Uma amiga me indicou o filme que traz esse título na segunda-feira “pós dia das mães”. Organizei minha turma toda, banho, jantar, cama, para que eu pudesse ter um momento de cineminha só para mim, sem interrupções, o que é sempre um desafio com três filhos. O filme estrangeiro, sueco, com uma história de família, é o tipo de obra que eu costumo e gosto de apreciar sozinha, até porque confesso que filmes mais profundos, com mais “paradas” e reflexões não são do gosto geral aqui de casa.
Então me deitei na minha cama grande com a minha caneca de chá de gengibre e mergulhei na história da família sueca. Um pai, uma mãe e um par de filhos decidem passar um tempo juntos para esquiar nas montanhas de algum lugar da Europa, e vivem a experiência de uma avalanche juntos. No episódio, enquanto a mãe corre para juntar os dois filhos e protegê-los da onda de neve, colocando-se sobre eles com seu casco de tartaruga mãe, o pai pega o celular, as luvas e corre dali para se salvar. No ato inconsciente de salvar a si próprio, deixou a família para trás. Enquanto os filhos gritam pelo pai, e a esposa pelo marido, ele desaparece, filmando ainda a cena toda com o celular. Bem contemporâneo, não?
Todo o filme se dá a partir desse acontecimento. De como cada integrante daquela família, principalmente a mãe, lida com o fato de que a sua natureza selvagem, de sobrevivência, abraçou a família, enquanto o mesmo não se dava com o marido, parceiro de jornada. Sentiu-se, por este motivo, só. Desconectada.
No decorrer do filme a trama apresenta mais disfunções entre o casal do que aquele evento pontual, mas o fato é que a “força maior” de cada um deles os fez correr para lados diferentes. A força maior da mãe era o amor pela família, pelos filhos, o senso de proteção do que lhe era mais caro. A força maior dela era esse valor, aquilo que escolheu e pelo qual vivia. E perceber que a natureza do marido, a sua força maior, não pesava para o lado da família em um momento definitivo de suas vidas, fez movimentar todo o afeto que os ligava. O filme é interessante, cheio de momentos de silêncio, de oportunidades de conversas honestas simplesmente perdidas, de constrangimentos na exposição do assunto, de explosões de sentimentos por vezes mudas, em outras, barulhentas, sofridas. Cheio de surpresa, do descobrimento do problema, de coragem em mexê-lo, da dor de enfrentar a realidade. A partir de um acontecimento pontual se desdobra uma história incrível sobre como a força maior que temos em nós nos diferencia, nos une e eventualmente nos separa.
Acredito que a força maior que vive na gente não é algo rígido e intacto pela vida afora. Conforme vamos construindo o nosso caminho, identificando os nossos sonhos, nos estimulando em direção ao nosso autoconhecimento, atentos ao que nos toca, me parece que vamos ficando mais coerentes e menos sobressaltados com as ações naturais e involuntárias da nossa força. Do tipo que corre na direção de si, das suas escolhas, reforçando-as quando nos representam ao ponto de no ato de salvar o que é possível em uma avalanche, salvarmos aquilo que é prioridade para nós. Simplesmente porque nos conhecemos e sabemos com o que não viveríamos sem. Me parece que se somos conhecedores do que se passa em nós, já sabemos para onde correr quando o “bicho pega”. E aquela mãe correu para a escolha consciente dela, enquanto o pai se via atrapalhado com tantas outras coisas e prioridades que estabeleceu na vida, que se viu confuso no momento de escolher o que salvar.
Interessante, não? Todos nos atrapalhamos, todos nos vemos correndo daquilo que amamos por, em alguns momentos, estarmos fugindo daquilo que nos amedronta, assombra, não sabemos lidar, do que eventualmente não entendemos ou não resolvemos na gente. A obra não é um julgamento ao pai, mas talvez ao significado que damos àquilo que escolhemos e que poderia ser uma questão da mãe também. Ali, por exemplo, era a família. Só uma das escolhas que fazemos ou não, e que pede um alto nível de consciência por envolver a geração e a orientação de pessoas de altíssimo vínculo afetivo. De alta responsabilidade. Coisas da vida adulta. A família é. E dos tantos recados que a obra deixou na sua imitação da vida, para ela mesma como presente, é o quanto nos vale a consciência sobre nós mesmos e sobre aquilo que escolhemos na vida. O quanto isso define se a nossa força maior trabalhará a favor daquilo que realmente nos importa, ou nos boicotará, nos constrangerá, deixando o que nos é mais caro, descoberto.
Não é um caminho fácil, já que os desafios não são poucos, nem estamos aqui a passeio. Mas se vale a dica, pensa na avalanche e em tudo aquilo que gostarias genuinamente de salvar. Esta aí a direção da sua força maior, para onde ela te leva, ou deveria levar. Sem surpresas.
No mais, assiste o filme.
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