desidratada, efeitos colaterais eventuais dessa travessia. Meu “botox” escorreu como água, se foi “ralo” abaixo. Vi minha pele sedenta sentir a tempestade. Meu médico disse que de nada adiantaria correr para “compensações estéticas agora”, pois a hora é de cuidar da saúde, da minha reidratação, do reforço geral do meu organismo, do meu sistema imunológico.

Pois bem, o negócio é viver com a Juliana como ela se apresenta, como ela está neste momento da sua história… O “botox” é mera representação do filtro que se esvai quando nos encontrarmos face a face com o essencial. Só mais uma máscara que cai, que se faz menos importante dado o enfrentamento profundo do que precisa ser encarado com franqueza e sem véus.

Então me veio em mente a minha relação de uma vida toda com os óculos de sol e com os “filtros” disponíveis a analgesia do sentir.  Me ver sem eles foi de um valor estimável, como se eu tirasse do caminho tudo, exatamente tudo que pudesse me desviar da crua realidade. Um lado meu se sentiu liberto por compor naturalmente o momento presente na minha jornada, sem máscaras, sem distrações ou “tapas” que enfeitassem o visual ao qual precisava enfrentar para atravessar “sentindo” cada “desarrumação” e seus efeitos, estes que se deram na minha casa e na minha vida no advento que nos abateu, ou mesmo, do que se deu na minha última temporada.

Precisava olhar para mim mesma como eu realmente estava para compreender melhor de onde eu vinha andando e para onde eu “precisaria” ir daqui para frente.

Poder se conhecer e lidar com o que se tem, se é e se está, é uma oportunidade daquelas ímpares que recebemos da vida, e normalmente vem fantasiada de exigências e de dor. Se não são as tempestades que remexem, que nos fazem parar para nos segurarmos, com o único intuito de sobrevivermos a ela e protegermos aos nossos, o que nos tiraria da rotina da beleza, do trabalho, da maternidade e das “metas” pessoais e muitas vezes tão cruéis com a gente? Se não fossem as cenas marcadas pelo medo, pela possibilidade de perda, de não dar conta do recado, pela saudade de quem nos é caro e pela vulnerabilidade de quem se vê uma parte frágil e pequena deste universo imenso de pessoas e coisas, como ressignificaríamos o valor que elas têm?

Cada uma de nós tem suas batalhas… doenças, divórcios, perdas, violências, disfunções nas nossas histórias afetivas, parentais, infantis, profissionais e financeiras até. Todas de vulnerabilidade e nudez, mas principalmente, de convite para um olhar sobre as nossas “linhas” mais profundas, essas que nos compõem e ao nosso meio, à vida e as pessoas que escolhemos e recebemos, por mais que desejemos escondê-las na maior parte do tempo. “Roupa suja se lava em casa”, não é? Pois então, é em casa que a mágica acontece… Dentro, de olhos abertos, no encontro com tudo que nos é real.

Considerando que não se pode ter tudo, que devemos levar da vida apenas o que podemos carregar, já que seremos nós a fazê-lo, e que exercitamos nossa humanidade no ato de cuidar, de amar, de trocar, de amparar e se agrupar com outros em relações de afeto que nos unam a algo maior, as disrupções e desafios da vida vêm como vendavais amigos, nos dando novas chances de reconectar, recontratar e recomeçar. Muitas vidas em uma vida, não é um privilégio?

Mas voltando aos óculos de sol, se a vida é um trajeto curto e cheio de curvas, picos iluminados, cantos escuros, subidas e barrancos, que possamos tirá-los, vez ou outra, ele e os demais filtros que mexem no tom de realidade do caminho, para que seja possível apreciar a jornada com o toque, as cores e a intensidade que ela nos oferta, a partir de um corpo e uma alma corajosamente expostos e entregues…

Se sempre ou de vez em quando? A escolha é nossa. O importante é não deixarmos de parar, tirar o “filtro” e olhar. Se trata de uma viagem em nós mesmas e na nossa estrada mais íntima, na qual somos guias desde sempre.

Basta tirar os óculos de sol e franzir a testa, no esforço de enxergar melhor…

Pronta para tanta abundância?❤

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