Em tempos de informações embaladas e mensagens curtas, queria falar do conhecimento, deste que é feito de caminho, de passos dados, lidos e registrados, e que só nos munem, nos “ferramentam”, quando nos permitimos viver a experiência deles de verdade. Seja na prática, na vida, seja pela leitura aprofundada.

Assim como decidi fazer com a minha jornada, fiz com os livros. Pedaços, fragmentos isolados, deixaram de me interessar. Se é para viver, vivo o caminho todo, independentemente dos desafios e das perdas e ganhos do trajeto. E se é para ler, sento e leio com tempo e com a mente aberta.

Os faço porque foi o único modo real que encontrei para aprender a refletir, a ensinar a minha mente a ponderar, a levar variáveis em consideração e a estabelecer pontos de vista de escolhas. E assim, para me transformar e ao meu mundo próprio. Para construir nova fé, um novo modelo, uma nova vida, um novo jeito de estabelecer relações de afeto, e sentir a gratidão pelo que tenho e pelo que ainda não tenho na essência, mesmo.

Então, falando de livros… Sempre li de tudo.

Como quase todo mundo, visito aqui e ali livros que trazem um pouco sobre comportamento, lidos em grupo, melhores práticas, mas confesso que de longe são os meus prediletos. Nunca gostei muito de “dicas”, pois elas foram perdendo a credibilidade comigo durante a vida. Prefiro até os conselhos às dicas, e aqui falo daquelas que tentam resumir um movimento de vida, um esforço gigantesco, seja de transformação própria, seja pela disciplina que exige, e que estão por aí, na tentativa de instruir e orientar pessoas, criando falsas expectativas e desilusões.

O que eu gosto mesmo, mesmo, é de livros que falam do sentir, que contam histórias profundas, que se passam nos pensamentos livres de pessoas comuns como nós, que se aventuram a viver por algumas páginas, uma vida paralela. Daquelas que guardamos no nosso interior, que falam sobre o que pensamos e sentimos, genuinamente, e que ficam mais sãs, se travestidas do título de “ficção”.

Melhor assim. Chamar o que se passa por dentro de ficção.

Através delas li sobre historias de vampiros e o amor, sobre grandes paixões. Li sobre o usufruto liberto do sexo, sobre brigas de família levadas às últimas circunstâncias através da verdade e do enfrentamento. Li sobre os medos do futuro incerto, do tipo que eu não havia pensado antes, mas que alguém o fez e compartilhou, me fazendo pensar sobre. Li sobre o passado e suas histórias, e as marcas que elas fizeram em alguém, e que tantas vezes fizeram e mim, sem eu me dar conta.

Enfim, uma coisa louca de deliciosa. Uma viagem atrás da outra, de página em página, as quais me proporcionam criar personagens e cenas quase reais para mim. E a minha paixão é tamanha, que muitas vezes me coloco lá, e meio a aventura toda, agindo, vivendo, experimentando da proposta do autor.

Só que desde a maternidade, a leitura vem me proporcionando sensações diferentes. Com o prazer da “escapadinha livre”, da “fugidinha correta” da realidade, daquelas que não fazem mal a ninguém. Pois é fato que a vida muda um monte, e que por mais livres que sejamos na nossa constituição, intuição e essência, a verdade é que estamos presos a algumas rotinas e compromissos de família que nos seguram pela cintura. Pelos braços, e muitas vezes, mais profundamente, pela cabeça, que nos sacaneia frente às possibilidades de alteração de rotas, de escapadas para um cuidado para si, ou de uma decisão que eventualmente beneficia somente a nós mesmos.

Por isso a leitura virou um “momento livre” o qual me presenteio. Um quarto do silêncio, só meu.

E nesse caminho, venho mudando bruscamente de estilo, a fim de gerar em mim coisas novas, a cada punhado de dias.

Em um desses, me abracei em um clássico e o engoli.

Escrito em 1953, me impressionou pela contemporaneidade das ideias e leituras, que fizeram instantaneamente sentido para mim no nosso hoje.

Nela se queimavam livros. Se transformava o pensar, a filosofia, o romance, a religião, a ficção e o mundo das ideias em pó. Queimavam a liberdade e o direito individual de escrever, ler e viver o seu jeito próprio através do conhecimento. Destruíam o acesso às emoções profundas e reflexões singulares, daquelas difíceis de se transcrever em posts e vídeos de IGTV, com todo o respeito, pois pontualmente os uso. Pois a leitura oferece tempo, conversa longa, pausa, digestão, revisita. Que propõem construções sólidas do conhecimento celular, que fica na gente, nas nossas vigas, e não apenas em um momento breve e de poucas marcas.

Alguma semelhança com os nossos dias? Com tempos ditos livres, mas que vivem de resumos, do politicamente correto e do falso equilíbrio das minorias?

Seguimos vivendo preconceitos sérios. Intolerância às diferenças no ser e no pensar.  Seguimos falando em injustiças e deveres. Só que deveres são compreendidos através da boa educação. Da construção de um todo, para então se fazer parte do pedaço que faz sentido para a gente. E para isso, se faz necessário ler de verdade. São as fundações do processo de reflexão, não tem jeito.

Os reflexos da queima? Pessoas que defendem minorias, mas não vivem a transformação em si. Profissionais que desejam mudanças sem compreenderem a jornada e seus passos necessários. Pais que criam filhos e definem suas conduções e referências de vida, encima do que escutam ali, assistem na TV aqui, ou em um vídeo na internet acolá, caminhando a esmo e transgredindo suas próprias regras e ideais de vida, dada a chuva de informações rasas e contraditórias.

E acabamos nos sentindo sós, parte de um grupo gigantesco de gente que caminha tão confusa quanto nós.

E no amor? Este anda por aí, sendo iludido, na tentativa de copiar as telas que nos cercam e as fotos recauchutadas das redes sociais, ou aqueles amores eternos que perduram por um ano, ou pouco mais.

Tudo isso porque estamos queimando livros. Quando os trocamos pelo generalismo das poucas linhas e das opiniões formadas. E aí, não sabemos mais quem somos e do que realmente precisamos e queremos. Neste mundo moderno, no qual acreditamos viver a liberdade, me parece que nem opinião temos mais, muitas vezes. E aí, fica mais fácil fazer bonito e ser aceito usando jargões, frases prontas e moralismos, isento de essência, da presença da gente com opinião. Do indivíduo.

Que pena… O meu autor, esse que me levou para essa última viagem, vislumbrou a nossa prisão atual há quase setenta anos atrás. Essa que ainda nos prende ao comum e nos distância dos nossos sonhos e da nossa fé própria. Daquilo que somos autenticamente. E que às vezes já não sabemos mais onde se esconde. E isso está nos levando a adoecer.

Tem muito assunto para a gente falar e viver juntos. Tem muita história. E eu te juro que dá para viajar nelas naquele tempinho, naquelas “escapadinhas”, nas quais escolhemos tantas vezes pela vida dos outros, abrilhantadas nos editores de fotos, e pelos enlatados.

Ao contrário da angústia e da frustração dos “drops” eletrônicos, os livros trazem tranquilidade, prazer, e um mar de mundos e opções como tijolos para levantarmos o nosso próprio. Nos trazem a paz, em tempos de ansiedade, de crises de pânico, de falta de sono, de conhecimento, da falta de nós próprios.

E nada vem pronto em livros. Neles, você vai ter que descascar, cortar e cozinhar ao seu ponto. E o gosto do que é feito por nós e de nós, ah… esse sim, dá uma sensação de liberdade sem igual.

Afinal, estamos queimando livros, é o que parece… O que te parece?

A mim, parece que sim. E permanece só o desejo de que eles sobrevivam às novidades e lanches rápidos. Pois ainda sou uma adepta do bom vinho bebericado devagar, e do tempero do qual sinto o gosto e sei dizer do que é.

É uma questão de gosto:)

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