Só quem a viveu em determinados momentos da vida, entregues a vulnerabilidade de não se sentir suficiente, pode de verdade reconhecer as situações nas quais conseguimos superar o fato de não sermos o máximo ou pelo menos, seguros de si. Bacanas, bonitos, aceitos, espertos, donos da melhor piada, do comportamento mais autêntico, audacioso e seguro.

Por isso passei a acreditar que só vivendo a insegurança, identificamos o prazer real de nos assegurarmos de verdade. E dar a isso, o maior dos valores. Essa é uma sensação que identifiquei no tempo e que é minha, e do “Mundo Fantástico de Bob” que há em mim.

Essa semana os meus contemporâneos da escola fizeram um grupo de WhatsApp . Juntaram todos da época, após mais de vinte e três anos da saída de muitos, do Instituto de Educação General Flores da Cunha, escola tradicional entre as do ensino público, e que na época, tinha o charme e o prestígio de poucas. Comecei a estudar lá com pelo menos cinco anos de idade, e saí com dezessete, formada no segundo grau. Dali, direto para a faculdade, ou seja, uma parte enorme da vida, vivida entre aquelas paredes.

Vivi uma adolescência das mais estranhas e comuns que uma pessoa possa viver. Porque sim, é uma época “estranha” da vida, não dá para negar. Somos postos frente às primeiras oportunidades de posicionamento como indivíduo, sem a proteção de pai e mãe, quando não sabemos exatamente quem somos e o que queremos, além do desejo de simplesmente fazer parte de algo, na busca de um ambiente “seguro”, em plena Faixa de Gaza.

Eu era do tipo “feinha”. Era exatamente assim que eu me sentia. Então, dito pelo meu prisma está justo, e não me magoa. Quem viveu a época de cabelos crespos, sabe do que eu estou falando… Levanta a mão quem se reconhece!

Não me parece justo não existir leave-in na época. Um absurdo, na verdade! Faz parecer a pandemia do Covid-19 um café pequeno e doce para o lido adolescente de quem não tinha tantos recursos disponíveis, como era o nosso caso nos anos 80 e 90. Eu era crespa, sem creme pra os meus cabelos poderem viver soltos. De rosto redondo, passava de rabo de cavalo, camisetão solto e legging. A moda não ajudava também, mas enfim, meus “modelitos” tinham o seu propósito. Eram trajes com a missão de me esconder ao máximo. De evitar até o bulling, feroz naquela época, além de politicamente permitido, tamanha a indiferença que causavam. Como soldado na selva. Misturava-me assim, ao cenário adolescente da época.

Não era quieta, nem estranha, nem nerd, nem nada demais. Era até legal, eu acho. Tinha o meu grupinho, as minhas amigas, e conhecidos gentis. Mas era aquela “feinha” querida, talvez. Não tinha os atributos de beleza da época, e aqui leia-se dona de cabelos lisos e longos, corpo magro e esculpido, segurança e audácia. Sempre fui falante, então, em ambientes seguros, costumava me aventurar a fazer parte ativa dos assuntos e brincadeiras. Mas frente a grandes grupos, pessoas de outros anos, principalmente os mais velhos, aí eu travava mesmo. E na frente dos descolados mais aventureiros, então? Me sentia uma “sem coragem”, apesar de que a falta dela sempre foi uma escolha consciente minha.

Não me sentia apta ou mesmo seduzida pelas aventuras mais perigosas, que demandavam articulações, riscos e confrontos. Continuo assim, aliás. Mas encantada em ver, sim.

As mais lindas e interessantes meninas dos meus tempos, assim como os meninos, eram festeiros, matavam aula, faziam parte ativamente do grêmio estudantil, bebiam em festas, se arriscavam por aí, se posicionavam. A mim, pareciam potentes, seguros, de uma autoestima de dar inveja a qualquer pessoa em formação, no auge da sua adolescência. Então eu assistia encantada. Nem tão perto, para ser convidada a participar destes grupos, nem tão longe, para ser exemplo do antagonismo àquele modo de vida, mesmo que, na verdade, de certa forma eu fosse.

Certa vez, vivi um flerte com um menino, dois anos à frente da minha série, e custava a acreditar que ele olhava para mim. Mesmo! Ficamos naquele “gato e rato” por meses, até que acabamos conversando e até namorando por um tempo. Uma surpresa para o meu grupo de amigas. Coisas daquelas aparentemente improváveis de acontecer para mim, dado o meu comportamento “camaleão na floresta”. Acho que nem elas, as minhas parceiras, acreditavam no que viam…

Pois bem, começo essa reflexão aqui, afirmando que, na minha opinião, a insegurança tem seus momentos de glória. Faz sentido? Juro que para mim, sim.

Aquele namoro na escola foi um deles. Quem eu era e os meus movimentos legítimos frente a como eu me sentia, foram mais fortes que a insuficiência da minha aparência covarde ou da minha falta de fé de que eventualmente coisas incríveis aconteceriam. Acreditei a partir de passos dados. Conquistas pequenas vindas da minha consciência. Dentro, eu tinha uma potencia individual, uma fonte só minha, a qual provoquei, quando me permiti aventuras que respeitassem a minha insegurança. No final do meu ciclo lá, saí namorando um menino “popular e bacana” daqueles tempos, com o qual atravessei o caminho até a vida adulta, e que me mostrou que mesmo insegura, eu viveria lindas histórias, “seguramente minhas”.

Com os anos, me vi frente a inúmeras outras questões. Nunca magra o suficiente. Ou inteligente o suficiente para palestrar sobre assuntos os quais me debrucei. Nas relações afetivas, sempre muito compreensiva com as dificuldades do outro, pois afinal, são tantas as minhas imperfeições! Quem seria eu para cobrar o máximo, afinal? Na minha profissão, sempre sob a ameaça de não ser boa o bastante, e por isso, uma esforçada nata.

E quer saber o resultado disso tudo? Nunca parei de tentar melhorar o que não me parecia bom. Sempre “ajustando”. E me propus a tentar fazer melhor para reconhecer o meu “bom trabalho” em qualquer coisa na vida.

Assim é o inseguro. Ele não afirma, vive de “talvez”, “é possível” e “eu acredito”. Não é confiante, a não ser que teste, comprove, construa benefícios reais. Faz um caminho sem atalhos.

No meu caso, isso gerou poucas certezas e muitas reflexões. Respostas vindas do sentir. Abraço fácil, alto nível de tolerância e lido frequente com a frustração, como um step natural da jornada. Gerou a minha escrita. Eventos do projeto New Families nos quais somos todos aprendizes e iguais nas trocas. Relações sem a imposição de poder e de verdades absolutas. Uma maternidade exercida com respeito, confiança, amizade e diálogo. Sem “maiores” e “menores”. Coisas que respingam das pessoas não tão seguras assim, que acreditam que não sabem de tudo. E eu realmente não sei.

Hoje acho isso valioso na minha evolução pessoal. A resiliência, acredito que venha daí. Inseguro nunca tem realmente nada que não seja a si mesmo para recomeçar diferente. Então, aprender a viver com a insegurança, impulsionadora natural, se tornou a minha engrenagem, o meu exercício diário.

Fui buscar na vida o cabelo que eu queria ter, pelo enfrentamento daquele que eu não gostava, com o qual não estava confortável. A exercer a atividade profissional que me atendesse nas minhas demandas, cheias de medo de errar, mas com muito entusiasmo pela busca por algo que fizesse sentido. Me impulsionou a ter uma terceira filha, não só pela minha vontade, mas principalmente do meu parceiro, que não a tinha, pois afinal, a vida não se trata só de mim e dos meus desejos e planos. Me levou a acreditar que o casamento é uma entidade onde eu queria mais do que participar, mas fazer crescer, pelo medo de não tê-lo vivo, ou de não vivenciá-lo de verdade, e ter razão e confiança só em mim, não ajudaria. Precisaria estar mais aberta ao mundo visto pelos olhos do outro, e isso não é nada seguro.

Me levou a aprender coisas novas, pelo receio da ignorância, de não acompanhar o mundo. A contar azulejos quando me faltava ar, com medo de precisar de um remédio que controlasse o meu respirar, e me limitasse mais ainda do que a angústia tem o poder de fazer. Me levou a me conhecer melhor. Enfim, o medo de não ser, de perder, de não ter e de não evoluir, me levou a cuidar dessas coisas, uma a uma, e a correr atrás do meu preenchimento nelas.

E aí vieram os momentos seguros, nos quais me senti parte do que construí em mim, e que não partiu da auto confiança, mas do trabalho de me assegurar pelas minhas ações.

Isso não acaba nunca… Somos cheios de lacunas, não é? Não ficamos prontos. E a cada dia surgem novas demandas e insuficiências neste mundo de Deus, que exigem mais da gente. Olha agora! Mais um desafio às nossas conhecidas capacidades, agora tão frágeis e inseguras.

Então, sobre o grupo do colégio, a verdade é que eu sigo a mesma pessoa e as minhas inseguranças da época coçaram como cicatrizes antigas. Fechadas mas ali, pois um dia foram tão latentes e minhas, que não teria como ser diferente. Afinal, histórias são vivas, moram na gente. E naquele contexto, do grupo, viajei para lá. Lá para aquele passado, para aquele cenário, pessoas e cabelo. Então observo, me divirto, nem tão de perto, para ser convidada a participar ativamente das conversas, nem tão de longe, a ponto de estar fora dele.

Da minha distância própria. Aquela minha, que diz sobre quem eu sou, sobre a minha insegurança daquele tempo, sobre o meu camisetão e o meu rabo de cavalo. Coisas que serão sempre minhas, da minha história.

A insegurança tem seus momentos de glória, afinal. Naquele grupo de WhatsApp está a minha melhor amiga da vida. Muitas pessoas queridas, muitas lembranças e parte importante de quem eu sou hoje. Não é valioso isso? Presente de tempos inseguros da vida:)

Nem parece que o tempo passou… Talvez no fundo, sejamos sempre aprendizes, desagradados de algo na gente, inquietos, buscadores de melhorias e construtores de algo que ainda não temos.

Se essa for a nossa natureza, por Deus, que assim seja sempre. Como foi, nos tempos do colégio. Difíceis sim, mas que deixaram saudade:)

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