Fiquei algumas semanas sem escrever, vivendo de respiração curta. Sabe como é isso? Quando a vida está mais transpiração do que inspiração? Mais rápida, suada, exigente, com mais ação e reação do que paradas? Com mais movimento do que espaço para reflexão, para contemplação?
Como pessoa que escreve vivo a ansiedade frente a ambivalência de duas personalidades em mim. Uma delas sem espaço para escrever, confesso. Espaço este que tantos questionam, estimulados pela minha aparente falta de tempo para fazer xixi, quanto mais haveria dele para escrever? Que vive no corre, que gosta disso, do desafio de vencer o dia com tudo que pode dar conta ou mais. Com o trabalho realizado “à termo”, com vendas autorizadas, com muita gente em volta, telefone tocando, com o exercício físico feito, com a maternidade exercida na presença, no “controle” (direção essa que venho tentando soltar, já que não há), com a casa em dia e com um namorico antes de dormir, o que eu adoro aliás. Tudo encaixado no tempo. Só que ela me cansa, essa daí… E talvez por isso conte com a minha outra face como oásis, refúgio, calmaria, centro.
Essa outra de mim se distrai com o barulho do vento, com a música de elevador, com um movimento sutil das crianças enquanto vivem as suas vidas, com a jornada dos outros, suas histórias, e com as nuances da minha própria. Do meu afeto, dos livros que ainda quero ler, da expectativa que tenho em projetos e pessoas, dos prazeres que atendem a minha carne, que me alimentam a alma, tudo em marcha lenta, bem devagar. Essa vive no “mundo de Bob”. Essa escreve. Coisa que a “maratonista” nem sempre dá conta, não consegue tempo. E durante uma vida inteira vivi entre elas no mesmo corpo ao ponto de surpreender o meu “lado A” com o meu “lado B”, e vice-versa. Quem me conhece trabalhando não acredita que eu possa ter a calma da escrita, e quem me vê tocando os meus projetos de escrita e mentoria não imagina a minha desenvoltura para vendas e a velocidade de um dia meu de executiva.
Mas o fato é que nesses dias tenho tido muito calor, ando agitada. Tenho passado assim essas últimas semanas e imagino que seja fruto do metabolismo intenso de coisas que se passam dentro de mim e que não tornei escrita por falta de respiração longa. Semana de provas das crianças, aulas particulares, campeonatos na escola, aniversário de um, um projeto grande de um cliente, uma convenção que me tirou de casa uma semana, a primeira temporada longa longe da menorzinha, a primeira de tantos dias do meu marido. E frente ao convite de tantas coisas novas além da rotina normal, que já é exigente, minha mente não parou para processar os acontecimentos, os meus pensamentos, e organizá-los, coisa tão necessária na vida e que fazemos todos de formas tão diferente, cada um a seu modo.
Por algum momento questionei se eu poderia ser essas duas personalidades na mesma vida e me realizar por inteiro. A vida faz pensar que é sim ou não, direita ou esquerda, ter filhos ou ter uma vida, relacionar-se intimamente ou viver por aí, ser ou não ser. A vida insiste nisso. Em nos colocar com a faca no pescoço, a necessidade de escolha, um estilo único, uma velocidade constante, um biotipo, uma profissão, uma opinião única e instransponível (ou somos volúveis), uma cor de cabelo. É como se precisássemos “cair” bem em um modelo que por fim nos aprisiona ao nos distanciar de tantas outras possibilidades as quais podemos experimentar ser. Nos empobrece. Nos torna previsíveis a nós mesmas, que é o pior. Chatas, sem graça, como café na cama todos os dias da semana e não naquela surpresa de domingo. Distantes da sensação de felicidade…
Só que nesses dias de transpiração realizei coisas que me fizeram sentir viva, sentir novas fontes de energia em mim, sentir que posso tanto ainda, que seria um desperdício real e oficial pensar que algo, qualquer algo, me defina. Me limite. Mesmo que me proponha um intervalinho em uma das coisas que eu mais amo fazer para poder acontecer. Essas partes nossas que podem se “pendurar” no dia a dia da vida da forma viável, no espaço disponível, que às vezes é amplo, em outras restrito ou quase nenhum, enquanto a gente faz o que pode.
Porque a gente pode desde que sustente. E eu queria falar sobre porque eu sei que às vezes parece que “não dá” e receio que você acredite nisso. Que só se pode ir até ali na frente, quando na verdade as possibilidades são infinitas. Que a vida é feita de inspirar e transpirar e que por vezes a gente se atém mais a uma delas, seguidas pela nossa natureza, intuição ou necessidade mesmo. Que está tudo bem cansar, fazer intervalos, mudar de roteiro, de rumo, de cor do cabelo, de estilo, de lado, de opinião, de vida e seguir em frente, tudo na mesma jornada. Como diz o querido filósofo Cortella, a vida é muito curta para ser pequena. E se dar conta na prática que sempre é tempo, que ainda podemos brincar com as coisas, nos animar com projetos, com aquilo que gostamos, nos apaixonar, viver grandes realizações para nós mesmas, mesmo que pequenas para o mundo, e assim, novos recomeços, dá a sensação vibrante de estar vivo. Redundante assim.
Então voa, borboleta! Voemos todas. A vida é muito curta para ser pequena… Com licença, bora viver.
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