Quando Jerry Maguire disse essa frase para o seu então par romântico Renee Zellweger em “A grande virada”, eu achei ter ouvido a expressão de maior vulnerabilidade, entrega e amor que se poderia oferecer em uma relação afetiva. Ele a olhava nos olhos, e com eles lacrimejados pela honestidade do que estava sendo dito, prometia a sua metade a ela, pedia a dela para ele, enfim, propondo um inteiro juntos, uma caminhada compartilhada. Era 1996, eu não tinha vinte anos, pelas minhas contas, dezessete. Achei lindo. Repetia a cena de novo e de novo no vídeo cassete, possivelmente… faz tempo né? E me perguntava: há homens assim, entregues? Me apaixonei pela vulnerabilidade do Jerry.
Em um mundo machista, o “macho” dizer que na condição de “metade” não se bastaria sozinho e, por isso, oferecer-se em sociedade na construção de uma relação, sem mais do que fragilidade, desejo de recomeçar e aposta, me parecia algo um tanto disruptivo. Foi talvez o grande marco expresso por Hollywood na humanização masculina e na quebra de idealizações e príncipes encantados, ou de seres fortes e práticos, ou de relações para sempre… Foi um marco para mim, sem dúvida. Jerry chorava, implorava uma chance de forma muito real. A mocinha, uma mãe solteira já não tão “mocinha” assim, era bem mais real do que uma princesa “hollywoodiana”. Mais parecida comigo e com você. Ele estava longe de ser o príncipe ou um porto seguro e provedor. Bonito sim, mas não oferecia nenhum “dote” ou a velha promessa do “te cuidarei para sempre, até que a morte nos separe”. O amor deles era algo mais para pautado em uma parceria cheia de admiração, resiliência, afinidades, exigências, medos e disposição de caminhar juntos do que romance propriamente dito. Até faltava romance. Propunha uma forma nova de se relacionar, menos romântica, mas real. Uma nova família, olha que bacana… Quase “prático”, também me chamou a atenção por isso. Pela sua condição cheia de sentido, de “porque não, se faz bem?”
Lembro de conversar sobre a cena com várias pessoas, era um épico da época, e ninguém a interpretava da mesma forma. Há quem dissesse que ele não a amava tanto, que ela era apenas conveniente a ele, já que ela não negava sua disponibilidade para amar e o seu companheirismo, tão peculiar às mulheres, o que ele carecia tanto. Há também quem tenha entendido que, após uma sucessão de más escolhas, parecia estar claro para ele que ela era a melhor coisa que havia acontecido em sua vida. Há quem simplesmente tenha se surpreendido com aquele desfecho, já que durante toda a história o amor entre eles parecia existir apenas unilateralmente. Muitos desconfiaram da honestidade do amor do Jerry, muitos. Eu inclusive. Fiquei no meio de todas essas suposições imaginando as alternativas que levaram os dois àquela cena bonita e sem atuações afetivas, apesar de ser uma obra de ficção. Ela não resistiu à vulnerabilidade que ele oferecia para um inicio de vida a dois. Não resistiu ao fato de que, mesmo ele se propondo a construir algo novo e ainda frágil, sem grandes certezas, a oferta era honesta, tendo como pano de fundo uma entrega valiosa: a vulnerabilidade.
Suponho que nas relações verdadeiras e com chances reais de se darem de forma sadia e satisfatória, pelo tempo que for, a vulnerabilidade seja tão valiosa quanto o amor. Eles andam juntos, amor e vulnerabilidade. São eles que dão profundidade à relação a dois. São eles que propõem juntos camadas que desafiam e convidam o casal a ir além, a movimentar a relação de tanto em tanto, a superar juntos as transformações que o andar da vida gera em um e em outro. Eles fazem crescer a cumplicidade, criam ambiente comum, sonhos comuns, multiplicam o amor que um dia foi a semente do começo. O que me faz pensar que o Jerry ofereceu à sua parceria algo valiosíssimo. Tão valioso quanto a própria possibilidade de amá-la dali para frente, fazendo dessa intenção algo mais próximo do real, do viável, e por isso, uma “quase promessa” de muito mais respeito e valor do que aquelas que ignoram as naturais dificuldades do caminho.
Outro dia assisti a um vídeo de uma querida amiga nas redes sociais no qual ela convidava seus seguidores a dispensarem os filtros da vida, propondo assim uma existência mais franca, mais real, com lidos menos fantasiosos, mais honestos, menos idealizados. Foi quando lembrei do “Jerry” e me dei conta de que sob essa ótica gosto mais dele do que de outro qualquer. Deve ser a maturidade… Os filtros me dão um cansaço! Além disso, desconfio que os tombos na vida deixariam de ser altos para serem tropeços menos traumáticos, e olhe lá. Algo que daremos conta sempre. Afinal, será só a vida se movimentando em tamanho real, cor e linguagem. E talvez, “you complete me” seja só uma forma de dizer o quando é bom andar junto na vida… Mais nada.
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