Quando digo “legal”, falo daquela pessoa que é legal sempre. Não em resposta a algo bacana que fazem com ela, ou que a vida apresenta.
A pessoa que é legal é por natureza. Responde assim à vida de forma genuína. Não se esforça para agir bem, pois simplesmente age assim por ser essa a resposta óbvia a tudo, como fruto da sua força vital. Porque ser legal me parece ser mais que um comportamento, mas um valor. Que compõe quem a pessoa é.
Conheço muita gente legal. Intimamente, muitas mulheres assim, por conta das mentorias que realizo. A mulher legal, mesmo ferida, age de forma bacana, e não destrutiva. Ela não devolve na mesma moeda as agressões, ofensas ou violências de todo o tipo contra a sua maternidade, amizade, família de origem ou matrimônio. Ela dói fundo, às vezes, por não entender o motivo da agressão, e não é incomum puxar a responsabilidade para si pela má condução da dificuldade que é do outro. Mas quando mais esclarecida, entende a limitação que é do outro, e a considera com generosidade e carinho. Tenta perdoar, contornar, ajudar, transformar.
Vivemos em um mundo que nos provoca a agirmos na defensiva contra o que nos ataca, mesmo que esta seja apenas uma opinião divergente da nossa, ou vinda de outra “tribo”. “Polares de opinião”, me parece que precisamos representar um lado no mundo, um ideal, um partido, um senso de beleza, uma linha de educação dos filhos, uma moda, as mesmas opções de férias e o tal “lado” nas disrrupções, como a do divórcio por exemplo, como se reestruturação da família tivesse lado. Virou um convite à guerra dos sexos, entre outras tantas… Políticas, morais, sociais, de conduta. Um julgamento autorizado e a céu aberto.
O mundo não nos instiga a se misturar. A buscar entender o outro lado, a não se adaptar a nenhum deles ou misturá-los para um “meio termo”, como forma de ver no que dá. Vivemos desafiados ao conflito de interesses como se composições não fossem possíveis em algum termo, com generosidade, boa vontade e coragem. Não impostas, mas colocadas diplomaticamente, empaticamente, de um jeito “legal” para todos ou, no mínimo, respeitoso com o que diverge para que a cisão e a dor não sejam as naturais consequências.
Conheci uma mulher incrível que vou chamar aqui de Sofia. Ela foi minha mentorada e se parece com muitas de nós em muito. Sua história “legal” traduz com clareza a condução de gente que é assim… Que tem esse olhar bacana, do bem, porque é seu.
Sofia viveu na vida inúmeros momentos nos quais foi diminuída, não vista. Começou em família, na relação com pai, mãe e irmãos. Na dificuldade deles de lidar com as suas frustrações, ela os entendia e aos seus limites, e se adequava no que a tocava. Pois a ela, pessoa “legal” de coração, não parecia custar nada. Cresceu sob este comportamento e o trouxe para as relações. Então, a vida dos outros, amigos e marido, imperava sempre sobre a dela ao ponto da sua existência ser ignorada nos detalhes. Se misturou um tanto que se perdeu da sua existência mais genuína, de uma adaptação que fosse tolerável e a protegesse enquanto indivíduo. Afinal, era o melhor que podiam fazer e a ela não custava nada…
Mas a gente sabe que custa sim.
Demasiadas concessões a levaram a consumir a sua vontade, seus desejos, sua presença ativa e voz na vida. Era um limite dos outros lidar com isso, mas no “abrir mão”, foi a vida dela que acabou limitada.
Alguém se reconhece em alguma passagem da Sofia?
Pois ela é uma pessoa legal, e pessoas legais sofrem como as outras, mas se refazem pelo olhar do bem, pelo perdão fácil, pela empatia com as limitações dos outros, pelo natural movimento de acalmar e ver luz nos momentos mais exigentes… pela generosidade. Precisam de ajuda muitas vezes, mas tem esse valor em si, o que facilita tudo.
Sofia se divorciou buscando o espaço que não conquistou dentro do casamento, buscando ser vista principalmente por si mesma, sem jamais agredir o seu agressor. Afinal, foi ele quem perdeu alguém legal e isso já seria o suficiente. Rapidamente achou seu lugar no mundo, já que este anseia por pessoas legais o tempo todo e, para elas, sempre haverá uma linha de partida nova, um recomeço, uma nova chance de ir além. E ela foi. A encontrei outro dia e ela brilha. O bem faz isso com as pessoas…
Tive o privilégio de acompanhá-la e sempre a ajudei a lembrar que ser legal é algo bom, mesmo quando a gente se atrapalha e se perde. Na verdade, na essência, é algo maravilhoso, que nos aproxima do humano em nós. Para que jamais acreditasse, mesmo no sofrimento, que ser bom na vida é ruim. Que quem age de forma bacana se dá mal, ou que o mundo é dos fortões exibicionistas do seu poder. Ou ainda, que responder o que é escasso na mesma moeda é justo…
Eu me considero uma pessoa legal, é o que dizem os que me conhecem. Não respondo com violência e retalhação àqueles que me agridem, não sou assim desde criança. Nas poucas vezes que explodi, não gostei de mim e da forma como me senti, e retratei, recomecei. Costumo buscar enxergar o outro e oferecer a outra face não para apanhar, mas para tentar, esgotar. Como forma de buscar harmonia, caminho do meio, e por uma vida – eu diria até hoje – ainda escuto que sou ingênua, que a minha autoestima é baixa, que algumas pessoas não merecem o meu olhar e afeto, nem o meu investimento, e que agir assim é algo que só me desgasta. Que perco tempo, que sou eventualmente enrolada, que tenho prejuízos em algumas das minhas relações e que mereço mais das minhas empreitadas. Mas talvez, por eu realmente sentir que dou conta de separar o que é desprezo do que é apenas uma dificuldade, sigo agindo assim sem questionar as minhas intenções e capacidades de ser legal enquanto essa crença vive em mim.
Pois eu te digo que a vida dá muito mais do que tira por sermos assim. Muito mais, assim como foi comigo, com a Sofia e com tantas outras que geraram do seu comportamento grandes e pequenas transformações em si e no seu entorno…
A vida é legal um tanto. Sinto para mim que talvez por eu ter sido bacana com gente que aparentemente não merecia, talvez por eu ter um olhar otimista, peculiar a muitas pessoas legais que conheço. Mas o fato é que, ainda assim, seguirei investindo nela com o que é da minha natureza, mesmo que eu perca ali e aqui… Pois perder, como ganhar, é da vida, e que seja então sendo legal.
Foi o que eu disse a Sofia. É o que eu diria a você, com base na minha jornada até aqui.
Ser legal não é defeito nem leva ninguém para o buraco. Ser legal nos permite o esgotamento do investimento enquanto temos algo a oferecer. Fomenta a fé nas pessoas, a compreensão das nossas próprias imperfeições e de quem nos cerca, a humildade de se transformar para melhor, e a esperança na felicidade, porque sempre há tempo.
Então não se culpe por ser bacana com a vida e com as pessoas. Por ter aguentado tanto determinada situação, movida por fé. Por não agredir quando agredida, por compreender a jornada de quem a cerca… Porque você é legal e isso é o que te faz crescer em direção a si mesma, ao mundo, às relações e no caminho da sua própria felicidade. Além de carregar uma luzinha própria, que nos conecta por aí… Que faz eu te achar na multidão, e não só eu.
Posso te ver, e além de não me sentir sozinha, morro de orgulho da gente… De gente como você:)
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