Dentre os tantos ingredientes da maternidade o sacrifício talvez seja a base da receita que constitui a mãe. A farinha do bolo, a uva do vinho, o açúcar do meu preferido, o “doce de ovos”. Não tinha ideia quando me propus a ter um filho do quanto essa escolha envolveria sacrifícios além dos óbvios.

Começou com restrições alimentares por conta dos enjoos e com a necessidade de abandonar a minha fiel taça de vinho, pelo menos nos primeiros meses. Pode parecer pouco para você, já que não habitas o meu corpo. Amo vinho, o tenho na minha rotina, e detesto vomitar. Vomitei sem parar por quatro meses nas minhas três gestações, sendo que a azia me acompanhou até o final de todas. Adquiri “melasmas” no rosto e os hormônios mudaram meu cabelo tantas vezes que até hoje ele não sabe bem quem é, perdeu a identidade… Das minhas barrigas vieram três crianças amadas e desejadas que me sacrificaram de várias formas conhecidas e algumas outras que vim a conhecer na experiência diária de ser mãe. Peito rachado, noites em claro, mastites, banhos de leite o tempo todo. Tinha um cheiro azedo de leite materno em mim que eu podia sentir o tempo todo, por mais que banhos, cremes e perfumes me cobrissem da cabeça aos pés. Foram meses, “vezes três”, com sutiãs de amamentação nada sexys e conchas que vazavam cada vez que eu me movimentava com o ímpeto natural que era meu desde sempre.

Precisei sacrificá-lo junto com o meu lado “super” festeira, “super” executiva, “super” trabalhadora, “super” parceira para tudo, “super” livre. E o fiz com consciência de que daquele momento em diante tudo indicava um longo caminho de sacrifícios estruturais de quem desejava realizar um bom trabalho nessa missão desde a sua concepção. Afinal, foi escolha minha.

Ilusão de quem acha que as trocas são equivalentes ou equilibradas na maternidade e do jeito que ela é, está justo. Depois de velha enxerguei os sacrifícios da minha mãe e hoje estou vivendo os meus pelos meus filhos. Isso é bonito, não uma reclamação ou um fato infeliz. Apenas uma realidade, que se fosse levada a sério, talvez fossemos um país de primeiro mundo e não de terceiro, no qual idealizações e provas sociais de mães “super-heroínas” sacrificam os filhos e o seu desenvolvimento sadio, social e emocional.

Conversava hoje com uma amiga sobre os sacrifícios deste lugar que escolhemos ocupar na constelação familiar e percebi o quanto, além do óbvio, somos profundamente exigidas na relação materna. Nossos filhos não mudam apenas a nossa rotina, a nossa carreira, a nossa relação amorosa, com o mundo, e às vezes, inevitavelmente, com o nosso corpo. Nos pedem a desconstrução de muito do que somos e das verdades que conhecemos e que são fruto da nossa formação social, cultural e moral. Somos mães de uma geração liberta, que como nós, no nosso tempo, experiencia o novo. Tem curiosidade, intensidade e liberdade nas veias. Anseia por isso, por desbravar, conhecer novos limites e novas possibilidades. E de lá para cá, a oferta da praça só fez crescer a feira livre da vida. Sem lenço ou documento, nos desafiam com a sua leveza, sem correntes para arrastar ou culpas pelo que não são, já que essa é expectativa nossa e não deles.

São tantas as possibilidades desconhecidas e as quais somos quase incapazes de compreender e aceitar, que, de novo, somos chamadas ao sacrifício. Ao mais profundo de todos… A darmos passos tímidos e medrosos em direção a eles, buscando “normalizarmos” o nosso coração no “normal” que não é nosso. E que se é deles, então, teremos de abraçar, de trazer essa verdade para nós mesmas, a fim de podermos acompanhá-los.

Se tem uma certeza na vida é que ela é feita de sacrifícios e que eles são frutos das nossas escolhas. Andar com eles, crescer com eles, tem os seus. Somos mães afinal, e só queremos vê-los crescer e viver a própria vida, não? É o mais perto que podem chegar da felicidade. Vamos junto? “Vezes três” aqui…

Soltarmos as nossas correntes me parece um bom caminho. A jornada é longa e eles andam rápido. Então, que a bagagem seja leve e que possamos contar umas com as outras. O barco é o mesmo.

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