O filme de 2010 já tratava sobre o sábio modo de caminhar a jornada da vida. Comendo, rezando e amando. Sentindo o sabor do que se coloca para dentro da gente, reconhecendo e agradecendo cada experiência, e vivendo o amor.

Naquela época, a personagem de Júlia Roberts já falava, no início deste livro que eu amo, e que virou filme, sobre empatia a partir da identificação e da vivência. Quando citou que sua amiga, uma psicóloga de New York, teria se intimidado frente ao desafio de atender a um grupo de cambojanos refugiados, por medo de não conseguir acessá-los, e às suas dores e dificuldades, pela simples ausência de identificação com a história deles, de vivência daquelas mazelas.

Duas coisas que quando vivi na prática, atestei serem verdades.

A primeira, que o sentido da vida está em comer, rezar e amar. Mesmo. A segunda, que realmente nos sentimos apoiados, nas nossas dores mais profundas, quando, na relação que estabelecemos com o amparo, existe a capacidade de identificação. Que nos permita estarmos confortáveis com quem somos e com o que atravessamos de desafios. Porque a presença da vivência do outro como ingrediente, normaliza a dor toda na gente, simplesmente por não ser só nossa. Por estar ali, de certa forma, compartilhada. Mas essa é uma verdade que fez sentido aqui, para mim, já que ela é bastante relativa.

Frente aos valores e vivências que tive o privilégio de poder chamar de “meus”, para mim, Juliana, “Júlia Roberts” estava certa. Comer, rezar e amar são coisas que realmente dão sentido à vida. Dão a percepção de gosto das nossas passagens, no aprendizado do sentir prazer, pela figura do comer, do ingerir, do colocar na vida. Dão a profundidade e a conexão com a gente mesmo, com o espaço, nas relações com as pessoas, com o significado das experiências as quais a jornada nos propicia, e que está tão presente no rezar. E, talvez o principal deles, o motivo para querer ficar e seguir vivo, peculiar do amar.

O resto, não é “resto”, como se diz. Mas são acessórios, que em tempos ruins, se vive sem. Sem comer, rezar e amar, não.

Assisti a este filme pela décima vez, pelo menos, no último final de semana. Já trouxe em outros textos toques sensíveis do seu enredo e do que ele acessa na gente, que recomeça. Me pego dominando o controle remoto, para frente e para trás, repetindo a cena, tentando sentir por eles. Por ela, na dor que a levou a comer, a rezar e a amar, na busca pelo significado real da sua vida, por quem é, de forma que a fizesse sentir-se viva e inteira. Pelo ex-marido, e o seu desespero em negar a presença da ausência naquele casamento, tão comum nas histórias que ouvimos e vivemos por aí, já que os fins, em geral, não são consensuais ou acontecem no mesmo tempo para ambos os envolvidos. Pelo namoradinho perdido, em uma relação atrapalhada, que serviu de ponte na direção da porta de saída, àquela do real recomeço, e que é processo tão necessário, como bengala ou encorajamento, na validação e sustentação do que ela não queria mais viver e ser. Às vezes, precisamos de ajuda nessa etapa, afinal.

Além destes, sentir pelo amigo, que jogou alto na vida e perdeu a convivência com a família, e pelo alto valor disso, precisou reconhecer, se acessar, se perdoar e rezar. Pela amiga, no puerpério, seu marido, tão sem perspicácia e sensibilidade com uma “amiga recém divorciada”, e pelos novos amigos que surgiram no caminho da nova fase, do levantar, e que, mesmo sem saber, a ajudaram a se encontrar. Quem de nós não os reconheceu?

E pelo amor novo, tão amedrontado e machucado, cheio de medo de se entregar a uma nova chance. Quem nunca morreu de medo de amar de novo? 

Ainda tem o guru, um dos meus sonhos de consumo na vida, e uma mãe solteira, cheia de bons conselhos e experiências vividas a compartilhar, o que sempre me parece um pote de ouro no final do arco-íris, pelo privilégio da sua fortaleza.

É uma história rica, cheia de partes da vida da gente. Cheia de passagens que fazem a gente sentir aquela “coceirinha” nas nossas cicatrizes.

Enfim, a cada oportunidade, saio diferente desse filme, por isso o sugiro. Preenchida de uma parte dele que adere a mim, como nunca antes. Dessa vez, me tocou a reza da “Júlia”, ao chorar e pedir a Deus um sinal sobre o que fazer do seu casamento, logo no início do filme.  A cena é forte, foi para mim. Me conectou às lembranças e processos de escolha, mas isso é só um parênteses. Aqui, a história é a da “Júlia”. Foi quando se deu conta de que já não caminhavam o mesmo caminho, ela e o marido. Abre parênteses de novo, experiência tão viva em mim, de quando a atravessei, frágil como ela, e fecha parênteses. Quando a vida, cheia de realizações profissionais e financeiras, se esvaziou de sentido, e de qualquer resquício de felicidade…

Como pode ser tão familiar? Ok, desculpa, vou parar de abrir parênteses aqui, mas a identificação gera essas coisas…

E foi quando ela deixou de saber quem era, mas tinha certeza de que aquilo que estava vendo no espelho, não era ela, que a história representa várias vozes. Nem em um evento bacana em New York, cheia de intelectuais, regada a bons vinhos e companhias, ela se sentiu feliz… Aff, isso te lembra alguma coisa?

Difícil não se misturar, não se identificar com esse processo de “ponto final”, que para quem tem filhos em comum, o que não era o caso da “Júlia”, vira um ponto e vírgula.

Mas sempre me emociona aquela cena de choro e desconforto, quase insuportável, de se dar conta. E dessa vez, me chamou a atenção, a dor de abandonar aquilo que se idealizou, se colocou energia, se misturou ao ponto de se perder, em parte. Como dói a decisão pelo divórcio, e saber que, ao fazê-la, estamos derrubando a viga principal daquela estrutura familiar na qual vivemos, e que, dali para frente, tudo irá desabar. E que, para ser um pouco mais trágico, sobre nós mesmos, e sobre as nossas crianças.

Mas enfim, para dar lugar a qualquer nova construção, seja ela qual for, precisa-se viver o fim da anterior, viver seu desmoronamento.

Vivo tempos emotivos. Por conta de uma ação de interação com as seguidoras do projeto New Families, tenho recebido diariamente testemunhos quanto ao toque deste projeto na vida de cada uma. E esse foi o ponto de encontro delas comigo em quase todos os relatos. Aquele ali, no qual a “Júlia” se ajoelhou e rezou pedindo uma luz, um sinal, uma ajuda para saber o que fazer para levantar no outro dia, para a dor passar, e que, naquele momento, só Deus na causa, mesmo para um ateu. Este foi o ponto no qual as mulheres que interajo hoje encontraram os textos que escrevo sobre o recomeço após um divórcio. Este foi o ponto que me motivou a escrever, lá atrás. O ponto da dor, do pedido de socorro, e nesse berro, sentir que eu não estava sozinha na minha decisão, e que poderia, neste ambiente amigo, fazer com que outras se sentissem acompanhadas, quando na mesma cadeira. Ou, melhor dizendo, túnel ou fundo do poço, o que seria mais fiel. Mas que, por pior que seja, representa sempre o início de mais uma chance.

Tudo na hora do desespero, da reza. E como não me emocionar com a “Júlia” na reza dela…

Religiosos ou ateus, o fato é que a resposta sempre esteve na gente, lá dentro. Estava na “Júlia”, quando decidiu pela viagem ao encontro de si mesma. Está na gente, quando ouvimos a voz que grita lá dentro, bem na nossa natureza, na origem de quem somos, nos pedindo para parar, para reinventar, para ressignificar, e começar de novo. Afinal, viemos prontos para isso. Para sentir, compreender e transformar.

Quanto ao amparo, a resposta sempre esteve no outro. No abraço de quem entende de feridas, dores e túneis, e que por isso, tem o poder de acolher, com amor e generosidade. E considerando que, seja por qual força espiritual, alguma nos colocou aqui, donos de nós mesmos, e em comunidade, podemos vencer as dores da vida com as armas que nos foram dadas, dentro e fora.

O resto não é exatamente “resto”, mas dá para viver sem:)

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