Era uma vez uma menina crespa com algo entre nove e dez anos. Em tempos sem “leave in” para o trato com as cabeças encaracoladas, a opção da minha mãe foi de mantê-lo curto. Por esse motivo, somado a outros tantos que a minha psique ousaria acusar, tive um trauma importante relacionado a minha apresentação pessoal. Não podia fazer rabo de cavalo ou acordar e aparecer meigamente na sala de estar cheia da família ou de uma visita surpresa. Meus cabelos eram descontrolados. Descabelados, tinham vida própria como os da medusa. Li outro dia em um livro que cada um de nós tem seus pontos frágeis. Pois o meu maior sempre foi o cabelo. Até hoje.

Adulta, transformei-o de inimigo à força. Deixei ele crescer, cuidei, tratei com os produtos que foram aparecendo cada vez mais rápido e abundantes no mercado, e entre marcas e o passar do tempo virei a musa do cabelão cacheado. De repente era o meu ponto forte, meu cartão de visitas. O cabelão quase na cintura, foi moldura da minha adolescência, início de vida adulta e de duas das minhas três barrigas. Joana e Joaquim nasceram daquele vasto cabelo e ambos de madeixas lisas após o primeiro corte.

Louco né?

Tanto quanto me dar conta da bengala que carregava na cabeça por uma vida toda, e que até aquele momento não era passada por DNA aos meus filhos. Não até a Antonella. Temos as nossas bengalas, todos, você sabe. Então não me senti mal por isso, por ter vivido tanto tempo sob a sombra dele, mesmo quando ele não me fazia nem cócegas de tão curto, e só me dava vergonha e baixa autoestima. Foram anos a fio, a muitos fios. Até que quando meu primeiro casamento apontou a sua necessidade de transformação, me senti chamada a transformar também aquilo que tanto me escravizava. Quarenta centímetros de rabo de cavalo ao chão, logo eu que sonhava com um bem grande nos meus oito anos de idade…

De lá para cá, achei que estava livre. Que nada… Voltei a dá-lo a missão de representar a minha personalidade, a minha mudança, a minha força e coragem. E lá fui eu investir minha fé em madeixas, que como diria o meu pai, se fosse tão bom não nasceria no… você sabe:)

Os anos se passaram e eu me tornei a loira que a maioria de vocês conhece. Uma mulher de cabelos revoltos, anelados e dourados, completamente diferente da forma da qual nasci. Um grito de poder, do tipo: posso ter o cabelo que quiser e ser quem eu quiser! E na minha terceira gestação, pari uma crespa como eu.

Amo o cabelo da Antonella com todo o amor que não tive pelos meus próprios. E a entendo quando percebo seu incômodo com o volume, com a bagunça que se instala na sua cabeça. Marinheira de segunda viagem, me aparato de spray de água, escova de cerdas grossas e creme para pentear no trato com a minha pequena. Na intenção de que ela o ame como é e não construa dos pequenos espaços incômodos, bengalas para ela. Sentindo com empatia aquilo que ela pode sentir se não se amar como é, independentemente do que carrega no topo da cabeça. Diferente do que fez a mãe por muito tempo.

Pois neste final de semana, após anos descolorindo meus fios, eles quebraram em um lavatório amigo. A minha sogra lavava meus cabelos quando eles começaram a cair ralo abaixo, desmanchando a “poupança” de uma vida. Meu até então porto seguro, minha marca registrada, a maior bobagem do mundo, mas necessária para o meu aprendizado. Achei de verdade que esse seria o dia do meu fim e só para não parecer fútil, contei toda a história.

Eu sem cabelo já fui a Juliana sem poder. Sem a personalidade construída. Como se a bandeira da conquista pessoal fosse devastada por um tsunami. Mas para a minha surpresa não foi. Na frente do espelho, com pedaços do meu cabelo destratado pela química, pelo excesso de confiança, de estima e medo, exagerados eu sei, espalhados no chão, na minha roupa e na minha história, pedi às mãos disponíveis e profissionais ali, que cortasse o que estava morto fora.

Pode cortar.

Mas?

Pode cortar. Tira o que tem que tirar. Não quero peso morto na vida, muito menos vivendo em mim.

E foi então que cortei meu primeiro corte chanel. Sem pestanejar, desejei uma vida sem bengalas. Sem nada que dominasse meus medos ou me definisse para mim mesma. Eu cortaria mais, mas a minha sogra achou melhor eu dormir com o resultado daquela coragem e avaliar com calma mais um excesso. Sábia ela… Afinal ele não me representa nem define o meu poder e a minha coragem na vida. Ele só perdeu palco. Deixou de ser tão importante. Quando voltar, talvez passe a ser só tratado como são os meus braços e as minhas pernas. Sem extravagâncias e sem tanto poder. Pois afinal é só cabelo. E cabelo, como tudo na gente, cresce. Basta deixar vir.

Essa história te lembrou alguma coisa? Espero que sim. Pode ser a chave que faltava para você se desprender das correntes que tem aí. Se assim for, serviu para alguma coisa esse episódio bizarro. Não desejo para nenhuma mulher vaidosa, mas pode acontecer… E o resultado? Não ficou tão ruim:)

E quando isso se der, aí, talvez, não seja algo tão importante também. Tomara.

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