Em que ponto eu passei a prestar atenção em tudo? A amar de olhos abertos?

Atenta a brisa, a um olhar caído, a agitação exacerbada de um, a mancha do olho do outro? À ansiedade, atrapalhação, hostilidade ou muita amorosidade de qualquer ser na minha casa, na minha vida?

Não sei dizer o que aconteceu em mim, mas hoje pareço uma sensível antena para os meus afetos. Percebo qualquer mudança de vento ou de temperatura. De pressão do ar. De tudo à minha volta. Quase uma chata, tamanho detalhismo e análise para tudo. Porque foi assim que eu fiquei depois do meu divórcio. Assim que eu fiquei depois de falhar na minha parte naquilo tudo, no meu projeto inicial de família. E quando falo em “falhar” aqui, não é do “chegar ao fim”, pois hoje sei que coisas podem acabar. Quase tudo na vida tem finitude, então lidar com isso virou também uma parte de mim. Mas a falha do não enxergar, do sublimar, sim. Nessas eu falhei. Quando pequenos sinais no meu dia a dia diziam que a coisa toda não ia acabar bem se continuássemos daquela forma, e por falta de atenção e de ação, permiti, da minha parte, acontecer. E isso, para mim, se chama “falha no afeto”.

Falhei no afeto no meu primeiro casamento. Quando sublimei, atropelei minhas luzes de emergência. Aquelas que piscavam nos cantos da minha vida, e muitas vezes na minha frente, e eu não dei importância. E tantas vezes, conscientemente, deixei rolar. Liguei o “foda-se”, focando toda a minha atenção na criação dos meus pequenos, no meu trabalho, dedicando à relação base da minha casa apenas sobras de tempo e palavras ralas pelo desgaste da rotina… pela presença já viva do desamor.

Então, não parei de pensar, desde o primeiro dia da minha nova família, no que eu posso estar perdendo. Pois lá atrás, em algum momento, começou a acontecer, e eu não percebi. Apenas quando o chão começou a ruir. Quando não éramos mais uma família de verdade, de verdades.

Foi tanta arrogância….

Hoje sei. Quando me permiti, após estar tudo em cinzas, andar pelos restos de nós, do nosso fim. E neles enxerguei minhas isenções e sublimações. Meus erros na posição de mãe e mulher. Onde eu poderia ter feito alguma coisa, falado, e não o fiz. Calei. Onde poderia ter esperneado e exigido questões importantes para mim, para não morrer naquilo, mas simplesmente aceitei as coisas como pareciam ser. Sem lutar. Reagindo, quando já era tarde. Quando já estávamos mortos naquela empreitada. Quando o amor já era.

Trago essa questão pois tudo começa a partir de um fim e reconhecê-lo pode ser assustadoramente exigente. E porque, acreditem, histórias se repetem. E não por nós, individualmente, termos problemas emocionais, de família, e etc., ditos crônicos. Estas, tem suas parcelas de participação, quando não reconhecidas e enfrentadas, mas lembro que vivemos o livre arbítrio, a era do autoconhecimento e da informação a partir de vidas compartilhadas por aí, como anda a minha. Mas se repetem porque histórias de amor, de família, se assemelham em geral.

Não é um campo tão amplo assim, tão criativo. É só você abrir o Netflix e buscar por romance ou filmes de família. São todas histórias da mesma coisa. Contadas e enfeitadas de acordo com a criatividade e valor das produções, mas que tratam das mesmas questões. Indiferença, desamor, falta de admiração, de atenção… Que terminam em desistência por exaustão, traições, a falta de lealdade ou pela falta de dinheiro, tamanha superficialidade a qual chegam. E casos se repetem em endereços diferentes por conta do comportamento, este caracterizado pelo não enfrentamento das coisas, das questões que não vão bem, do que machuca, do lido com a dor.

E dor é luz. Ok? É luz… ilumina as coisas, dentro e fora da gente.

Vamos falar muito sobre isso ainda. Afinal, só sabemos o que é ciático quando ele dói, não é? Ou não saberíamos do que se trata, a não ser os profissionais da área da saúde.

Quando abafamos questões diárias de agressão, e aqui falo de qualquer tipo, começando pela que agride a nossa essência, vamos criando um antídoto natural de autoproteção, que em altas doses nos sentencia ao envenenamento contra o agressor. Repulsa, incapacidade total de construção junto. Logo com este ao qual dedicamos inicialmente o nosso amor. Com o qual construímos relação de parceria, e família. E isso é a falha do afeto da qual falo. É a falta de amor a qual tantos de nós pecamos. A de não tratar, de forma transparente com o outro, o que estamos sentindo ou o que percebemos nele. E assim, deixamos o desamor acontecer. E permitimos que o envenenamento comece. Este feito de silêncio, muitas vezes. E que resulta na falta de admiração, premissa básica para o afeto se retroalimentar e viver as árduas tempestades do dia a dia.

Ainda hoje visito, vez ou outra, aqueles tempos. Com um ar de investigadora, buscando provas, rastros de mim e da prevalência dos meus limites e das minhas ausências naquela história. Tudo para não errar mais. Porque antes de errar com o outro, erro comigo, quando deixo o orgulho e o desamor entrarem. Quando acredito que o amor é invencível, ingenuamente, subestimando o mar da vida e suas ondas gigantes. Quando me isento do trabalho afetivo. E afinal, ainda vou errar muito na vida, mas pactuo comigo não errar na mesma coisa.

Pois então. O amor não é invencível, por maior que seja em nós.

E a arma que o mata é a falha no afeto. É a desatenção, o silêncio, a sublimação. É o abraço à agressão, a tratando como irrelevante, passageira, detalhe… Como se a diferença entre ser feliz e não ser, entre o sucesso e o fracasso, não estivesse nos detalhes da vida, do dia a dia….

Naqueles pequenos que chegam com a brisa, com um olhar triste, com uma necessidade de carinho, de reconhecimento, ou mesmo com verdades nuas e cruas, ditas com afeto.

Então, se de olhos bem abertos, sinto que farei, realmente, a minha parte na relação. E por isso divido com você que me acompanha por aqui, esse olhar sobre o jeito de amar. Este de olhos abertos.

Porque assim, entendo que é possível se viver realidades honestas e intensas, antes de perenes. Para a família da gente ser sempre de verdade. Pois sei que não há garantias. Nunca houve ou haverá. Há apenas trabalho envolvido. Aquele afetivo do qual falei…. E me determinei na vida a ser antena para ele, e para os objetos do meu afeto. Pois se nunca sublimados, estarei respeitando-os. Amando do amor o qual acredito. O qual quero para mim. O qual gostaria que fosse referência para os meus filhos. Amor que cuida, que admira, que apoia, que doa, que trata do lixo…. que o recicla. Pois ele, o lixo, está ali, presente na vida de todas as famílias.

Aí, este amor, amado assim, acredito que não falha no afeto. Faz a sua parte na relação onde for viga. E sai forte, se o fim for parte da sua história.

Pois em mim, de verdade? Será capacidade….

Já é. E capaz, amarei sempre.

É uma forma de olhar… Capiche?

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