Tenho pensado direto na minha avó materna, que perdi na semana na qual descobri a gravidez da nossa Antonella. Venho sentindo saudades. Dela e dos nossos tempos juntas nessa vida. Da infância à vida adulta. Ela foi sempre muito próxima dos netos, sem qualquer preferência ou diferença, e por isso conquistou o amor e a admiração de todos ao longo da vida. Meus filhos mais velhos conviveram com ela até os seus seis e oito anos, respectivamente, e sempre tiveram um carinho especial naquela relação. Porque ela não era de cobrar, por presença ou atenção. Nem por afeto. E não era de reclamar. Era dona de uma lucidez incrível, mesmo aos seus 92 anos, já exaustos da vida.

Minha avó perdeu o marido, grande amor da sua vida, há alguns bons anos. Sofreu profundamente pois tinha nele um grande e apaixonado parceiro de vida. Há pouco, perdeu o filho caçula, um de seis, para a doença da peste. Aquela que chega e em muitos casos costuma levar embora. Aquela que envenena células e leva tantas pessoas queridas por aí à luta. Que termina vezes em vida, muitas em morte. Ali, naquela perda, vi que ela baqueou, como se diz por aí. Foi ao limite. Perdeu a graça, a vontade. E dali em diante foi entregando os pontos e adoecendo.

Bom, mas a questão é que me deu saudade. Desde o nascimento da Antonella tenho pensado nela lá e cá, e no último mês a coisa se intensificou. Tenho pensado nela direto, quase todos os dias. Vezes porque lembro de algum momento da nossa longa e profunda convivência de avó e neta. Outras porque penso em como seria legal se ela tivesse aqui vendo e convivendo com a bisneta mais nova, meu terceiro bebê, além dos seus queridos Joana e Joaquim.

Eis que, ao colocar minha Joana na cama para dormir esta semana, ela, emocionada, diz sentir falta da bisa Bebel. Pasmem. Deve haver uma explicação sobrenatural para isso. Mas chorando, me disse o quanto tem pensado nela e na falta que faz. E se culpou por tantas vezes ir visitá-la na sua casa de praia, em frente ao mar, e desejar correr para as areias, ao invés de curti-la ali, sentadinha na sua cadeira, ao lado de uma Zero Hora, um pouco mais. De ouvi-la e de contar coisas a ela. De sentar no seu colo, de pegar na sua mão. De estar mais junto, de ter talvez se despedido melhor.

Ela me pega de surpresa. Quase sempre. Uma menina lidando com a morte e com a saudade. Uma criança enfrentando o assunto de forma tão genuína e sensível… tão clara. E o melhor, confiando a mim este sentimento. O que dizer se também tenho sentido a falta dela, além de nos abraçarmos, eu e a minha filha, na saudade? O que dizer sobre os momentos nos quais podíamos ter aproveitado mais a presença da vó, ou se despedido a contento? Existe tudo isso? A forma certa de vivermos as pessoas para depois garantirmos a ausência de arrependimentos? A saudade diminui com o tempo? O que dizer?

Respirei fundo, a abracei e comentei da minha saudade. Disse a ela que aproveitou sim a avó, do jeito que uma criança aproveita suas companhias. Entre descobertas, entre pessoas, entre vozes, entre propostas sedutoras como as areias da praia. E que ela esteve lá, muitas vezes, e deu seu beijinho e carinho doce à bisavó, como lhe é peculiar.

Mas o coração dela seguia apertado. E ali, dividi o que, no meu íntimo, amenizava a minha saudade. Disse para a minha filha que conversasse com ela. Com a bisavó. Que de onde ela está, ela pode ouvir. E que é assim que eu faço já há alguns dias.

Joana de primeira achou bizarro. Riu em meio às lágrimas e disse que eu faço coisas estranhas. Verdade… escuto isso das pessoas às vezes. Acho o meu jeito estranho para tapar meus buracos, minhas saudades. Mas essa era a dica que eu tinha para dar, além dos beijos e abraços que já havia dado nela, tamanha admiração que tenho por sua sensibilidade.

Fui para o meu quarto quando comecei a escutar sua conversinha baixa com a bisavó. No papo pedia desculpas pela falta de atenção, trazia lembranças dela sobre seus encontros, e falava da saudade que a apertava o coração. O que realmente a fez chorar enquanto levava aquele papo reto com a bisa. Minha filha estava doendo de saudade da sua bisa Bebel.

Que linda a minha Joana. Que emoção vê-la reconhecer o valor e a beleza da pessoa que está em todas as minhas memórias de infância, em toda a minha história. E para a qual, muitas vezes, também não dei toda a atenção que merecia. Pois como ela, vivi criança na volta da vó. Descobri a vida na presença dela. Vivi adulta, acompanhada por seu cuidado de longe, suas ligações de aniversário, sua salada de fruta sempre pronta nas manhãs de verão, na casa da praia. Tive nela, acolhimento nos meus recomeços, como foi meu processo de divórcio. Sem julgamentos, sem lamentos. Apenas amparo, tocando a vida comigo e com os meus filhos com a fé na nossa felicidade no depois. Recebeu meu amor, hoje meu marido, e o abraçou como neto. Enfim… vivi sob seu olhar carinhoso e suas orações por cada degrau que subi na vida. E nem sempre presente de corpo, junto dela. Pois andava por aí, ocupada vivendo… Enquanto ela, formava plateia entusiasmada para cada neto e bisneto.

Então, estávamos ali, as duas, no mesmo barco, cada uma no seu quarto. Eu e a minha Joana. Curtindo a fossa da saudade de quem fez a diferença, de quem se conectou afetivamente com a gente. Em tempos completamente diferentes, mas com uma profundidade de assustar. Afinal, foram poucos anos de convivência entre a minha filha e a minha vó.

Ali, doeu a saudade daquela mulher capaz de conquistar a bisneta em tão poucos momentos, de fazê-la hoje chorar de saudade. Ali, morri de saudade eu. Ali, lamentei que a Antonella não tenha mais este privilégio. Porque assim é a vida. Uns se vão, outros chegam, outros se cruzam em belos encontros, outros não morrem na gente jamais. Pois o que é bom, é amor, deixa marca, vive na gente.

Respondendo à pergunta do título: quando a sua ausência deixa lembranças, quando deixa saudade… E naquela noite dormimos, mãe e filha, com as nossas.

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