A vida apresenta moldes inesperados. Quando um dia pensei em família, ainda jovem, idealizei em um casamento perene e muitos filhos. Imaginei uma casa rústica, mas sofisticada, cheia de amigos, de vinho, de crianças, de alegria e de prosperidade. Os filmes que se passam no interior da Itália sempre disseram muito sobre o futuro que eu almejava, que imaginava verdadeiramente viver em família. Onde, após aquele inicio solitário da vida, preenchido de mim mesma apenas, tudo o que eu queria pudesse ir se encaixando, se pendurando em mim enquanto seguia correndo, voando as minhas tranças longas, crespas e castanhas pelo mundo em busca dos meus objetivos, aos quais já chamei erroneamente de sonhos. Sonho é para ser bom, ser leve, e a vida não era pelo menos não naquele molde.

Um dia, ao me ver preenchida de uma quantidade de coisas que bagunçavam a minha mente, a minha percepção de quem eu era, de onde e para onde estava caminhando, senti falta da base, do meu motor, e parei. Fui parando nos anos na verdade, até parar em definitivo e não conseguir andar nem para frente, nem para trás. O que via pelas minhas costas eu já não reconhecia, não me fazia sentir. O que via no horizonte à frente era embaçado e nada sedutor, cinza como uma manhã úmida de inverno. Os meus pés pisavam em um presente carregado de trabalho, de culpa, de crianças e de faltas, carências profundas do ser na confusão entre o que era sonho, idealização, e o que tornei objetivos pesados, cheios de uma natureza que não carregava o essencial. Em nada se parecia com a vida daquelas famílias italianas. Nada. Com aquela intensidade de viver principalmente a “dolce far niente”. A ociosidade da vida enquanto ela acontece, sentindo cada momento pulsar. Foi quando parei…

Mas eu falava dos moldes inesperados da vida. Nunca fui à Itália, nunca. Uma pena sem fim de não ter escolhido ver com os meus próprios olhos aquilo que eu vislumbrava, que eu idealizava a fim de me conectar com aquilo que eu parecia desejar. Escolhia pelo destino do outro até ver que tinha me perdido. Larguei a minha vida como era, cortei meus cabelos longos e crespos e os colori de amarelo, como diz a minha filha caçula, fruto do meu “e se”, do meu “porque não?”. “E se” eu tentasse de novo, tentasse me achar? Buscasse não mais correr, mas vagar devagar pela vida, curtindo os lugares de minha escolha enquanto a tenho, os tenho desejosos em mim? Porque não? Porque não tentar encontrar em mim a casa rústica e cheia, a cama repleta de amor, de paixão, e objetivos que me dessem mais prazer e menos cansaço, deixando para traz uma vida de tantos esforços e outros tantos vazios? Então com novos moldes remodelei a minha família e o meu dia a dia, sem saber bem para onde, mas ciente do que não era.

Estou falando de mim, entregando as minhas mais sinceras impressões, mas poderia estar falando de um tanto de outras mulheres que tive o prazer de conhecer e talvez até de você. Sou só uma representante de coragem a contar a verdade a fim de chamar a atenção para qualquer uma outra que vive no mundo no qual a gente vive. Cheio de esforços, de metas sacanas, de pedras que insistimos em pendurar na gente enquanto caminhamos, a fim de atendermos às expectativas que acreditamos serem nossas. Por estarem enraizadas na nossa cultura, no discurso dos nossos genitores, ou que compramos em um ato de gula, como que abusando de uma vitrine de doces da nossa confeitaria predileta de uma só vez. Sem escolher o que o nosso íntimo pede hoje, do que gostamos e o que nos faz sentirmos que estamos em casa, e que são uma, duas ou no máximo três coisas daquele universo açucarado e sedutor. Quem sabe? Só nós saberemos…

Talvez precisemos de menos para manter a nossa saúde e a nossa paz, é isso que quero dizer. Pode que essa seja a nossa grande missão nesse mundo. Quebrar o ciclo de exigências que nos aprisionam e estabelecer moldes justos, que nos violem menos em nome do que definiram como “empoderamento” ou sei lá o que. Não se sente o gosto de nada quando se come tudo misturado.  Quando se corre. Quando se enche a vida de coisas demais, nos sobrecarregando de esforços e nos distanciando do que é importante.

Nos moldes inesperados da vida me afeiçoei à madrasta dos meus filhos sob o formato em que a minha família se deu. O pai de duas das minhas três crianças, homem bom, virou parceiro de curso e comigo passou a carregar algumas pedras, o que era justo aos dois. Nessa grande tribo, divido alguns pesos do corpo e da alma com eles e com o meu parceiro. Não é fácil quando a sociedade em que se vive ostenta as super-heroínas e o conflito pelo poder, mas venho dando as costas para isso tudo deliberadamente. Tem mais amor para quem é essencial para mim e sobrou espaço para mim mesma em alguns momentos altos do dia, o que eu já não conhecia mais. Meus doces prediletos se embalam entre os meus três filhos, o ninho de amor que venho construindo com o meu marido simplesmente porque nesse investimento sou feliz, algumas poucas e amadas amigas, os livros, a escrita e um trabalho que me aproxima do meu pai, de quem andei muito longe, mais do que eu gostaria que fosse. Buscando me equilibrar, venho escolhendo pelo que me sacrificarei de novo, sem açoitar a minha alma. Envelhecendo com a consciência do que não pode ser mudado e mudando apenas o que se pode, e que se traduz em uma sensação de mais paz e presença na vida que escolhi, ou naquela que também me escolheu.

Resolvi que trabalharei a partir de hoje para ir à Itália. Me parece que “empoderamento” diz respeito somente a mim e ao que eu faço disso… Arrivederci!

Comentários

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *



NEW FAMILIES