Eu tenho uma amiga que me conhece desde a infância e que, quase quarenta anos depois, só fez intensificar a nossa relação. Ela é a minha “best” e eu confesso que adoro dizer por aí o quanto faz tempo que andamos juntas nos apoiando e amparando as transformações uma da outra.

Já devemos ter nos estranhado aqui e ali durante a vida, afinal não fomos todo o tempo “maduras”. Fomos meninas juntas, atravessamos a adolescência, tivemos nossos efeitos “sanfona” durante o percurso, quero dizer, já tivemos sintonias nas nossas histórias que nos aproximavam, e diferenças nos nossos momentos que eventualmente criavam certa distância. Mas o fato é que nessa amizade escolhemos estar uma para a outra independentemente das escolhas individuais que fizemos para as nossas próprias vidas e atravessamos as transformações que vivemos pessoalmente, juntas. E eu a amo do fundo do meu coração.

Ocorre que na maior parte dos casos na vida não é assim. Somos feitos de quem genuinamente somos, misturado com aquilo que fomos, que recebemos, que escolhemos, que a dor da vida nos provocou a ser. E nessa metamorfose constante muitas vezes as amizades não dão conta de acompanhar. Mesmo porque as “verdadeiras”, e não constituídas por conveniências, com todo o respeito e eventual legitimidade delas, são raras. Cada vez mais raras…

Vivi muitas mudanças e com elas, mais de uma vez, me perdi da “minha turma”. Nos meus recomeços, poucos me acompanharam. Mais de uma vez me vi carente de amigos para atravessar a vida que pudessem seguir comigo alheios às minhas escolhas. A minha “rica melhor amiga” e os poucos que ficaram não davam conta de mim todos os dias, pois afinal, cada um tem a sua vida para tocar. Ela era, com eles, meus “pés de coelho”, se revezando no dia a dia do jeito que podiam, mas não podiam estar para tudo. E quando a gente ama não escraviza, nem na amizade. Incrível como, quando amamos, preservamos, mesmo sem querer. No ponto de “abusar”, cuidamos uns dos outros. Isso possivelmente perpetuou a relação com eles, com os meus amigos mais verdadeiros. Quando me vi cedendo espaço a dor ou momento feliz deles, guardando o meu para depois. E nessas circunstâncias, a vida acaba recebendo gente que chega, os apresentando como presentes…

Estou trazendo essa questão pois sei que sou apenas mais uma na multidão. Que todos nós precisamos de companhias leais e queridas. Que poucas delas se mantêm no percurso das nossas vidas. Que nos unimos muitas vezes por semelhança, por interesses comuns, por afinidades, por termos o mesmo objeto de afeto ou a mesma dor, e que em muitos casos nos separamos quando o que era comum se desfaz. Se modifica. Quando nos transformamos e nos desfiguramos daquilo que um dia fomos, fazendo se romper os laços de carinho ou de interesse, porque simplesmente haviam. Quando o desconforto desse movimento gera julgamento e veredito de quem tínhamos como rede de apoio.

Recebi da vida novos amigos incríveis, que juntamente com os antigos, são motivo de felicidade e sensação de riqueza profunda para mim. Com eles, me sinto acompanhada e presenteada na vida. Com a maturidade nos afeiçoamos nos amparamos e nos divertimos em pouco tempo de amizade. Sem passado, construímos um presente valioso pela noção exata que absorvemos da vida e seus “vai e vens”, e sobre o quanto as dores e as transformações podem nos unir àqueles que compreendem o que passamos e aceitam a nossa nudez, os nossos medos, carências e desejos de novas chances. Talvez porque sejamos a nova chance uns dos outros, vai saber?

Essas duas da foto são queridos presentes meus na vida. Uma mais antiga, outra mais nova, reincidente. Às vezes a vida dá, tira e traz de volta. Esse texto é para elas e para os tantos amigos que chegaram para me acompanhar desde as minhas últimas disrrupções.  Quem vem escolhendo aquilo que me tornei, que se afeiçoaram e ficaram. Com quem divido taças de vinho, nascimento de filhos, de livros, de projetos. Mudanças de casa, de trabalho, de opinião. Gente aberta, que já mudou um tanto de vezes e que ancorou leve nas mesmas águas nas quais escolhi pousar.

Aos novos amigos, representados pelas amadas Paula e Ju: Que possamos seguir juntos na vida, nos dias de velejo sob o sol forte ou sob as tempestades que são do trajeto. “New friends” é como “New families”. Uma construção de felicidade no depois… Não é como pote de ouro no final do arco-íris?

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