Recebi outro dia uma mensagem de uma amiga divorciada que vem acompanhando as minhas crônicas pelo blog New Families, dizendo o quanto lê-las faz bem a ela. O quanto se identifica com as histórias, que apesar de serem minhas, se repetem diariamente em várias casas, com nomes diferentes. Com outros personagens. E na casa dela, pelo seu relato, muito se assemelham à minha. Mas além do seu depoimento querido e acolhedor ao meu trabalho, me deu de presente um tema que se apresentou a ela em um episódio da escola dos seus filhos, através do preconceito de pais de coleguinhas deles. Preconceito quanto às duas famílias de seus filhos. A dela e a do ex-marido.

Essa não é a primeira vez que sou solicitada a escrever sobre este tema. É um pedido que já veio das poucas amigas próximas e da mais especial delas, da minha mãe. De gente que me viu atravessar o processo de divórcio desde o seu início, e vem comigo até aqui.

Porém, até então não consegui escrever. Este assunto é bastante difícil para mim. Porque envolve amigos. Porque envolve uma comunidade a qual sempre tratei com respeito. Porque não quero julgar ou magoar ninguém, nem à suas capacidades e incapacidades. Nunca quis. E por isso evitei. E esse preconceito, essa rejeição ou mesmo a falta de lido, foi o que gerou uma das dores inesperadas que o divórcio me trouxe. Daquelas dores surpresa.

Hoje, passado o furacão e em uma condição bem mais isenta, resolvi escrever sobre.

No movimento da separação, vinha preparada para muitos obstáculos, muitas crises, muita tristeza, até que as coisas se acomodassem. Porém o que eu não esperava foi a falta de empatia de quem me conhecia e me queria bem. Difícil, né? Simplesmente porque se tratavam de amizades. E das que não tão amigas, mas conhecidas, tratavam-se de pessoas. De seres humanos.

Pois bem, minha mãe e algumas amigas queridas pelas quais tenho grande consideração, me fizeram enfrentar um dos maiores dramas da minha escrita. Aquele que, pela surpresa, ainda faz doer. E que em nada tem a ver com o divórcio daquele ex casal. Tem a ver somente com empatia, com caridade. Com humanidade. Tem a ver com quebrar o paradigma das conveniências. Do que serve para as pessoas, e depois não serve mais. Simples assim, mesmo se tratando de gente.

Como uma caixa de alfinetes jogados dentro da roupa, a falta de acolhimento das pessoas permeou em todos os momentos do meu processo de divórcio. Tenho quase quarenta anos e em toda a minha vida um divórcio com dois filhos pequenos foi das coisas mais fortes sobre as quais me vi fazendo parte. Que me demandaram mais enquanto pessoa. Me exigiram todas as forças que eu pudesse tirar de mim mesma, e que muitas vezes, mesmo assim, não me foram suficientes.

Nestes momentos precisei de mãos amigas, de sustentação, e confesso, como me faltaram! Os poucos que ficaram, giravam em minha volta, como baratas tontas bem-intencionadas, tentando me atender, me suportar. E quanta gratidão tenho por eles…

Só que não podiam estar em todos os lugares ao mesmo tempo. E o mundo é grande. Principalmente para os que recomeçam. E o depoimento de cada um dos amigos que ficaram, hoje, mostra o quanto se espalhou a minha dor, quando em tantos momentos sentiram por mim cada etapa. Por não conseguirem me proteger.

Faltaram pessoas amigas. Nas coisas mais singelas. Na compreensão calada daquilo que estava acontecendo com aquele casal. Nos convites para festas, aniversários dos filhos, para um bom vinho, para a sua casa. Enfim, como era antes. Na humanidade de manter o universo, em volta daquela família que estava se desfazendo, o mais intacto possível, o mais seguro. Passível de se agarrar.

E aí, faltou carinho, faltou sustentação. Faltou a serenidade e isenção em receber os velhos amigos, do jeito que for, ou que ficaram após a tempestade, em seus braços.

E ainda falta no dia-a-dia, em todos os cenários nos quais transitam os tantos sujeitos destas novas famílias.
As escolas, por exemplo, me chamam a atenção. Surpreendentemente, na maioria dos casos, fingem não enxergar as novas famílias, quando seu principal cliente são elas. Quando tratam todos como se viessem de estruturas iguais. Independente das suas questões, que acabam por aparecer no dia a dia, entre colegas, em sala de aula. No que acontece dentro da criança, quando eventos e comemorações escolares não se adequam a sua realidade. E ali a criança fica com a sensação de não pertencer. O que é triste para mim como mãe. Tristeza que tive, muitas vezes, quando o distanciamento dos amigos de mim foi percebido pelos meus filhos, que com sensibilidade, vestiram o meu sapato, e se sentiram também diferentes dos grupos. Exatamente como eu passei a ser.

A falta de empatia, aquela que tenta se colocar genuinamente no lugar do outro, colocou a mim, por quem posso falar, na condição de mãe separada, no lugar no qual a sociedade naturalmente coloca os divorciados. Em falta. Tendo que provar quem são e aos seus direitos. Direitos de mulher, de mãe. Que precisa provar que dá conta de seus filhos.

E é nesta posição que vivem os divorciados. Os quais, pela sociedade, são questionados. Quando em situações de “saia justa” esta sociedade provoca pais com padrastos e mães com madrastas. Quando pesa e compara para verem quem é melhor, quem dá mais afeto ou quem tem mais poder. Um “quem dá mais” camuflado nas tentativas de aproximação.

O que eu posso dizer? Sobrevivi a isso. Com as minhas feridas. Com grandes amigos, grandes seres humanos que me acompanharam. Mas preciso dizer que sofrem todos com o preconceito inerente das pessoas. Sofrem pais, sofrem filhos. Sofrem os que assistem. Sofrem os que amparam. Porque estou falando aqui, de novo, de empatia. De amor pelo próximo. De amizade. Daqueles sentimentos de apoio que todo mundo precisa em algum momento da vida. Que dependem somente do comportamento das pessoas. Amigas ou não, mas seres humanos. E este comportamento tem poder. De gerar o que quiser. De amenizar, de abraçar, de não deixar o outro só.

Então desejo que evolua, que seja usado para o bem. E quem sabe, com tão pouco, pessoas tornem a vida de iguais, como você, e de crianças, como seus filhos, melhores. Com diferenças, mas menos indiferenças. Com verdade, mas menos exposição.

Com compaixão, por aqueles que foram um dia, amigos. E se não foram, então, só por amor ao próximo.

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