Era uma vez uma mulher que saiu de um casamento no qual, de uma forma ou de outra, as coisas não faziam mais sentido. Por isso dissipou-se. Não importava exatamente por qual motivo. O fato é que acabou e essa mulher saiu cheia de dor e frustração, e pouca fé. A dor da jornada do fim foi tanta, que parecia não haver realmente uma vida feliz à sua espera. Sobrou um coração judiado, sonhos desconstruídos. Sobraram filhos, agora, de pais separados. Sobre os quais teria, a partir dali, que dar conta. Mais do que imagina, dada a sua responsabilidade e comprometimento com aquelas crianças que não escolheram pela nova estrutura. Então a culpa fazia pesar ainda mais. Tinha também o lido com o seu novo status, de repente “divorciada”. Palavra cheio de subterfúgios, críticas secretas e julgamentos.

De repente foi surgindo a aparência fosca de uma super heroína, mais para “Fênix”, do que para “Mulher Maravilha”. Suja de cinzas, marcada. E o coração, aquele que passou a bater fraco, sentindo-se sedento do afeto honesto, maduro e verdadeiro, que já não sabia se acredita mais nisso.

Tempos difíceis. Tão diferentes dos contos de fadas. E como recomeçar, ser feliz trazendo toda essa bagagem afetiva, e de gente? E as culpas, frustrações e a sensação de que o relógio passava de contador de horas a inimigo?

Eis o cenário de recomeço dessa princesa dos tempos modernos…

Essa historinha te parece familiar?

Posso garantir que para muitas, é.

Na construção da felicidade no depois, viemos dos destroços, com as nossas mochilas carregadas. Da devastação interna, dos afetos, sentimentos e sonhos, e da quebradeira externa, que desfaz o nosso lar e bens construídos, saímos nada parecidas com o que fomos quando começamos. O tempo passou, a idade avançou, já não somos mais livres, leves e soltas para recomeços. Carregamos a nova imagem do que somos após vivermos as tantas batalhas do “tentar”, antes do “perder a guerra de vez”, mesmo descobrindo depois, que talvez, a tenhamos ganho. Coisas que machucam a pele e o coração, aqueles leves e virgens, cheios de idealização, peculiares ao inicio da jornada da vida dos afetos.   

Então a gente acha que sabe o que quer, e o que não quer nunca mais, tudo a partir do que viveu naquela relação que deixou de ter momentos felizes. Se recebia antes carinho demais, passa a desejar um parceiro mais desligado dos afagos. Se não o recebia, passa a colocar esta habilidade no topo da lista de pré-requisitos. Se o ex-marido era muito intelectual, busca alguém mais leve, simplório, de conversa fácil. Se ao contrário, era simples, busca um aficionado por leitura e assuntos complexos. Se não dançava, quer um que dance. Se bebia muito, quer um que não beba. Se ele odiava o cachorro, busca um que então o adore.

E até os filhos, sem querer são envolvidos nesse projeto “Franke Stein”.

Passam a idealizar no namorado da mãe, o que o pai não foi, levando em consideração tudo aquilo que a mãe não quis mais, no que tange a sua parte da escolha pela descontinuidade. Através de falas pretensiosas ou despretensiosas, frutos de um coração sofrido, e que escapam aqui e ali. E está feita a bagunça.

Assisti e vivi histórias múltiplas. Dores recorrentes, alta exigência sobre si e sobre os outros, julgamento, frustração de novo, erros e acertos. Tudo parte do recomeço.

A gente, quando sai do processo de divórcio e se envolve com alguém, precisa prestar atenção em nós mesmas e no que estamos construindo para frente. Costumamos esquecer o que era bom antes, desconsiderando tantos atributos bacanas e que admiramos em uma pessoa, pelo simples fato delas fazerem parte de quem deixamos de querer, ou não nos quis mais. Como que bloqueando o passado. Construindo no novo ciclo o total oposto do que deixou de dar certo no seu primeiro empreendimento de amor, de família.

Só que sugiro, de verdade, atenção. A algumas verdades dessa vida, que aprendi na experiência vivida e assistida…

A primeira verdade é a de que não lapidamos ninguém ao nosso bel prazer. Essa é uma idealização contra a qual precisamos lutar ou distanciar da gente. Ninguém é bom ou ruim, viável ou inviável, por conta da sua constituição de atributos. Somos todos seres humanos em construção, em evolução, e quem somos nós para determinar que esse ou aquele outro indivíduo não serve? Afinal, temos todos um pouco do bom e do ruim.

Segunda verdade é que o nosso ex parceiro não precisa se tornar referência do que não serve. O que fez com que não fosse possível continuar, possivelmente não foram os seus atributos, mas a forma como ambos lidemos com eles, com as dificuldades e com as nossas vidas, juntos e separados. Então, não é o signo ou suas características, algumas que o fizeram o “escolhido” em algum momento, inclusive, que definirão o que serve para uma nova relação ou não.

Terceira verdade é que não existe caminho certo a fazer. Só exige atenção da gente na gente. O amor acontece, acaba, evolui ou não, no balanço da vida e de quem somos naquele momento. Mexer nessas variáveis não garante absolutamente nada. E por isso, ainda acredito na atenção. Naquilo que percebemos estarmos repetindo e que não é bom. Naquilo que fazemos sabendo que não temos o direito. Naquilo que permitimos que façam, sabendo que nos abafa e à força interna que vive em nós. Aquilo que colocamos como peso no nosso dia a dia, por não nos permitirmos olhar diferente.

E a mais importante delas para mim: não desista de amar.

Não importa quantos ciclos precisemos viver na vida, nascemos para trocar afeto, para nos entrelaçarmos, para nutrirmos amores profundos, cheios de fé. Aqui, melhor esquecer o “felizes para sempre”, e dar espaço ao “feliz agora”. Como diz um amigo meu, o happy hour não pode esperar até o final da tarde, considerando que a jornada está acontecendo desde cedo. Seja feliz e ame no caminho, a jornada, o trajeto que envolve se relacionar. Não há prejuízos nos mergulhos do amor.

Mas quem sou eu? Apenas uma operário do meu próprio recomeço, e privilegiada amiga de outras que fazem este caminho todos os dias. Por isso, apenas divido a sensação que passa aqui…

Cada uma tenta achar seu eixo, seu eu, suas partes, seu querer, à sua forma. Cada um busca o seu autoconhecimento. Por vezes nas terapias convencionais disponíveis por aí, em outras pelo contato com o outro, em laboratório, na terapia da vida.

Este da vivência, e está tudo certo.

Na prática, aprendi que não existe resposta certa. Existe a necessidade de conexão com si mesma, atenção ao sentir. Ao que habita na gente. Existe a fé de que sempre dá para começar de novo. De que ninguém é ruim ou bom para nós. Afinal, o amor não é preconceituoso, por Deus! E a vida oferece caminhos e oportunidades de mudanças e transformações a todos.

Basta levantarmos as nossas asas de Fênix e vermos o tamanho que ficamos. Grandes, maiores. E essa é uma característica das pessoas que recomeçam que é real… Elas são maiores, possuem as asas da resiliência e o poder de olharem o mundo de cima. Atributos de poucos…

Que sejam as armas mais valiosas do recomeço.

E aí, vai se desenhando o caminho certo de cada uma. O das Marias, Lucianas, Julianas, Janines, Claudias, Carolinas, Melissas… que andam por aí, batendo as suas asas:)

Comentários

  • Carolina Job 11 de março de 2020

    Não podemos desistir, embora as vezes a fé fique bem abalada…
    Sigo tratando as feridas do meu último e único relacionamento pós divórcio…
    Em razão dele, acho sim, infelizmente, que existam pessoas ruins, não para mim, nem para uma pessoa específica, mas para todas e qq uma…mas temos (tenho) a minha parcela de “culpa” por ter aceitado tantas coisas…sigo me curando, me perdoando e desenhado meu caminho…aprendendo a cada dia mais viver o agora (algo que parece simples, mas que de simples não tem nada)!
    Obrigada por teus textos, sempre!!!
    Bjs Carol

    • Juliana Silveira 12 de março de 2020

      Querida Carol, é verdade. Viver o agora é das coisas mais difíceis e perturbadoras para o ser humano, já que fomos culturalmente preparados para projetar, idealizar, construir. De repente, paramos de viver e focamos só no que vem depois, ou no que achamos ou queremos que venha… Mas esse é um exercício valioso! Já que o fato é que não temos garantia de nada para a frente. Lembra que as crianças, essas que vivem o agora, seus sabores, prazeres e dores, não sabem o que é futuro. Por isso são professores nessa arte. Nesse jeito mais leve, mais conectado e mais justo com a gente mesma, de viver a vida…
      Quanto a ser bom ou ruim, vai saber! As pessoas carregam histórias, traumas, incapacidades e comportamentos. Às vezes bons, trabalhados, às vezes ruins, abafados. É a combinação da gente, das nossas cargas com a do outro, que pode ou não gerar combustão. De novo, uma escola:)
      Boa sorte neste caminho, minha querida! Vontade de te ver de novo! A cada passo, está melhor:)
      Beijos!!

  • Ca 24 de abril de 2020

    Tenho 30 anos, sou mãe de uma criança de 3 anos e casada a 5 anos, mas namoro meu esposo desde os 15 anos. O inicio do texto defini exatamente minha vontade e meu sentimento com relação ao meu casamento “Era uma vez uma mulher que saiu de um casamento no qual, de uma forma ou de outra, as coisas não faziam mais sentido”. Acredito que o que falta para concretizar minha vontade é a coragem, já achei mil e uma justificativas para manter o casamento coloco meu filho em primeiro lugar e tento que de certo por ele, meu esposo é amigo, paizão, paciente e não compartilha da mesma vontade que eu, no entanto eu sinto que há uma incompatibilidade de expectativa de vida entre nos dois, não tenho mais admiração por ele e não o vejo planejando ou almejando algo melhor pro nosso futuro. Sinto como se nossa relação e nos dois como pessoas estagnados. Sinto que preciso mudar minha vida, ser uma pessoa melhor e mais feliz, mas me parece bem melhor e tão mais fácil passar por essa mudança sozinha do que tentar mudar junto “casada”. Tenho medo de ser egoísta, mas confesso que o medo de passar mais 5, 10 ou 15 anos da minha vida “na mesma” é maior ainda.

    • Juliana Silveira 29 de abril de 2020

      Carine, querida…obrigada por desabafar aqui. Entendo o que estás passando. É um processo de tomada de decisão que envolve o questionamento sim, e a consideração ao todo, aos filhos. Somos mães afinal, e a possibilidade de machucá-los nos apavora. O que posso te dizer é que não temos o poder de protegê-los da verdade, da sua história. Nossa missão é os ampararmos nessa vivência. A vida será cheia delas, e a segurança de tê-los francos, honestos e cursando essa caminhada ao lado dele, do filho, é o melhor que podem fazer por ele na vida. Queria te dizer também que muitas vezes o divórcio é a maior prova de amor à uma família que a gente quer preservar, para que siga no afeto honesto por toda a vida, seja no formato que for.
      Te desejo força, clareza e amor na tua jornada, e que aqui tenhas apoio de alguma forma<3
      Beijos, Juliana.

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