Estive em Bento Gonçalves esse final de semana com o meu marido. Amo esse lugar, a gente ama. E não se ama nada a troco de nada, sabe… É sempre pela ligação que isso tem com alguma coisa nossa, feliz ou um dia, exigente, mas que deixou marcas. Quando feliz, é feliz pela lembrança boa. A gente pisa no lugar e é tomada pela atmosfera do momento no qual fomos felizes, revivendo o bem-estar. Quando exigente, é valioso pela gratidão quanto à transformação que gerou e que nos trouxe ao lugar onde nos encontramos. Ao momento o qual nos sentimos onde deveríamos estar, onde tudo faz sentido.
Pois Bento tem um pedaço do meu coração, da minha história de redescoberta… Foi um dos lugares, talvez o mais sutil, que marcaram o meu recomeço.
A primeira fez que “fugi de casa”, casada e com dois filhos, foi para Bento, a trabalho. Dormi em um hotel, no qual dividia quarto com a minha ex-cunhada e amiga, como subterfúgio à minha vida, que não me tinha mais. Quis ir de qualquer jeito para aquelas palestras empresariais e contatos comerciais que sequer tinham real importância para mim além de uma possibilidade de fuga, um ferrolho para o meu momento atrapalhado. Pois o que eu queria mesmo era partir. Era sair do meu lugar de desconforto, ainda nebuloso, para outro neutro, que não me cobrasse nada e me permitisse respirar, refletir, olhar de fora. Foi a minha primeira “espiadela” em outra possibilidade de vida antes de New York. Um ensaio ainda desencorajado. E foi assim que conheci Bento Gonçalves.
O meu casamento não me machucava, nem meu então marido, muito menos a presença dos meus filhos. O que me feria era a vida inteira que eu não reconhecia mais como minha. Um pavor imenso me tomava quando me sentia assim. Era como algo impossível de esconder por muito mais tempo, de maquiar. Era tudo feliz aparentemente, tinha tudo para ser, mas não era. E o meu ferrolho naquele momento foi a tal da viagem para lá, para aquele lugar da serra gaúcha que eu não conhecia.
Então, meses depois, vim a encontrar meu atual marido, por quem me apaixonei. E a nossa primeira fuga juntos? Para Bento. Não sei dizer por que, não foi algo planejado. Nem sabia que ele gostava do destino, nem ele sabia o quanto aquele lugar significava para mim. Aquele lugar seguro… E a cidade como destino de prazer era nova para ambos naquele momento. Vai saber por que paramos lá?
Vivemos um dos finais de semana mais incríveis e mais perturbadores da nossa história juntos. A paixão era tanta que mal podíamos compartilhar o mesmo ambiente. Pegava fogo! Só via ele, os vinhedos pareciam ter ele por toda parte, o vinho, o quarto, os passeios “sem mãos dadas” ainda, como forma de respeitarmos o nosso luto das relações que se foram e nos autorizarmos aos poucos a viver uma vida nova… Mas o fato é que, culpas à parte, demônios e conveniências também, a gente se amou demais em Bento. Selamos o nosso afeto. Casamos as nossas almas, o parece soa um tanto romântico e piegas, né? Pois foi isso mesmo, ou mais, para as intensas como eu. Não sentíamos ter escolha exceto unirmos corpos, planos, destinos, que sabíamos que seriam tortuosos, já que envolviam um tanto de mudanças e enfrentamentos para os dois.
Desde então, voltamos a Bento três vezes por ano, pelo menos. Sinto que a gente é “mordido” lá pelo nosso mais real motivo, pelo frio na barriga, pelo que esquenta a nossa boca do estômago, pelo que nos embriaga. Por tudo aquilo que deu vida a nós dois ao mesmo tempo, mesmo que também representasse o início de outros fins. Pois para nós foi começo, e a gente volta, talvez, para lidar com isso, com o lado bom das coisas. Com aquele lugar seguro, que valorizamos por nos acolher, por não nos ameaçar com sua popularidade ou indiscrição. Pelo conforto de oferecer um bom vinho, tão meu amigo no trajeto que atravessei, da descoberta de novos sabores para a minha vida. Talvez ainda, por me ser guarida quando precisei de um lugar para respirar e descansar… E para fugir, seja do que for.
Acredito que todos nós temos um lugar no qual nos sentimos assim, e neste caso em específico, não é necessariamente “ao sol”. O lugar do qual me refiro e possui a minha mais alta estima é o que me abriga dele, me esconde, me convida a descer da arena para um refresco, para reforçar as pernas e as ideias, para relaxar da luta, para desaparecer, para crescer. E não é no sol que acontece…
Então, com todo o respeito ao desejado “lugar ao sol” que a gente tanto busca, como se o melhor lugar do mundo fosse sob holofotes, reconhecimento, luta, glória, ou mesmo o sentimento de dar conta da briga, do palco, das apresentações, de suar a camisa ou de comemorar as conquistas, é dessa sombra amiga que eu necessito com constância e saio em busca. Desse lugar calmo… Longe do sol. Minha alma pede. Na correria que anda o mundo e o tempo, me soa o melhor dos destinos. E o meu está em Bento…
Convido você a conhecer o lugar e experimentá-lo “até o caroço”. Tenho certeza que não vai se arrepender da dica. Mas sei que você deve ter o seu canto em algum lugar… Aquele que te abraça. A tal sombra discreta e fresca a qual todas merecemos, além de reconhecermos como casa. Onde ficamos nuas, descansadas, em paz, dando vida a um sentido de felicidade menos eufórico e para fora. Um que te conhece por dentro e não te cobra ou julga.
Me conta desse lugar, é mesmo ao sol?
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