As pessoas não querem mais conversar. Não querem mais discutir a possibilidade de mudar de caminho, de olhar, de reconsiderar uma opinião, de fazer um ajuste pelo outro ou pelo cenário humano que os cerca.

As dores reais estão em baixa. Está difícil cair e levantar sem transbordarem dilemas existenciais ou a frustração quanto à queda, ao fracasso. Está mais fácil ir às feiras e fóruns de inovação, que tratam com tanta coragem grandes mudanças para o mundo, e a partir deles, mudar o comportamento de uma empresa ou do indivíduo profissional na gente. Em contra partida, cada vez mais difícil o olhar para si e o ajuste de um comportamento pessoal. Ou mesmo o ato de acolhê-lo. Aquele que é uma parte da gente. Ou, quem sabe, revisar uma forma, uma atitude que agride o outro. Que magoa ou esvazia. Que fere a terceiros ou a nós mesmos. Ou até valorizar a que faz feliz a quem amamos ou à gente, lá no fundo.

Vivemos a era da inovação. A era dos grandes encontros, do coaching, da tecnologia, da venda de sonhos, das dicas, da vida perfeita. Das receitas de bolo para as emoções, para a beleza e para o sucesso. Mas também  a era da solidão e da depressão. Nos sentimos cada dia mais distantes de nós mesmos, e assim, desconectados dos outros. Já não sabemos o que nos faz felizes, já não sabemos a melhor forma de sermos autênticos nas funções de mãe, de pai, no nosso ambiente de trabalho, fazendo com que tudo gere culpa como consequência do que não somos ou do que somos, o tempo todo. Tecendo um enorme buraco e a sensação de vazio interno e de incapacidade. E consequentemente, a sensação de infelicidade.

Como construir felicidade sem diálogo, sem reflexão? Sem autoconhecimento, ou sem olhar para os outros ao nosso lado? Sem ouvir a voz interna, que mora dentro de cada um de nós e que fala sobre quem somos a todo o tempo, a cada ação que executamos?

Olhar para os sentimentos virou um drama. Chorar virou significado de fracasso, de falta de lido, de depressão. Tudo parte do mesmo saco. Quando fracassar é algo da vida, trivial, e a depressão, uma coisa séria.  

Talvez estejamos desvalorizando a tal voz interna. Sucumbimos os nossos sentimentos, em prol de fotografias bonitas e da felicidade aparente a todo tempo. E aí não cabem conversas sérias, francas e que encaminham escolhas, melhorias e sentimentos honestos.

A ideia de que não podemos viver dias ruins está tão na moda que os grupos que se propõem a mergulhar em assuntos tensos, dividir angústias e refletir sobre melhores formas de se acolher a dúvida, o desconforto, a tristeza ou a ignorância, ou mesmo de compreender o mundo à nossa frente, possuem poucos “seguidores”. Porque é chato, pesado, complicado e dramático, mesmo que traga leveza à vida reconhecer que estes lados existem na jornada. Não importa. Parece que neles, o fórum complica o descomplicado. O que acredito se refere às vidas perfeitas e sem problemas ou dilemas, publicadas nas redes sociais. E assim, o lido com a dor deve ser sublimada e não conversada.

Dia desses a minha filha chorou bastante à noite. Estava sensível e triste naquele dia por uma ou duas coisas ruins que a faziam se sentir assim. E naquela noite simplesmente se entregou às lágrimas e à sensação de não viver a vida que gostaria. Ela tinha reclamações legítimas, coisas de menina, mas todas com a sua importância. Mas o que mais me impressionou não foi o fato dela ter se entregue a sensação de tristeza. Essa é uma atitude genuína das crianças, ou da criança na gente, e que espero que nunca morra nela. Mas foi a leveza com que fez isso que me surpreendeu.

Depois de alguns minutos de choro, entendeu que aquela era apenas uma noite ruim. Que aquela tristeza não abalava quem ela é nem os seus momentos felizes. Que ela só precisava dar vasão às emoções.  E que ela pode ter dias ruins sem que isso represente falhar na vida ou configurar uma situação irremediável. Era apenas um problema vivido na sua essência ali, e uma sensação de tristeza acolhida. E está tudo certo. Mesmo que, não se faça mais isso. Ou, pelo menos, adultos quase não fazem.

Fico feliz em ver a minha menina mantendo genuinamente as suas características infantis. Essas que acolhem e entendem a dor e a tristeza como algo da vida. O cair e o levantar como algo natural, que se faz todos os dias, sem que este represente passos para frente ou para trás. Mas apenas movimentos. Do sentir, do doer, do refletir e do levantar. Do choro, da conversa gostosa que acolhe, do desabafo, e do seguir em frente melhor e mais forte. Coisas que não fazemos mais. Nesse mundo de “cinco dicas” para enriquecer, emagrecer, fazer sua empresa faturar mais ou ser mais feliz.

Desejo fóruns cada vez menores e mais profundos. Mais íntimos. Quem sabe em família, entre famílias, entre amigos, entre diferentes, ou mesmo divergentes. Mas cheios de perguntas e poucas respostas. Ou, desejo mais crianças. Ou pelo menos, mais da nossa criança interna. Quem sabe assim possamos nos sentir menos doentes e vazios. Mais conectados, integrados e íntegros. Mais vivos, e com uma capacidade maior de perceber a felicidade real na vida. De verdade.

Pois dela, da sensação de felicidade, o refletir, o caminhar, o chorar, o fracassar e o levantar fazem parte. São do caminho. Tão familiar a nós quando pequenos. Quando éramos só humanos. E não super-heróis que não envelhecem, não mudam de opinião, não evoluem nem vendem promessas de salvar o mundo com dicas de ouro.

Mesmo porque, eles não existem.

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