Sabe o que é legal no processo de envelhecer? A gente tem uma sede de aprender coisas diferentes daquilo que já conhecemos, que já vimos na vida, que já nos tocou de alguma forma, ou mesmo, que é da “nossa área” de atuação. Diferente dos tempos da juventude nos quais preto é preto e branco é branco, e tudo o que a vida parece pedir é foco, direção para aquilo que se quer, na maturidade assuntos novos são excitantes. Cursos daquilo que nunca imaginamos entender melhor sobre são sedutores. O nascimento de novos interesses, algo renovador. Desbravar o desconhecido, desafiador, uma aventura feliz.
A gente se permite ler de tudo nessa fase, não só o que vai nos levar a algum lugar sabido e seguro ou à nossa zona de interesse. O gosto por diálogos mais refinados nos filmes, por produções alternativas, estrangeiras ou nacionais, livres e cheios de profundidade, passa a conduzir-nos por caminhos mais interessantes e menos óbvios. Testar o desconforto parece um jogo atraente. A segurança de sabermos como levantar no caso de cairmos ou nos refazermos no caso de nos desmancharmos, torna o viver uma aventura segura. Cada dia que passa com menos medo, mesmo que se tenha mais a perder. Coisa do envelhecer. A gente começa com isso desde cedo e não sabe onde vai parar… Só sabe que um dia vai. Então a sede por mais vai aumentando no decorrer dos anos a fim de sabermos mais e mais da vida e das suas possibilidades.
Martha Medeiros escreveu na sua crônica deste domingo sobre o quanto a leitura está ligada ao nosso interesse natural pelo mundo. Eu complementaria que ela é fundamental no interesse por nós mesmos. A gente se conhece a partir do que sente sobre aquilo que tocamos ou somos tocados. Quanto mais diverso, mais ampliamos o nosso autoconhecimento. Mais exercitamos o nosso pensar sobre os mais diversos assuntos, cenários e desafios muitas vezes inimagináveis na nossa realidade. Um exercício de empatia, de entendimento sobre outras vidas, outras reações sobre as coisas, outras formas de dor e de amor.
Chorei pela cura de um câncer de um escritor e pela travessia pela mesma doença por uma outra. Senti a dor de uma realidade feminina do sertão, de um lugar muito mais cruel e exigente do que o que eu ocupo agora. Não fosse pelo “Torto Arado”, pelo “Tudo é Rio”, como eu saberia? Naveguei em histórias de amor, de dor e de perdão tão bem traduzidas que passei a achar possível que ele realmente se dê em qualquer situação. Traições, atrapalhações, relações familiares mal resolvidas, reconstruídas das ruínas, sentimentos ambivalentes, preconceito, prisão afetiva, abusos, redenção, recomeços, felicidade… Tanta coisa que se experimenta através do investimento na arte, na leitura, nos filmes, que é difícil concordar com qualquer um que ache este hábito perda de tempo ou que deixe de fazê-lo por falta dele. Esse tipo de navegação é desenvolvimento pessoal. É a oportunidade de questionarmos o nosso próprio eu e expandirmos as terras do nosso viver. Derrubam crenças antigas que limitam a nós mesmos e as nossas relações. Ensinam sobre perseverar e recomeçar. Compartilham ferramentas para melhor vivermos. Uma prateleira imensa de sapatos que nos permitem experimentar vários pés, várias posições, várias vidas.
Não é perda de tempo. Nenhuma obra nos representa, mas é ingrediente na receita de quem somos. Dia desses li um livro meu, que escrevi em 2017, e me dei conta de que ele não me representa mais, mesmo tendo nascido de mim. Um dia ele foi eu, mas vieram tantas leituras, viagens, posições diferentes depois dele, que já não sou mais aquela, mesmo tendo-o vivendo em algum lugar de mim mesma. Poderia ter ficado parada naquele tempo. Enrijecido naquelas verdades e naquele senso de valor e de felicidade. Olha o quanto eu perderia? Olha de quantas fontes novas passei a beber quando topei entrar na viagem de outros, na história alheia? Foi tanto o que me instigou a pensar e me desafiou a novos interesses, tanta coragem de desbravar cantos meus e valorizar meus próprios desenhos guardados… Borboletas voam da gente quando a leitura nos penetra. A arte tem esse poder. E se valer a dica, lê. De tudo. Depois me conta se esse impulso não mudou quem você é para maior e melhor…
Perda de tempo é fugir daquilo que nos aproxima uns dos outros e de nós mesmos.
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