Fechei os olhos e me imaginei boiando em águas paradas de um mar limpo e sob um sol soberano, em um céu sem nuvens. Nem frio, nem calor. Meu corpo estava confortável e os meus olhos, de vez em quando, se abriam a fim de lembrar-me onde eu estava. Não tinha medo nenhum ali. Parecia estar no lugar certo. Nem crianças para cuidar, nem trabalho para fazer, nenhuma obrigação. Tudo tinha vida em mim, mas além de mim. Estava livre. Exceto pelo fato de que o meu rosto não era meu, mas de uma atriz da série que estou assistindo no momento, o resto parecia ser a minha vida. Era eu na pele dela, o que também foi uma liberdade minha experienciar naquela cena boa.
Dali, daquele lugar, lembro de não ouvir nada exatamente. Meus ouvidos, sob a água, captavam apenas a presença do som, mas não o seu significado. Som era apenas mais uma presença, assim como a do sol, a da água, mais a sensação de que o relógio não representava qualquer ponto de pressão. Vez ou outra eu me via observando a mim mesma de fora, como se fosse uma câmera, sem vida. Era eu na água olhando para mim mesma assim, boiando, absorta no tempo, sem pressa e em paz. Apenas sentindo a luz, a leveza do meu corpo em navegação livre, permitindo às minhas pálpebras a espontaneidade de abrir e fechar conforme sua própria vontade.
Um dia me disseram que isso era mágico, meditar. Que poder parar e observar a si mesma, a própria vida, com calma, leveza e sem julgamentos, faz com que avançamos na direção de nós mesmos, da compreensão de quem somos e do porque fazemos o que fazemos. Mas nunca fui capaz. A pressão da vida lá fora sempre foi mais intensa do que o meu íntimo desejo de parar tudo e observar. Quem é mulher e é mãe sabe o que eu quero dizer. A gente cresce correndo para alcançar um lugar ao sol. Corre mais que muitos, sabemos disso, na direção não só de provar ao mundo as nossas capacidades, mas principalmente a nós mesmas, frutos da cultura patriarcal da qual fazemos parte. Buscamos a mulher excepcional, a profissional excepcional, a mãe muito além das expectativas, autônoma, resolutiva, forte. E nessa maratona de busca intensa por conquistas monumentais que garantam um lugar minimamente confortável, ansiamos adoecidas, por um pouco de paz. Uma paz que nunca chega, pois ela não vê terreno fértil em uma vida assim, afinal. Voltada para o atendimento de expectativas cruéis alheias, e daquelas que criamos como armadilhas para nós mesmas, para a nossa própria felicidade e auto realização.
Eis que a vida aqui, justa com os propósitos dela para mim, e que muitas vezes desconheço por falta de atenção, me fez parar. Ela puxa o freio de mão quando se faz necessário, viu? Seja nos colocando um problema de saúde, uma inviabilidade na nossa relação afetiva, no trato com a dificuldade de um filho, num questionamento de carreira, enfim, quando nos faz perguntarmos a nós mesmas o que estamos fazendo da vida, afinal. Então, momentos de reflexão se estabelecem e assim, oportunidades de mergulho, de mudança e de evolução.
Quem me lê compartilha comigo há tempos algumas dessas janelas da vida. O divórcio, por exemplo. O nascimento de uma nova maternidade. O questionamento do trabalho. A nossa impermanência como mulheres e mães. A coexistência dessas duas e dos seus desejos na mesma vida, na mesma casa, na mesma cama. As respostas que sabemos que estão à disposição da gente, mas das quais não nos achamos merecedoras tantas vezes. Das tantas mortes que vivemos em vida, e que nos convidam a renascer de novo e de novo melhores, se formos capazes de deixar as transformações acontecerem.
Pelas mãos de duas mulheres especiais, mães divorciadas e casadas novamente, venho aprendendo a boiar sem medo de estar perdendo tempo. Venho, encorajada, abraçando mais uma morte e mais um recomeço. Ele vem depois da dissolução da gente como era, então é preciso paciência e coragem. E queria contar que uma delas sou eu, olha que privilégio! Acolhi a mim mesma e, mais uma vez, sou parte ativa no meu processo. A outra sabe bem quem é. Me ensinou a abraçar mais essa parada, a meditar nela, a deixar o processo acontecer sem sair correndo tentando apagar o fogo aqui e ali. Sem fugir para “lugares seguros”. Apenas fluindo no processo. Boiando sob o sol e curtindo a paz do momento. Percebendo a mudança.
A gente vive cercada de possibilidades de crescimento e de anjos. Mas ambos só podem ser realmente identificados e sentidos quando nos entregamos à experiência de nos esvaziarmos, de apenas observarmos o que a vida quer nos mostrar sem pressa, sem pressão. Como tudo o que é da natureza, demandamos de um ciclo para florescermos. E a vida está acontecendo agora, é agora que ornamos o nosso jardim, que cortamos os inços, que enchemos a nossa “casa” daquilo que faz sentido à nossa jornada.
Se sentes a necessidade de transformação bater à porta, coragem. De cadeira? É ruim, mas é bom. E quando passar, o que vem depois é o melhor.
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