Filhos tem exigências imensas, mesmo doces e fofos. Entre os meus três, nenhum foi fácil ou me deu menos trabalho. Tive o que acordava na hora do finado “Telecurso Segundo Grau” todas as manhãs. Todas. Praticamente me formei naquilo e me capacitei em lidas campeiras pelo “Campo e Lavoura”, na falta de raciocínio lógico para zapear e escolher algo com maior sinergia comigo e com a minha realidade. Tive aquela que acordava para mamar de duas horas e meia em duas horas e meia, noite e dia. Pontualmente. Furiosamente. Famintamente. Exclusivamente. Ao ponto de não saber mais quem eu era de tanto cansaço físico e falta de sono. E tive, por último, aquela que mal comia. Que vivia de ar. Que vivia nas minhas pernas e no meu colo. Que parecia não querer crescer ou ir além de mim, o que gerava em nós, pais, um medo imenso de faltar, seja por saúde, seja para aquelas “escapadinhas” amigas, receosos dela não dar conta.
Ora… Sei o que se passa aí na tua cabeça e acho também que é a gente que não dá conta em determinados momentos, e não as crianças.
A culpa não devia ser dela, de nenhum deles. Um dia puxei o sono para mais tarde, ele cresceu um pouco, e chegamos às oito horas da manhã. Os programas madrugadores simplesmente ficaram para trás. Um dia iniciei um programa que chamava “nana nenê”, o qual eu jamais faria de novo, e no quarto dia consecutivo, ela passou a dormir a noite toda. O que nos levou a um sono pleno, quase que “felizes para sempre” não fossem as outras exigências da vida. Mas com a pequena “terceirinha” a coisa andava de arrasto. Três anos se passaram, uma pandemia durante mais de um ano deles, e ela seguia na barra da saia da mãe, nas calças do pai e com ausências nutricionais que começavam a nos preocupar.
Meus filhos mais velhos haviam “virado a chave”. Cresceram, foram ocupando novos espaços e me demandando menos, fisicamente. Até confessaria que vivo uma janela interessante entre as exigências da infância e as da pré-adolescência, o que eu quase chamaria de trégua. Ambos sempre comeram bem e de forma saudável, sempre em abundância. Sempre autônomos. E assistir a pequena negar frutas, verduras, sucos e comidas em geral, além da afinidade com nossos familiares mais próximos, constituía um grande e novo desafio para a minha maternidade.
Questionei o jeito, meu modo de fazer, minhas habilidades como educadora, como mãe, mesmo após uma longa e múltipla jornada na função. Achei que pudesse ser cansaço ou até um vacilo fruto da arrogância de quem já criou dois, então o terceiro não seria motivo de grandes problemas, já que se eu vinha bem, o jogo estaria aparentemente ganho. Mas meu amor materno por ela não justificaria tanta isenção. Trabalhei todo o tempo querendo acertar, repetir a receita, mas ela não comia nem desgrudava. Algo frustrante, o que já não era novidade para mim na minha terceira jornada materna, mas que me abatia de verdade.
Eis que, com a abertura das escolas, resolvemos, eu e o meu marido, levá-la para uma creche. Na ânsia de ampliar o mundo dela, não fizemos grandes pesquisas dessa vez, como em muitos ensaios no primeiro ano de vida dela. Escolhemos aquela pequenininha e simples, do outro lado da nossa calçada. Fácil e conveniente. E após as últimas semanas ela simplesmente “virou a chave”. Estimulada pela mudança, começou a contar histórias articuladamente, a desenvolver raciocínios sobre a nossa constituição familiar, sobre as conversas que escuta, sobre o sentimento que tem frente as mais inusitadas situações. Mas além de tudo isso, soltou-se de nós. Permitiu novos laços, se entregou a convites quase exaustos frente às negativas frequentes dela, e dia desses, dormiu fora, na casa da “titia Mari”, minha irmã. Pernoitou, tomou banho, comeu pizza, dividiu cama… Tudo novo para ela. E ontem, acreditem, comeu uma banana, para o choque geral da família. A assistimos boquiabertos. Foi como se tivessem trocado a nossa bebê por outra criança e ela só está naquela escola pequenininha da nossa rua há poucos dias…
Trouxe o assunto para falar de estímulos e do quanto são necessários na promoção da mudança, das “viradas de chave”. Nenhum dos meus filhos se transformou por nada ou sozinhos. Estimulados por pequenas ou grandes provocações, se movimentaram na direção do novo, da mudança em suas vidas. E o mesmo se dá com a gente, na vida adulta, tantas vezes mais exigente no ato de movimentar-se, do que naqueles que movimentam crianças. Endurecidos pela vida, pelos medos e pelas dores que trazemos dos tempos de criança, e que constituem quem somos, falamos em transformação, a cultivamos no vocabulário como quem rega uma rosa valiosa e a exibe aos amigos e familiares, mas morremos de medo dela. E a verdade, em defesa a tese do que vi movimentar os meus filhos, a mim e as mulheres que conheço e acompanho profissionalmente e intimamente, é que, estímulos novos promovem transformação. Lugares acolhedores, conversas corajosas, enfrentamentos necessários, provocações e reflexões estimulam a mudança de posição, a ressignificação e a expansão de quem se é, além do que se pode imaginar.
A não ser que o lugar onde você está a faça feliz, genuinamente, não deixa de buscar um estimulo que mexa com o teu umbigo. Venho jogando pequenos botões aí a tua vidraça para não te deixar dormir no ponto ou se acomodar em lugar desconfortável à tua alma, ou que te ofereça algo diferente dos teus sonhos. Abri a janela para os “botões” entrarem e venho descobrindo novos movimentos, dançando na sala e compartilhando minhas transformações com os meus filhos, que me assistem. Viemos “virando chaves”. Quem sabe eles percam o medo e se encantem com a arte de se transformar?
Não será por falta de estímulos:)
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