Eu tenho uma fé inexplicável neles… No Natal e nos milagres que ele traz consigo, com a sua atmosfera e espírito. Você pode achar que eu estou romanceando, pelo fato de eu ser assim, de eu escrever sobre o amor, a dor e as ideias do bem da jornada. Mas juro que como qualquer um que navega nos altos e baixos da vida, eu teria motivos para gostar menos da época, já que nela tive baixos.

Quando eu tinha uns 23 anos eu voltava de um dia de trabalho na véspera de Natal, com o meu crachá no peito e a minha meta de vendas batida. Estava feliz. Conseguira uma vaga na empresa que sempre sonhei e começaria nela em meados de janeiro, então vivia uma despedida daquele meu momento para uma evolução profissional bacana. Estava noiva de um namorado de anos, desde os tempos de escola, e acabava de ser liberada do plantão de Natal pela minha liderança, então tudo parecia estar em perfeita harmonia, como se espera da época.

De trás de um ônibus surgiu uma senhora, que meio perdida, encontrou o fim no meu capô. Eu tremia o tempo todo pensando que tudo o que eu mais desejava na vida era antecipar minha ida para a praia, onde a minha mãe e o restante da família me esperavam para a ceia de Natal. Ocorre que a coisa toda se deu diferente. Me ajoelhei no asfalto e passei a mão na cabeça daquela senhora só querendo, de todo o meu coração, que ela reagisse, acordasse. Afinal era Natal, quem mereceria viver algo assim logo nesse dia? Mas ela não acordou. Naquele dia uma família perdia alguém do jeito que era, nem saberia dizer se boa ou má, se agradável ou abatida, não me atreveria… Naquele dia chorei um choro profundo de impotência sobre a vida, sobre os planos feitos, sobre as perdas que não escolhemos e sobre a desilusão de um Natal que poderia ser perfeito, idealizado, mas não foi.

Sofri a realidade que prova que desgraça não escolhe hora.

Após ser liberada do primeiro ato das tantas responsabilidades pelas quais eu teria que arcar a partir daquele dia, em um processo que durou quatro anos tortuosos, me fui ao encontro da minha família sem saber ainda se existia saída daquele túnel escuro sob o qual eu não via luz. Uma pessoa havia morrido no meu colo. Não parava de pensar na família dela e no que seria de mim após vivenciar aquilo tudo. Afinal eu estava bem, atenta, voltando do trabalho… eram cinco horas da tarde, sol alto de verão, como aquilo pôde acontecer? Que significado teria qualquer outro ganho ou sensação de felicidade anterior àquele incidente?

Lembro da minha irmã menor invadir o banheiro para o banho da ceia e me encontrar aos prantos sob o chuveiro. Ela me consola até hoje da mesma forma que naquele dia. Ela tem um jeitinho doce de abraçar a dor da gente sem diminuí-la. E durante o jantar, fui abraçada também pelos demais, e acolhida com alegria pelos meus pais, parentes, e principalmente pela minha avó, a melhor pessoa que eu já conheci. Tivemos ali uma noite de Natal, apesar de tudo. Porque ela é maior que o que quer que seja, já que oferece um leito de paz e amor para os corações mais machucados, assustados e desamparados, impondo a sua luz.

Senti a tremedeira daquele dia por dias a fio, por anos. E o milagre que atribuo ao Natal? Ele se deu ali, não parou de acontecer por conta do meu acidente e na força que exerce em unir as pessoas em amor, iluminando a caminhada que viria à frente. É o que ele faz… Reascende a chama da gente. Do que há de mais humano, nobre e antigo no nosso coração. Convoca a criança, a esperança, o amor. Lembra que a vida é um presente maior que coisas e acontecimentos, e que devemos ser gratos pelo que temos e por quem fica, além dos lamentos do que se foi…

Se você prestar bem atenção, algo muda no ser humano no Natal.

Sempre vivi uma esperança nova nessa época, desde criança. Como se por magia os problemas fossem ser resolvidos, as agonias trazidas pela eventual realidade das coisas viessem à tona para o juízo final, do tipo, ou vai ou racha. Ou segue o barco “limpa”, isenta, ou se abraça com o diabo e ignora a nova chance. As ofensas simplesmente se oportunizam serem perdoadas, afinal, estamos virando mais uma página e todos temos direito a uma nova chance. E o amor? Acho que em geral ele se multiplica, mas o mais especial é aquele que nutre as relações humanas, que nos fazem comunidade. A gente enxerga o outro no Natal… Não só os nossos. O que me faz pensar o quão bom seria se Natal fosse sempre.

Por isso, não desmerecendo qualquer vivência ou motivo real para um dezembro ruim, pesado pelo excesso de compromissos, pela falta dos que perdemos, pelo balanço geral a que se propõe, pelos altos e baixos que se apresentam, pela consciência do que não foi realizado ou que um dia nos marcou a ferro e fogo e não sentimos que pode ser apagado, convido, de todo o meu coração… Com o mesmo que pediu um dia que aquela senhora se levantasse do asfalto: levanta enquanto pode. Enquanto depende apenas de uma decisão sua de continuar. Se dá uma nova chance, assim como às pessoas em volta. O milagre de Natal se dá em escolher continuar acreditando, em renovar o amor, a fé de que coisas boas virão sempre e que elas fazem a vida valer a pena. Que para cada tombo, a vida apresenta novas possibilidades de ganho. Que sempre há luz na escuridão.  Como aquelas que iluminam pinheiros de Natal e os olhos das crianças…

É nascer de novo… Então vai, se joga. E recebe o seu milagre de Natal de coração aberto.

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