O amor propõe caminhos diferentes às pessoas. Tem diferentes pesos e valores para cada indivíduo. E uma noite dessas, enquanto amamentava, me deu um estalo. No amor de família, especificamente entre pais e filhos, percebi uma diferença nada sútil entre este fluxo. Entre o que sentem pais pelos filhos, e o que sentem os filhos pelos pais. Não vou falar de tamanho. Aqui falo de tipo, de jeito, de efeito.

Outro dia ouvi o escritor Fabrício Carpinejar, no programa da Fátima Bernardes, citar que filhos não conhecem os pais como pessoas, enquanto gente. E na hora essa colocação me remeteu a minha infância, mais precisamente adolescência, quando descobri que os meus pais tinham vida conjugal. Que eles possivelmente, atrás daquela porta fechada, faziam amor. E da sensação de perceber, naquele momento, que a minha mãe era uma mulher. Antes de ser mãe. Antes de estar para mim e para as minhas irmãs, com seu amor incondicional. E essa posição a modificou na minha vida. Me aproximou dela. A retirou do pedestal de imaculada e a colocou mais perto de mim. Deixou de brilhar tanto para tomar uma forma real. E aí estava a lacuna entre o amor que comparei aqui, entre o que eu sentia por ela, e o que sinto por Joana, Joaquim e Antonella. Entre o idealizado e o real. Entre o que questiona se é amado e o que não questiona nada. Entre o que faz vista grossa para o outro, e o que não perde nenhum detalhe. Um olhar diferente, um jeito de andar, um estado de espírito. Que estava ali na minha cabeça, às cinco horas da manhã. Dois amores completamente diferentes nos caminhos entre pais e filhos. Da construção, ao sentir.

Talvez aí esteja a mágica de ter filhos para mim. Talvez por isso tenha dito outro dia, em uma entrevista, que desejo a maternidade a todas as mulheres que eu amo. Porque esta é uma experiência altruísta, corajosa e de autoconhecimento. Unilateral no tipo de afeto e sem garantias. Um investimento no qual o resultado é incerto e não sabido, mas que pouco importa. Porque eu estava ali, às cinco horas da manhã, apavorada com o tanto que eu amo eles. Meus três filhos. E em nenhum momento me questionei ou sequer me importou se a recíproca é verdadeira.

Que louco isso. Essa sensação que me completou naquele momento, de pleno amor, me colocou como por repuxo, na posição de filha. E a mãe plena que estava ali se sentiu uma filha cruel. Em falta. Sem reciprocidade. Culpada. A na posição de culpada, também arrogante.

Percebi que vivo da minha vida para frente, mesmo que com uma boa relação com os meus pais. Que na minha jornada, eles estão na posição de origem, de raiz, para trás. E como me senti mal por isso. Por não buscar tê-los como parte das minhas “páginas da vida”, do meu presente e do meu futuro. Por tantas vezes, no caminho do meu crescimento e amadurecimento, tê-los julgado ou responsabiliza-los pelo que deu errado, pelo que não era perfeito. Dizem que Freud explica. Que a culpa do que somos, e em geral, pontuadas nas nossas fraquezas, é dos pais.

E aí, na viagem daquela mamada, entre eu mãe e eu filha, entre essa confusão de tipos de amor quando se trata daquela relação ali, que eu estava vivendo em plena amamentação e que viverei por uma vida, com os meus três filhos, me vi frente a frente com a oportunidade de escolher ser gente na minha maternidade. De ser um ser humano verdadeiro, vulnerável, e transparente aos meus filhos. De não ser a dona da verdade. De ser de carne e osso e não faze-los viverem qualquer vida que não seja a deles próprios, por mim. Para me atender, me agradar, me aborrecer, ou por medo do meu julgamento. Mas apenas me verem como alguém que percorre o caminho há mais tempo. Capaz de acolher. De recebe-los de volta, acalenta-los e encoraja-los para outros voos, quantas vezes forem necessárias.

E ali, naquela posição, poder olhar para os meus pais da mesma forma e sentir prazer. De onde vim e pelo que passamos juntos na minha construção como pessoa. Porque agora, com olhos nos olhos e na mesma altura, poderíamos nos entender, nos aprofundar e nos conhecermos melhor. Como pais que somos.

Que momento! Não vejo a hora de acordar. De chamar a minha mãe para um café e dividir esta história minha. De ligar para o meu pai para dizer que respeito o jeito dele e quem ele é. Porque nenhum de nós tem razão a não ser a nossa própria. E então, poder dizer aos meus filhos que estou cansada, realmente cansada. Que a noite foi longa, que abrir mão das proteínas pela dieta da bebê nem sempre é fácil para mim, que não me sinto bonita neste momento. E que amanhã seremos só eu e eles, que o tio Lê estará viajando a trabalho e que eu preciso de ajuda. De verdade.

Acho que eles vão gostar… E eu também.

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