Joana e Joaquim com o pai, Antonella dormindo com a sua fadinha, que a cuida como uma boneca de porcelana, e de repente, a oportunidade de passear por aí, de mãos dadas, na praia, surgiu a nossa frente. Assim como mágica. Assim, levinho, sem compromisso. Assim, como muitas vezes fizemos quando éramos dois.

Ali, exaustos, ficamos em silêncio. Assim, como nunca antes, quando éramos dois.

Quando éramos dois tínhamos assunto de monte. Entrávamos noite a dentro batendo papo. Falando de episódios do trabalho, da turma de adolescência da praia, de uma viagem com acontecimentos inusitados, da família. De questões profundas de algumas relações, e da superficialidade de outras. Da característica do lugar, do garçom que nos atende, da simpatia de algumas pessoas, da falta de jeito de outras. Do céu, do vento fresco, do calorão, da chuva que a gente não gosta, a não ser em finais de semana de inverno que queremos hibernar…

Enfim, quando éramos dois, e começávamos a nos conhecer, tínhamos muito a contar e a saber um do outro. Mergulhava nele e ele em mim. Assim, sem hora, em qualquer lugar. Do mais sem graça ao mais badalado. Pois pouco importava o cenário quando o foco era a companhia. Aliás, isso sempre valeu muito pra mim. As companhias que fazem o evento e o prazer. Não o lugar. Precisamos dele, ele faz diferença, apenas quando nossas companhias estão em falta. Quando a felicidade não está mais dentro. Aí precisa do externo para se estabelecer, mas enfim… esta é outra pauta.

Continuo sem precisar de um lugar estimulante para estar com ele. Acreditem, aqui dentro bate um coração romântico e ainda está valendo nós dois acima das propostas de entretenimento e conforto do mundo lá fora. Mas neste momento, a presença do silêncio era diferente. O cansaço e as demandas da nossa grande família e sua subsistência, assim como do trabalho, dos projetos e da estrada, nossa fiel companheira, nos tiram vezes o sono, vezes a fala. Nos esgotam. Afinal sonhar também cansa. E a gente sonha além de trabalhar e cuidar de crianças.

Voltando, no início da nossa caminhada vimos uma Lamborghini, carro esportivo e objeto de desejo de alguns homens, inclusive do meu marido. Era um esportivo amarelo, bacana mesmo, tipo carro do “Velozes e Furiosos” ou coisa assim. Mas para mim, confesso: só uma paixão do meu marido. Além disso, um pedaço de pequeno a médio porte de lataria com motor. Só. Mas ok, paixões devem ser respeitadas e olhei com ele aquela Lamborghini amarela com empolgação, pois se o faz feliz, me faz feliz.

Só que continuamos a caminhar e de repente me deparo com uma bicicleta amarela. Estacionada na calçada, com outra acompanhante da mesma linhagem. Ali, sem dono, exibindo sua silhueta moderna e elegante, vestida em amarela e preta, cores que eu adoro. Fiquei apaixonada. Por sua liberdade, leveza física e profundidade no convite ao passeio. Pois este envolvia a brisa, a paisagem e autonomia. Envolvia um encontro. Da gente com o corpo, com as pernas, então pedalastes, e com a mente, que fica ali, se conectando com o universo e se desconectando com os afazeres do dia a dia ao mesmo tempo. E a caráter de empréstimo. Sem compromisso. Por um aplicativo aí que me permitiria passear por apenas dois reais. O que tornava a coisa toda só mais sedutora.

Mas era tarde e eu usava uma sandália alta, nada apropriada para o passeio. Então, transformei aquele desejo que me tomou em planejamento, e passei para o outro dia. Aquela magrela. Aquela amarela sem motor potente. Aquela amarela barata e livre. E aí, cheguei ao que quero dividir agora… Ao mesmo pensamento de quando sentei à beira da fogueira artificial do hotel que estamos. Na qual um objeto no formato de um sacolé de ferro cheio de furinhos, no meio de uma bacia de pedra, controlava um fogo a base de álcool, à altura de trinta centímetros.

Somos afetivamente amplas. Mulheres. Gostamos de profundezas, da natureza dos sentimentos, da sua expansão. Não controlado por um sacolé de ferro em álcool. Se fossemos fogueira, nos espalharíamos. Nos ampliaríamos em luz e calor. Sem controles ou máscaras. E aqui falo da verdade e de afetos honestos, para quem isso serve, é claro. Pois para tudo há exceção. Mas é isso. Ao olhar aquele carro esportivo, aquela bicicleta amarela, aquela fogueira artificial e o nosso silêncio, percebi nossas naturais diferenças. Que, nem no amor, pensamos na mesma direção. Nem com a mesma natureza, nem com o mesma velocidade ou com o mesmo transporte. Coisas que nos levam às verdades e aos entendimentos sobre a vida. Às realidades, como as entendemos. E nem a compreensão do silêncio, quando somos uma boca sempre pronta para falar.

E no silêncio, observei a gente acontecendo nele. Com dificuldade, já que vivemos a comunicação do show e da enxurrada de palavras nesta era, mesmo em se falando de amor. Só que estávamos cansados. E ter a gente no silêncio, mesmo com dificuldade para mim, me acolheu. Me ensinou. Talvez seja a maturidade da relação, talvez seja a ausência da ansiedade, talvez seja o fato de nos conhecermos um monte, ou de não precisar provar mais nada em um mar de palavras. Talvez seja só o abraço ao cansaço. Ou só estar. Junto. Com esse tanto de diferenças. Ele com o esportivo dele, eu com a minha bicicleta amarela. Tipo homens de Marte e mulheres de Vênus. Nessa coisa toda que rola e que faz parecer que não nos parecemos em nada, homens e mulheres.

E se o universo nos fez diferentes, algo há. Tem alguma charada aí, quando se tem amor entre esses mundos estranhos. E no nosso, aparentemente, em meio ao silêncio do cansaço, era só o amarelo em comum. Ambos os nossos desejos eram. Aparentemente… Só que ali também existia parceria. E compreensão um com o outro, quanto aos seus mundos distintos. Ou, na pior das hipóteses, aceitação do diferente. Pura e simples, movida pela vontade de estar junto.

Então, interrompi o silêncio e o convidei para andar de bicicleta amarela na tarde do dia seguinte. O convidei para a minha experiência, mesmo que no corpo dele de homem, vá rolar a sensação própria dele, ao pedalar por aí. A dele, frente ao que é importante no seu mundo. Mas comigo. Ao meu lado.

E esse fato já vale… Esse aproxima, é cúmplice.

Estou só na expectativa. E se ele me convidar para uma volta de esportivo, juro que topo. Afinal, além dele, adoro amarelo.

Comentários

  • Carolina Job 7 de fevereiro de 2019

    Ainda não tenho bem certeza, mas estou começando acreditar que a maturidade nos faz entender, que não precisamos ser parecidos em tudo ou quase tudo, que mais vale querer estar juntos, o amor, a parceria…eu sempre busquei alguém bem parecido comigo, principalmente alguém que estivesse no “mesmo nível de evolução espiritual que eu” (não que seja bom, ideal, alto, mas querendo ser uma pessoa melhor todos os dias) e com pai do meu filho tive isso, mas não tive tantas outras coisas e hoje meu coração bate por alguém que tenho “aquelas outras coisas que não tinha no casamento”…
    Sigo em busca de respostas, sempre achei que “opostos não podiam se atrair”, mas acho que a vida está me mostrando diferente, a maturidade está me tornando menos rígida com que eu sempre idealizei.
    Me identifico muito com suas crônicas! Obrigada por escrever para nós todas que acreditamos e buscamos o recomeço!

    • Juliana Silveira 12 de fevereiro de 2019

      Que linda… A vida é isso. Não há regramentos para os afetos. Existe sim a vontade. E ela move. Aproxima, cria pontes, faz um relacionamento dar certo, mesmo entre diferentes:) Felicidades, querida!

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