Incrível falar disso. Cuido dos meus filhos e dos seus sentimentos com muito zelo. Com muita delicadeza. Simplesmente porque sentimentos sempre foram importantes para mim. Sempre valeram mais que tudo. Quem me conhece, sabe. Sempre entendi e vivi sob sentimentos reais, profundos. Gosto de olhos nos olhos e acordos sinceros no estabelecimento de relações de afeto. E posso dizer que adoro dar os meus melhores aos meus queridos, aos meus amores. Porém, o tema que se fez relevante não é o que trata dos meus afetos ou da forma que escolhi lidar com eles na vida. Se trata do que recebo. Do que vem dos meus dois filhos.

Me vejo a todo tempo sendo cuidada por Joana e Joaquim. Me emociona falar disso. Honestamente. Porque empatia não é exatamente uma coisa que se ensina. Mesmo que estimulados por posicionamentos e valores compartilhados em casa sobre como tratar as pessoas, ou como procurar se colocar no lugar delas em determinadas situações, não se constroem sentimentos. Simplesmente porque emoções não são criadas, são genuínas. E sentir pelo outro é um exercício humano que envolve sensibilizar-se. Realmente olhar a outra pessoa e se deixar sentir, no seu lugar. E isso é deles. É uma característica dos meus filhos.

Joana e Joaquim não cuidam só dos meus sentimentos. Cuidam dos do pai, e dos do pai do coração. Dos da família que sempre tiveram e dos sentimentos que ganharam com a minha nova relação. Dos amigos da escola e da nossa ajudante em casa, que dedica a eles muito carinho. Enfim, cuidam para não magoar ninguém. Zelam por seus afetos, com empatia.

Só que esta atitude bonita, gentil, também pesa. Vi sobrecarregar aqueles pequenos ombros que só querem ver todos bem. Sempre. E essa não é uma responsabilidade deles. O que me preocupava.

Eles têm a ilusão infantil do final feliz dos contos de fadas e das aventuras de Lego, nos quais só quem não sai feliz da história são a bruxa má e os inimigos do Batman e do Superman. No mais, até a vida dos passarinhos termina bem. E assim eles imaginam que a vida é. Assim eles cobram. E para isso eles protegem a todos que podem. Evitam informações, assuntos polêmicos ou exposição de gostos diferentes entre suas casas, entre seus amores. Não por falta de autenticidade, mas para fazerem felizes suas partes. Como se isso fosse importante para elas! Nessas horas o macaco do whatzap vale mais que palavras…  É realmente um esforço desnecessário pois são eles que queremos ver bem. É sobre este sentimento de paz que dormimos bem com a nossa alma, com a nossa consciência.

Mas a fazem, essa proteção toda, por ainda não saberem lidar com a principal frustração da transição da criança para a vida adulta: a de que nem tudo sai como planejamos. Que as pessoas não são perfeitas. Que sentem diferente umas das outras. Que fazem diferentes escolhas. E que nem todos são felizes no mundo dos adultos. Nem todo mundo sabe como ser feliz. E o que é feliz para um, pode não ser para o outro.

É a desconstrução das histórias infantis, do amor de príncipes e princesas. Da vida na qual todos se amam e vivem felizes para sempre, até os ratinhos e os passarinhos.

E isso é duro de ensinar. Porque quebra uma crença bonita, mas irreal. Mostra um mundo no qual matamos a vaquinha para o churrasco, a galinha para um assado e o peixinho para um ensopado. Um mundo no qual ratinhos não são amigos de meninas. E que a maioria delas não são realmente princesas. Nem nascem asas ou poderes das suas costas e do seu punho.

De longe é meu objetivo tirar deles o otimismo e a simplicidade no olhar às coisas. Porque não quero dizer que não agradar a todos é ruim ou motivo de desânimo. Mas simplesmente porque não se agrada a todos. Porque a vida é cheia de todo o tipo de gente, de histórias, de gostos. De religiões e de partidos políticos com filosofias diferentes. Do bem e do mal. Do bem que sabe ficar bem, e do que não sabe. Da ferida que sara para um e não sara da mesma forma para outro. E isso não é nem de longe, ruim. É só da vida. E faz dela rica, profunda, plural. Faz dela escola e de nós, melhores.

E precisei orienta-los. Repetidamente, todos os dias, como ainda faço. Para que não se sintam no papel de avaliar o impacto de cada coisa, de cada acontecimento, em todos os seus afetos, na tentativa de protege-los. Mostra-los que os adultos dão jeito, sabem viver com isso. E se não souberem, essa é uma condição pessoal. Uma decisão intima. De viver como se quer o seu caminho.

E assim toco a vida com eles. Mostrando pouco a pouco do que ela é feita. Mostrando vida, do jeito que sei viver. Mostrando sobre o amor que conheço e sei compartilhar. Que é diferente do ciclano e do beltrano. Vivendo nossos dias, com suas tristezas e alegrias. Do ruim que faz do melhor, ainda melhor. E da liberdade que cada um tem de ser e sentir. E assim, aos poucos, libertando-os. Deixando-os cumprir seus caminhos carregando apenas as suas bagagens. Permitindo que seus afetos carreguem as suas, com o que escolheram por conta própria levar consigo.

E assim orientando-os sobre o significado mais profundo da palavra respeito. Aquele realmente bonito. Que liberta, que protege escolhas, que enriquece afetos. E que se torna, a cada dia, um pano de fundo maior e mais colorido para as nossas histórias de família.

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