Sempre fui fã da Martha Medeiros, sempre. Leio-a semanalmente e acho seus livros deliciosos. Mas depois de saber que se divorciou do pai dos filhos de forma planejada, a partir de uma decisão tomada um ano antes e acordada entre ambos, tê-lo ajudado a escolher sua nova morada e contar ainda com sua visita semanal para o almoço, como diríamos nós gaúchos, fizeram com que “me caíssem os butiás do bolso”. Ou o queixo, para os não gaúchos.

Eles, ela e o ex-marido, conseguiram algo massa. Um fechamento daqueles, que poderíamos dizer, foi feito com chave de ouro. Daqueles que eu pessoalmente adoraria ver nos casos que acompanho no New Families, e que são tão raros. Tipo algo do reino “Tão, Tão distante”, onde vive a família da princesa Fiona, do Shrek. Os pais de filhos pequenos entenderão:)

Mas isso não é um deboche e sim a constatação de ver histórias como a da Martha e seu desfecho familiar, serem ainda tão raros.

Talvez pela nossa incapacidade aparente de abrir mão do que não é mais nossa realidade. Por posse, pela dor da mudança toda, de ser eventualmente substituído, por esta ser uma decisão clara somente para o outro, ou pela culpa de ser só clara para nós, o que nos mobiliza a capitanear o fim. Às vezes pelo divórcio significar o fim de um sonho, de um planejamento de vida, ou, para muitos ainda, um abalo importante na moral e nos bons costumes da família idealizada. Ou principalmente, pelo peso que é pensar em recomeçar uma vida com filhos. Que sabemos bem por aqui, neste papo que não começou ontem, que não se trata só do campo afetivo. E que muitas vezes, como um vulcão em erupção, espalha sua lava destruindo tudo: a mulher, o homem, a estrutura familiar, a autonomia financeira, a certeza ou possibilidade de viabilizar a sua profissão, a autoestima, a rede de apoio, a base firme para recomeçar.

Essa avalanche complica tudo. Enlouquece a cabeça da gente e, quando nos damos por conta, falhamos aqui ou ali como pais, como suporte aos filhos em meio ao ambiente devastado no qual nos encontramos, como indivíduos, agora sós.

Somos todos humanos, então nunca esperei, nem no meu caso, nem nas histórias que recebo e escuto neste projeto, que passaríamos todos ilesos por uma vivência de divórcio. São feridas profundas, decisões fortes, quase agressivas, muitas vezes. Mágoas e escolhas que nos protejam, ou protejam os filhos, na opinião de um e de outro. E nem sempre os dois não querem, os tempos são os mesmos e os acordos funcionam. E neste cenário, invariavelmente erramos, alienamos sem querer, deixamos a raiva pelo outro escorrer no canto da boca, e eles, os filhos, como bons seres sensoriais, pegam tudo.

Mas enfim, andamos juntos aqui, em um caminho que traz a tona pontualmente cada um desses momentos, dessas dores, como forma de enfrentá-los e humaniza-los, porque são comuns, e porque não é fácil. É um drama. Tão amplo, que virou filme e agora está virando pauta também, graças a Deus.

A questão é que o texto da Marta Medeiros trouxe aos leitores a sugestão forte e difícil de assistirem ao filme “História de um Casamento”, em cartaz no Netflix. E queria dividir com vocês como me senti ao ler aquelas linhas…

Minha primeira reação foi a de felicidade. Em ver o tema “divórcio” ser trazido pela colunista da ZH que eu adoro, e por ela, a referência de um filme sobre o fim de um casamento. Tudo ali, para ser lido, debatido em rodas de mate e churrascos de domingo por todos os leitores do nosso jornal de referência aqui no sul do país. Tudo o que não víamos antes. Vulnerabilidade e coragem da escritora, e um tema aberto na mesa, independentemente do seu mau cheiro e inadequação em tempos de vidas perfeitas e fotos felizes. Como se o patinho feio estivesse nos palcos da vida, brilhando, como personagem principal, trazendo a vida como ela é. E vivemos em meio a crises pessoais, familiares, parentais e divórcios.

Isso foi lindo para mim, lindo ver o tema ser levado a sério, ser encarado com a atenção que merecem as pessoas que passam por isso, e que nestes fóruns são prestigiadas ao invés de marginalizadas. Sendo pauta. Mas ok, não vou elogiar a forma ainda, sem conhecê-la.

Só que parte de mim, se arrepiou com a possibilidade de assistir ao filme. Fui tomada pela sensação estranha frente ao enfrentamento de mais uma história, agora interpretada e em forma de arte, enfatizando pontos dramáticos da jornada do divórcio. A dor toda traduzida nas telas. Com aquela atriz incrível vivendo tudo o que já vivi e senti, ou senti e não vivi por escolha de um lido diferente. Mergulhar na dor do pai e nos efeitos na criança. Confesso que, de repente, pareceu muita coisa para mim.

Pensei se só comigo aconteceu assim. Um assunto pelo qual eu permeio semanalmente, há quase três anos, e me senti frágil com a descrição do filme nas palavras da Martha. Senti uma dor, um aperto no peito. Recebi a indicação desse filme de uma amiga há algumas semanas, e fui fugindo dele, não o colocando como prioridade, logo eu, que trato deste assunto com tanta profundidade e verdade… logo eu. Mas saber por ela, pela minha cronista dominical, do sofrimento do filho deste casal, das cenas de agressão mútua dos seus pais, ex cônjuges, e da tristeza que se decorre na história, me embrulhou o estômago. De verdade. Pois ali, naquelas cenas, seria possível ver frente aos olhos as histórias que ouço todos os dias… e ver parte da minha.

Seria como revisitar cenas que vivi e outras que não vivi, mas poderia ter vivido. E que exigiram tudo de mim para tanto. Será que trouxeram a ideia do bem de tudo, ou se concentraram em fazer um drama para duas horas de choro compulsivo? É tanta dor, afinal, mas tantas oportunidades de fazer melhor, de recomeçar, de ressignificar o afeto e a relação familiar que conhecemos! Ninguém fere filhos porque assim deseja. Nem mesmo fere o ex-parceiro, pai dos filhos, não por maldade. São tempos de guerra da gente com a gente mesma, com o outro na busca de proteger o que se entende por certo, e que busca razão. Busca caminho para recomeçar, trajeto este, muitas vezes mais fácil de fazer, se não restar nada. E cada história é uma história, cada sujeito um sujeito, cada dor sentida uma dor peculiar e especial.

Então não assisti. Não ainda. Preferi me sentir mais à vontade para essa viagem. Depois te conto, claro, como foi, aí debatemos aqui… Até acho que será de um conteúdo maravilhoso para a projeção do que podemos ou não ser na jornada de um divórcio, ou para ajudar a quem está vivenciando este processo. Pois a arte gera empatia, coisa que tanto busquei, desde as minhas primeiras linhas.

Mas agora, senti certo desconforto, e está tudo certo. Porque são histórias tristes, e que mexem na alma de quem recomeçou. Porque contam um pouco da gente, do que tentamos, do que conseguimos e do que não. Nos colocam a assistir à nossa própria dor, sentida e superada, mas ali, revivida. E para isso, tem que estar pronto e sentar no sofá com consciência de que mexeremos em memórias. O que irei fazer dia desses. Dia desses…

A quem interessar, fica a dica. Desejo um bom filme, uma boa viagem:)

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