Ando com as palavras dessa semana retidas há muitas, aguardando o momento oportuno que se faz agora. A minha sorte é que não precisei “enrolar” neste tempo, inventar assunto, já que essa condição atual na qual nos encontramos me enche delas, das palavras, e de temas que, em meio ao agito da vida, muitas vezes não se fazem tão profundos na gente como poderiam.

Não há a energia dispensada na correria. Então ando transbordando delas. Das palavras das profundezas. Minha cabeça parece uma fábrica de questões, de lances…

É só comigo isso? Suspeito que não.

Mas uma das que mais ecoam, dos meus amanheceres ao sessar dos meus dias, dizem respeito a minha função vital na vida, fruto das minhas maiores escolhas, das mais definitivas. A de ser mãe.

Respeito mais ainda os meus esforços e falhas nesse caminhar depois da quarentena do “corona vírus”. Da minha aqui, especialmente, pois a vivo intensamente há semanas, sem intervalos. Da mãe de três, que lida com as diferentes idades deles, com as aulas online e suas atividades e provas, com uma pequena “lindinha”, nos seus “terríveis dois”, expressão que remete à idade de muito agito, descobertas, e muita, mas muita energia, pra ser gentil. Mães de filhos pequenos saberão o que quero dizer.

Diz respeito ao trato com o meu trabalho, com a casa, a organização dela para que a gente dê conta de usufruí-la sem fuga e de forma salutar, física e emocionalmente. Afinal, bagunçado fora, bagunçado dentro. E de bagunça, nesse momento já estamos cheios. Isolados saberão o que quero dizer.

Sobre o lido com a guarda compartilhada, as saídas e retornos deles, mais aqui do que lá, mas que me angustiam cada vez que se vão, e ainda me excitam, quando chegam de volta, me colocando na cozinha para algo especial, ajeitando travesseiros, fazendo bilhetes. Os que possuem “filhos de pais separados” saberão o que quero dizer.

Frente a realidade das preocupações financeiras desse momento incerto, que tiram o sono da mãe que, de imediato, pensa no boleto da escola, nos presentes de aniversário deles, aqueles que eram sonhos, e agora, foram reduzidos, naquelas roupinhas de inverno que precisam ser repostas, pois neste ano cresceram mais… E na mudança de vida, que já percebem. Os que não têm a vida ganha saberão o que quero dizer.

Vivendo a preocupação com a saúde da gente, tudo o que precisamos caso o resto falte, e que não pode faltar a eles, de jeito nenhum, pois com isso já é mais complicado lidar. Afinal, abate eles, derruba a gente. Mães saberão o que quero dizer.

Na administração da ausência física do meu parceiro, que sai para trabalhar por três dias na semana, contribuindo com a sua parte na nossa história, me deixando com a minha aqui, com eles, no equilíbrio da nossa vida. E que confesso, não é fácil. Nada fácil, mas necessário. Mulheres que tem seus dias apenas com “eles e Deus” saberão o que eu quero dizer.

E reconhecer isso tudo e o fato de não ser mole, tem sido um alívio para o meu coração.

A mãe, parceira do pai e origem dos filhos, foi ressignificada na minha quarentena.

Mães são uma entidade. Um ser humano cheio de defeitos, mas com uma alma que passei a admirar ainda mais, pois eleva tudo em volta, que não a si mesma, ou pelo menos, se deixa por último. De uma generosidade singular, pois quando falo que tira do seu prato, do seu sono, dos seus projetos e do seu tempo para o bem estar deles, essa é a mais pura verdade que vejo aqui e acolá. Nas casas das mães da vida. E não faço aqui um elogio particular, mas às tantas amigas e conhecidas que acompanho nas últimas semanas, e que por vezes pensam estar loucas, por estarem doendo de cansaço e preocupação. Pelo mundo deles, que acontece lá fora, sem uma perspectiva para a qual possamos prepara-los.

E uma mãe é uma mãe.

Sofre pela dor do mundo, pelo filho dos outros. Pela doença, pela miséria, pela injustiça. Pelo preconceito, pois afinal, a vítima é filho de alguém, de uma “igual”. A mãe sofre pelo que está acontecendo com os seus próprios rebentos e pelo que sabe que vai acontecer a eles lá na frente, pois faz parte da jornada da evolução, afinal. Não é moderada, é intensa em tudo o que diz respeito aos seus. Tira forças da ausência de sono e de paz, e recomeça todos os dias, colocando o seu mundo com eles na frente de tudo.

Quando cansa e olha para si, acha que ficou louca. Pois seus olhos trabalham tanto no entorno, que quando olham para dentro, lá a cama ficou desarruma e há louça na pia. E aí, tem bagunça ali. Vive um curto circuito aqui, outro lá, pois é humana e às vezes esquece disso, na busca de harmonizar o caos que se encontra a cena toda. Essa, que tem todas as suas variáveis afetadas… Sabem o que quero dizer.

Semana passada recebi um bilhete colorido da minha Joana, em meio a minha exaustão, e queria dividir com todas as minhas “iguais”.

Era uma semana difícil, perdi um primo, sentia pelos meus tios, primos e pais. Senti como mãe e como filha. Senti por Manaus e seu caos, por problemas domésticos que surgiram na casa de uma amiga do coração, e do marido dela, que está na linha de frente, no combate do “corona vírus”. Por problemas nossos, da nossa retaguarda, que agora também nos faltaram. Por uma nota baixa que o meu filho tirou na prova online, enquanto eu falava com um cliente no meu escritório “Home Office”, e não pude atendê-lo. Pela crise de ansiedade da minha menina, que lida com a ausência da rotina, da escola, da vida lá fora, do oxigênio de uma criança, dos seus relacionamentos e do seu aniversário confinada, o que não está no meu controle, e só posso acolher.

Sentia por não ter conseguido levá-los para tomar a vacina da gripe ainda, pelo excesso de atividades de trabalho que tenho acontecendo no meio da minha sala, e por estar de roupas de ginástica há mais de quarenta dias, dando conta do que posso. Sentia pela explosão do dólar e o estado das empresas que atendo, e que dependem dele para as suas operações acontecerem, e seus empregos também.

Foi tanta coisa que, de repente, a mãe dessa casa aqui chorou debruçada na pedra fria do balcão da cozinha.

Sinto muito. Muito mesmo. E isso eu não posso mudar, pois é meu.

Entendendo assim, minha filha escreveu a tal cartinha, essa para nós todas, mães. Me lembrando da minha humanidade, que é nossa. Orgulhosa do meu choro, da minha exaustão merecida, que são nossos. Tão ao contrário do que se poderia imaginar quanto à expectativa de um filho sobre o seu esteio.

Ela só queria me libertar, e dizer que estava tudo bem eu chorar, pois é muita coisa mesmo. E como se não bastasse, olhou para a minha adega, cheia dos meus vinhos favoritos e disse: “Vai ser feliz, mãe, relaxa agora”, se referindo ao meu cálice costumeiro, que tomo antes do jantar, e que agora é diário, ao invés de três vezes na semana. Quem está em quarentena, sabe o que quero dizer.

E ali, quem transformou uma mãe em entidade, ela e suas falhas, foi a filha. Não eu, mãe, e o meu desabafo nesse texto em reconhecimento às mães como nós. São eles que me lembram do meu valor todos os dias. Da minha importância e das escolhas que faço por eles. Até quando eu choro de cansaço por não ter lido um livro nessa quarentena, não ter “maratonado” nenhuma série do Netflix, nem ter assistido aos tantos filmes que amigos me indicaram. Ou ter feito algum curso à distância, ou pelo menos assistido a alguma live do Instagram que contribuísse aos meus conhecimentos ou ao meu bel prazer…

Mas por estar sentindo tanta coisa junta, e operando tantas outras, é que não deu. Foi o porquê de eu ter chorado na semana passada, e em outros dias que ela não viu. E talvez o que me faça uma entidade perfeita e potente para eles, mesmo cheia de falhas, choros e de momentos vulneráveis.

Foi ela quem disse. E a minha mãe. Tenho uma baita mãe, e essa semana, dividindo esse tanto com ela, ela disse que me entende. Que sabe o que quero dizer. Pois ela sabe, ela é mãe.

Então você que é mãe também sabe. Que não estamos exatamente loucas. Estamos cansadas, como cansam os seres humanos que fazem o que tem que fazer, mas com amor e sob um isolamento não planejado, o que torna a cena cheia de pegadinhas, que flertam com a loucura. Sentindo o lance todo, pois “sentir muito” é coisa de mãe. Evoluindo nessa jornada, porque quando se cria outros seres humanos, eles criam alguém novo na gente também.

Agora, se há um pouco da loucura, peculiar dessa aventura escolhida, como diria o poeta, “disso os loucos sabem”. Você sabe o que quero dizer…

E quando as portas para a rua se abrirem, seja para qual for o novo normal lá fora, tenho certeza que as mães serão seres ainda melhores do que já foram antes, em qualquer mundo, para ser simplista.

Para ser eu, fiel à minha percepção, como sempre, diria que constituem uma entidade de respeito. Pois o que não nos mata, nos fortalece, afinal, não é? E essa que estamos vivendo é uma prova de fogo das mais exigentes que um ser humano pode enfrentar.

Sobre a ideia do bem? Acho que a “exigência” tem todas, e nos enche de presentes inestimáveis para a vida. Mas para citar uma, vamos com a fala da querida amiga Chris Ganzo, psicanalista da Bororó 55, quem costuma me tocar com o seu pensar:

“Vai ter mais saúde quem tiver a maior capacidade de se entristecer e tramitar na tristeza. Se não pudermos entristecer, vamos enrijecer, e isso vai nos levar a rupturas.”

E mães não se rompem. Entristecem e crescem na missão. E no caminho de quem acolhe, ao invés de romper, está tudo certo chorar um pouco e dar uma de louca de vez em quando. As pessoas de verdade saberão o que quero dizer.

Às mães que andam por aí, fazendo o que podem, em tempos de confinamento… Panelaço meu para vocês. Somos essenciais. E estamos juntas:)

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