Na semana que antecede o dia da mulher, queria dividir com vocês uma percepção real e de certa forma doída, que tive em um encontro de amigas esses dias, e que há tempos permeia os meus pensamentos. Sobre todas nós. Na verdade uma constatação da nossa condição no lugar onde vivemos, aqui no Brasil. Por acompanhar o assunto em países mais desenvolvidos, nos quais a realidade da mulher já é muito diferente, não perco a fé. Mas aqui, em uma roda de mulheres da classe média do nosso país, da qual faço parte, a atmosfera é a inimiga.  

A vida da mulher não está nada fácil. Em nada ou lugar algum. Nem em casa, nem no ambiente de trabalho, nem na rua, por aí. Talvez o lugar mais fácil ainda seja em uma roda só delas, quando mesmo que sem palavras ditas a respeito, todas saibam de que dor se trata. Mas nelas, em geral, elas falam. Nós falamos, desabafamos. Então, ainda se fazem vitais, e não atos feministas.  

Apesar de termos um mundo de possibilidades, geramos no tempo expectativas que nos condicionam silenciosamente. Buscamos assumir coisas a fim de suprirmos às demandas de dentro e as de fora, e essa soma, nem preciso dizer que não fecha. Sobrecarrega, gera crises de ansiedade e de incapacidade.

Vivemos em uma sociedade que não aceita que possamos abrir mão, fazer espaço para coisas entrarem, que não sejam “coisas de mulher”. Aqui lesse ser mãe, ter uma profissão que se acomode à sua função vital na vida de gerar, ou que não nos tire a disponibilidade, para que a casa ou o lido social não sejam preteridos de jeito nenhum.

Alguém lembra de presenciar, em jantares de família ou amigos, a chegada tardia de uma esposa que estava trabalhando, realizando algo importante, enquanto o marido se fazia presente com os filhos no evento? Essa foi uma cena comum na vida de alguém? O comum gera movimento, amparo, referência. E essa nunca foi uma cena comum nos lugares nos quais circulei, e talvez por isso gerou em mim e na minha geração mais admiração do que movimento.

Lembro de mulheres assim aqui e ali, sempre lobas solitárias, enquanto a maioria andava em manada nos jantares e eventos, tantas vezes aguardando seus maridos e cercada de filhos e conversas, como se tivéssemos nascido para isso.

Acho que nos sentimos condicionadas pelo tempo, pelas organizações, pela cultura como ela é. Fazedoras de tudo, mas nunca boas o bastante. Nunca à frente, a não ser da criação dos filhos.

Tenho quarenta anos, e acompanho mulheres que nasceram para ter profissão, mas ganhar menos que o parceiro, já que também nasceram para serem mães. Só que elas também nasceram para ser atraentes, ter corpo sarado e uma apresentação que orgulhe seu macho, para quem sabe receber aquele elogio dos amigos quanto ao fato de não terem “embagulhado” após a gravidez. No trabalho, nasceram para se dedicar como se não tivessem filhos, mas se não os possuem, são “comentadas” como mulheres que abriram mão de suas vidas pessoais ou tem problemas de relacionamento. Em casa, exigidas como se não trabalhassem.

Afinal, todos querem um pedaço delas. Uma fatia da sua alma, dos seus sonhos e da sua vaidade. Do seu tempo, todos querem se lambuzar. Do colo e do carinho de mãe, da sua sensibilidade, tão peculiar. Do seu olhar cuidadoso e paciente nos temas, do café na cama, no interesse nos assuntos do dia, ou da parceria para ver uma série. Da sua sensualidade… Todos querem um pouquinho, porque somos de dar de tudo, numa boa. De doar, de abrir mão, sacrificar um pedacinho seu ali, outro aqui, e assim vai.

Você se sentiu mal aí, não foi? Essa descrição não te representa? Olha bem… Estou falando de algo desconhecido aqui?

Ok, ninguém gosta de se ver nesse papel, sob esta ótica. E essa não é uma crítica aos parceiros, nem aos pais e mães que criam mulheres, nem às nossas escolhas nesta condição, pois em todos estes mundos fazemos parte de alguma forma. Essa é só a constatação de uma época, de um desafio, que sobrecarrega a mulher dos dias de hoje. Que exige dela capa de “mulher maravilha”, habilidade em lidar com todos os papéis, realizar grandes feitos profissionais e não faltar em casa. Essa atmosfera é o ar que respiramos, mesmo que algumas de nós tenham mais consciência disso e se cobrem menos, ou dividam o piano com seus parceiros de vida de forma equilibrada.

Uma amiga abriu mão do trabalho formal para ficar com a filha por quatro anos, e agora, lhe apareceu uma oportunidade de trabalho que a trouxe de volta a uma vida profissional, à sua autonomia, à vida além da sua de mãe. Eu diria irrecusável, se ela não se tratasse de uma mulher. Que assumirá mais essa, além dos trabalhos freelance que seguiu realizando nestes anos, da retaguarda com a casa, e com a filha, que por um bom tempo demandou de cuidados especiais. E entre uma taça e outra de vinho, percebi a mistura de alegria por ali, naquela oportunidade trabalho, e a culpa por faltar para o marido e a filha. Tudo junto, misturado, tipo água no vinho. Quase tirando o sabor da conquista do novo espaço. Peso por escolher ali algo para si, mas ter que administrar entre todas as outras coisas, trazendo mais peso e trabalho.

Não há nada de errado com essa história, nem incomum. Ela esboça apenas uma realidade, e por isso a trouxe. Como a minha, a sua, e de muitas, mas muitas mulheres que eu conheço. Nas proporções que a vida de cada uma trouxe. Nas que escolheram ter filhos e trabalhar. Nas que escolheram ter filhos e parar. Nas que escolheram, mesmo com a rotina de família, brilhar em outros palcos. Nas que escolheram além da família, o amor, e por este motivo, mexeram nesta base. A desconstituíram, e começaram de novo. Nas que escolheram por não ter filhos, por tê-los mais tarde, após a realização dos seus sonhos profissionais e de mulher, ou simplesmente congelarem óvulos para pensarem nisso depois…

Enfim, somos muitas e múltiplas, mas todas, mulheres. Que estão exercendo a escolha de ser e fazer o que quiserem de suas vidas, o que é um direito, mas que tem exigido tanta luta, tanto lido emocional, que não perdoa a nenhuma de nós com sacolas de pedras mais leves. E que não é menos exigente na terra onde vivemos. Nessa atmosfera densa, composta por milhões de anos de história que diminui, que abafa, que tira a nossa potencia, e que por natureza nos desencoraja à luta e nos pune com a culpa.

Nesta semana da mulher elevo meus pensamentos aos grupos de mulheres feministas que andam por aí construindo corpo. Como fazemos no New Families, mas com a bandeira específica de mostrar caminho ao nosso gênero. Mulheres que buscam apenas liberdade de escolha e respeito por elas. Equidade nos seus ambientes. Diversidade nas misturas de gente igual que acontecem em tantos lugares. Em tantas casas, grupos sociais e organizações. Todos feitos de gente igual no direito de escolha. Com caminho, método, ajuda e apoio. E as reforço aqui, pois é na sua pluralidade que gerarão movimento, e que levarão muitas nesta onda…

É a única forma de encorajar à todas nesta câmara de gás, que se reforça na acomodação, quando deixamos de escolher e fazer valer os nossos sonhos, a proteção ao nosso corpo e à nossa alma.

Quando ouvirem falar que está rolando um encontro desses, vai lá conferir!

Sabe por quê? Porque são janelas, ar livre, oxigênio, ou mesmo… acolhimento e abraço. E este é um começo. A base que precisamos para voar.

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