Comecei a ler este final de semana um livro novo. Confesso que quando o comprei, super bem indicado, tentei adivinhar o que viria de uma história com o título “Tudo é rio”. Pensei de imediato no passageiro, naquilo que “corre” na vida, que flui, e acreditava que a temática iria mergulhar em fins e recomeços, talvez na proposta de uma dinâmica ainda mais fluida e normalizada para os momentos de transformações do que aquelas sobre as quais já li, ouvi sobre, ou vivi.

Parti para ele com tudo. O final de semana com todas as crianças em casa não foi exatamente um tempo propício para consumi-lo inteiro como eu gostaria, mas pude adentrar no convite das “donas” da sua “orelha” e prefácio, Martha Medeiros e Cris Guerra, consecutivamente, a conta gotas, saboreando devagar, indo e voltando nos parágrafos, esquentando a cadeira, a cama.

O livro é um romance, e eu adoro romances. Mas não é uma história previsível e banal. Ou talvez de uma banalidade tão nua, tão crua, tão safada e inteligente, e de um detalhamento tão peculiarmente mundano e humano, que fez a banalidade fluir ralo abaixo, dando espaço ao surpreendente e ao extraordinário. Livro bom é livro que mexe, que cola, que transforma algo na gente. E esse remexe bastante, acredite…

A autora Carla Madeira descreve desavergonhadamente o sexo já nos primeiros capítulos. Não o ato, ponta do “iceberg” dele, mas onde tudo começa. Onde ele começa na gente, no corpo, na alma, ou naqueles lugares mais provocativos e apimentados dele, muitas vezes pouco visitados, onde as falas não são medidas, nem os trejeitos, nem o trajeto do prazer. Onde a palavra descreve a sensação. Tira a roupa dela ou qualquer outra proteção e glamour, oferecendo palco à nudez. Entra na mente humana e descorre perna abaixo. Cria a cena, entorpece a gente. Convida a uma viagem meio vulgar, meio sedutora, meio fantasiosa, meio real. De uma realidade tão intensa que em muito vive na ficção da vida da gente, entende? Nos cantos, no não dito, não feito, não sonhado ou só em sonho. No que é vivo mas não é vivido, exceto na nossa imaginação, ou nem lá, ecoando mais fundo ainda…

Ora, que feio gostar da “mão boba”, do olhar faminto pelo corpo, do prazer das palavras cruas ao pé do ouvido, do sexo pegado, sentido nas vísceras, sem os floreios os quais chamamos de romance, não é? Não é com cara feia que, quase que por natureza, respondemos a uma atitude sensual e provocante de uma mulher, um debate aberto sobre possibilidades mais eróticas com amigos ou um convite para o sexo desavisado e ousado com o companheiro? Que feio provocar, seduzir, se entregar na bandeja do prazer curativo e honesto, né?

Nos acostumamos aos “bons modos” de gostar mesmo é do sexo na cama, do sexo “namorado”, das palavras adocicadas, do “eu te amo”, do compromisso, da hora certa para o ato, planejado, da meia luz, de ser acordada com café na cama…

Não são poucas as vezes que escuto em rodas de mulheres o quanto o sexo vive pequeno “nelas”. Acho que definiria assim a sensação que tenho quando as vejo repudiar o sexo no dia a dia do casamento, como um dia já fiz. Como se ele vivesse pequeno ali, contido, sem possibilidades, caras novas, como tempero da relação consigo mesma, com o seu corpo, intimidade, e com o outro. Descobri o sexo bom nas negociações e concessões que fui dando a mim mesma, não aos meus parceiros. Alimentei-o devagar pela vida, até que a torneira por onde ele desaguava passou a jorrar. Amo o sexo e o tenho grande em mim. E mal sabia eu que esse livro me aproximaria dos meus contornos e me provocaria com vara curta no que tange o meu prazer. Seu erotismo saqueou a minha paz, aumentou o meu apetite pela história, pela vida. Me encorajou a escrever sobre o quanto vale se aprofundar na conexão com o nosso próprio prazer.

Acredito que somos melhores seres humanos quando vivemos de bem com o sexo, sem máscaras, exceto aquelas que eventualmente vestimos na construção de fantasias que nos levem ao mais genuíno deleite. Somos melhores com a gente e com o mundo quando investimos no nosso prazer. É menos  hipócrita, mais honesto. E esse livro, só para constar, nem é sobre sexo. Vai muito mais fundo. Flui sim em tudo o que é mais humano, líquido como são as dores, os amores, as perdas, as desilusões, o sentir, o viver. Mas já valeu por me lembrar do quanto vale a pena fazer o sexo viver grande em mim.

Feio é ignorar que ele existe e que faz um bem danado. Ou melhor, eu diria que é a pena.

Já leu?

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