Rodas de conversa estão na minha história. Na minha infância, quando assistia aos adultos conversarem, espiando atenta, até que a minha mãe dizia para eu sair dali, e voltar para roda das crianças. Afinal aquilo era assunto de adultos e que tipo de conversa uma menina ia querer saber naquele contexto?

Eu tinha opinião para tudo e curiosidade, então ficava em volta delas, das mulheres grandes, das pessoas interessantes, das rodas onde o papo corria solto.

Quando eu era pré-adolescente, sentava em ajuntamentos com a minha prima e as minhas irmãs, para chorar por conta dos amores traídos e para aquela ladainha toda que acabava transbordando da gente e virando música. Ainda guardo uma pasta delas. Das conversas que viraram canções. Que trouxeram à superfície a dor do amor, da perda, da baixa autoestima pré-adolescente. Do lido com o que era diferente do desejo da gente, do sonho de menina mulher.

Na adolescência, quando queria entender o que os colegas pensavam, juntava grupinhos nas escadarias do colégio pra debates de assuntos gerais, apolíticos, que tratavam de vida, de futuro e de amor. De quem gostava de quem, do curso que cada um iria cursar na faculdade, do “último grito” da moda, quando falávamos sobre onde comprar meias do tipo “polainas” e os tênis coloridos da Reebok. Do movimento de crescer, das confusões sobre quem ser o resto da vida, como se aquela ali fosse a nossa última chance. Procurando entender os diferentes mundos e pontos de vista.

Cada um tem o seu afinal, sob o seu olhar, e sempre foi curioso para mim que as coisas na vida tivessem tantos ângulos. Tantas formas de sentir diferentes, frente às mesmas cenas. E que nas lentes de cada um, contavam histórias completamente distintas.

E nas minhas relações afetivas? Estava sempre provocando inúmeras e profundas “discussões da relação”. Não daquelas chatas, buscando briga. Sempre odiei discussões e gastos de energia à toa. Mas aquelas que varavam noites de conversa. Inteiras. Como forma de mergulhar no outro e no que estávamos fazendo. Caminhando para onde? Sempre quis saber…

Mas se não com o outro, acreditem, dentro de mim eram palestras, congressos, seminários… Buscando alternativas, pontos de melhorias, acordos, ajustes, e coragem para aceitar que adentrassem os pontos de luz, para mostrar o que precisava ser visto, quando não dava mais para continuar, ou precisava mudar.

Mas foi após o meu divórcio que descobri a cura na conversa.

A vi como um remédio bondoso e de doses homeopáticas. Como um processo profundo de cura, devagar, mastigado, engolido, digerido ao meu tempo. Algo para clarear a escuridão e permitir o desenho de novos planos e caminhos. E essa conversa se mostrou benção, independentemente da sua forma. De como se apresentava, se interna ou com o outro. Se pela boca ou pelas mãos. Se na leitura ou na escrita.

E aquela que me acompanhou desde as rodas nas quais eu enfiava o meu nariz, virou um papo sério dentro de mim, que me respeitava e aos meus limites de compreensão. Às minhas dores. E deu um passo de cada vez, pulando primeiro para o papel, depois para interações com pessoas que também buscavam dialogar e entender melhor os seus caminhos feitos e os possíveis e, de repente, uma oportunidade de trazê-la como pauta principal de um projeto que fala com ainda mais pessoas, tocando casas, mas principalmente corações.

Se eu pensar bem, eu não poderia imaginar caminho diferente para mim. Não poderia imaginar missão na vida que não fosse a de conversar. Sobre tudo. Sobre dores, pontos de vista, tensões, mas com a ideia de que sim, fica tudo bem. Tudo se encaminha, se redesenha, se acolhe e se administra, se reconstrói. Se descobre mais da gente, e por isso, gera mais potência e clareza. Desde que com diálogo, com conversa. Com gente que também gosta disso. Que traz com honestidade suas experiências ruins e seu olhar do bem sobre seus próprios desafios e sobre si mesmos.

Que é o melhor jeito de atravessar por essa jornada que é a vida! Ou adianta desanimar por conta das ruínas que ela traz?

Ela é cheia de caminhos tortuosos às vezes, mas sempre com luz disponível, com uma janela para abrir, ou um olho mágico daqueles que nos permite espiar, e nos mostrar que sempre há uma saída, um caminho possível. Agora mais fortes, experientes e conscientes do que queremos para nós mesmos e dos nossos limites.

Tudo por conta de muita conversa. Pois não há como conhecer mais, sem pensar e falar sobre.

Então amém à elas! Graças às rodas! Agora abundantes na minha vida, cada vez mais…

Além daquelas gostosas e despretensiosas, frutos da angústia. Mas criadas pelas oportunidades que a vida traz para mim e pelos anjos que são colocados no meu caminho, que só desejam um boa roda de papo sério. Me fazendo companhia e conforto nas minhas conversas. Essas que me acompanham pela vida, e que agora são de tantos, são nossas. Se espalham por aí. Que convidam e estimulam a pensar sobre o que não podemos controlar, mas podemos aprender a lidar. Quem sabe ouvindo a história do outro, ou o que viram pelo caminho…

Então, não sabia do que eu ando falando por aí? Pois é disso que se trata.

Vamos conversar mais. Pelos canais possíveis da vida. E agora também, em um canal de TV:)

Comentários

  • Carolina Job 9 de outubro de 2019

    Oi Juliana! Em primeiro lugar parabéns por estares conquistando cada vez mais espaço para falar de um assunto “comum, mas ainda pouco tratado” e tão importante para nós que passamos pelo divórcio.
    Sempre me identifico muito co o que tu escreves e desta vez, não foi diferente!
    Para mim tb foi e é muito curioso como as pessoas podem ver e sentir por outros ângulos as mesmas situações e não quer dizer que eu não respeite posições e visões diferentes da minha ou que as pessoas estejam erradas e eu certa, mas que eu coloco a minha alma em tudo e nem todos fazem o mesmo. Claro que a maturidade e as experiências vão nos fazendo entender que depende da criação que cada um teve, dos exemplos que viu em casa, da educação, dos círculos de amizade…os quais podem não ter sido os mais “adequados” e aí é difícil ver por uma ângulo de amor, de respeito, de sensibilidade, se colocando na posição do outro…
    A vida me desafiou e colocou diante de mim, no recomeço, alguém muuuito diferente…que difícil…
    Quando leio este trecho do teu texto, me pergunto se tenho que ser mais flexível, menos rígida, mas e se as diferenças me doem, como devo reagir? Eu não estou pedindo para me responder, mas estou fazendo algo que nós gostamos muito, conversando, filosofando sobre a vida…desabafando…tentando colocar na minha cabeça que terão outros recomeços, que não preciso ter medo de ficar sozinha, aceitar coisas que sempre achei abomináveis.
    Mas em outro momento tu falas que não poderias imaginar outro caminho, que as conversas são momentos de descobertas sobre nós e os outros, desde que com quem também goste disso…e aí me sinto um poco menos “pior”, menos culpada por me tomar decisões que são melhores para mim…não adianta lamentar que o outro não é igual a mim (ninguém nunca será, somos todos diferentes e imperfeitos), mas se os valores, princípios e objetivos de vida forem outros…tá tudo bem em desistir….e recomeçar novamente, quantas vezes forem preciso!

    Obrigada querida! bjs

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