Frase pronta sim, mas verdadeira, como a maior parte dos ditos populares os quais tenho revisitado.  A transformação dos afetos, do prazer que sentimos em relação às coisas, do sabor que elas geram na gente, e que por vezes estranhamos por já não ser mais o mesmo, já não causar o mesmo efeito, é tudo da ordem natural do andar. Afinal, se a gente muda dentro, natural que mude o que sentimos em relação ao mundo à nossa volta.

Lembro que quando pequena, odiava tomates. Qualquer comida que os trouxesse me dava o trabalho de “catar” e separar pedacinho por pedacinho, antes de me permitir saborear o prato. O mesmo acontecia com a presença de frutas na comida, ou qualquer proposta “agridoce” que me era ofertada. Esse era o meu paladar. O mesmo eu poderia dizer dos afetos, do que me era uma entrega suficiente nas relações. Fazer parte era o melhor dos sabores. Se bastava. Mesmo que para isso, eu precisasse sacrificar alguns comportamentos meus, ou mesmo crenças de que as coisas poderiam ser diferentes, mais profundas e respeitosas.

Dito isso, é razoável compreender que no caminho da minha maturidade, muito tenha se transformado completamente. Amo tomates, talvez seja uma das saladas que, com manjericão, azeite de oliva e pimenta preta, mais me propiciem prazer. Canso de jantar uma boa “caprese”. Assim como queijos, que hoje vêm casados com geleias, e as carnes também. E com as relações não é diferente. Gosto da atenção dirigida a mim enquanto ser afetivo que tem entrega. Gosto do respeito dedicado às minhas estranhezas, carências ou mesmo às minhas maiores dificuldades. Admiro os que me entendem, reconhecem meus esforços, mesmo que no caminho de transformar o que não está bom. Pois até para sermos nós mesmos precisamos de apoio, e hoje, prefiro os que encaram comigo este desafio de forma positiva, construtiva e com amor e acolhimento.

Só que quando a vida mexe com os nossos planos, ela, que tem vida própria, e em nada está no nosso controle, aí é que são elas…

Por vezes a mudança não vem de uma transformação interna e consciente, mas de um movimento de fora. Na perda de alguém que amamos para a morte, ou na perda do afeto deste amor. No movimento de relações à nossa volta, e que envolvem outros corações, também com demandas, expectativas, sonhos e verdades. Em uma pandemia, a qual ninguém esperava, e que muda de repente o funcionamento que desejávamos para a casa da gente, para o formato de ensino dos nossos filhos, para as nossas finanças, planos de férias, ou para aquela rotina de pedir uma pizza toda a quinta-feira, e que nesta situação peculiar, se torna às vezes inviável.

E falando de família, trago também aquelas transformações que alteram a forma como as relações funcionavam e que, no tempo, vão trazendo novas variáveis, mexendo seus indivíduos das suas cadeiras, e mudando desenhos e sensações.

Sempre acreditei que não adianta se debater quando essas mudanças no entorno da gente acontecem. Resistir é entrar em sofrimento, afinal. O que evito na vida, já que a dor tem como opção a alternativa de virar só tristeza e ficar guardada no coração. Por isso, me parece que a única coisa a fazer é respirar fundo, compreender, ressignificar, escolher uma posição e viver a transformação. Sempre com muito respeito à gente mesmo e aos que amamos, como forma de não sair queimando ninguém por aí, sob a alegação do sofrimento.

A minha família tem um formato diferente. Lá atrás, quando começamos essa empreitada, eu e o meu marido, ele não tinha filhos. Dado o tanto de afeto envolvido nessa construção, o amor entre os meus filhos e ele, o pai afetivo, cresceu e se multiplicou. Ao ponto, como sabem, de decidirmos por uma nova gestação, uma nova integrante, que complementasse o nosso arranjo.

Ela veio e foi tudo lindo. Está sendo, e tudo certo. Mas mudou o que éramos.

Meu marido foi pai de uma filha desejada, “chocada” e parida da mamãe aqui, sua esposa, fruto de um amor enorme. E este acontecimento mexeu todos da cadeira. Os afetos tiveram alteradas suas proporções. Na paixão pela bebê, apareceu um pai em tempo integral que já não precisava compartilhar. Apareceu nas crianças a compreensão do que estava acontecendo frente aos seus olhinhos. Aconteceu que o amor não faltava, mas a nova realidade trouxe à superfície, adultos e seus papéis de forma bem mais exigente. Para todas as suas partes.

Fiquei preocupada, confesso. Que mãe que desenha “pombos” não se assustaria com o esboço de um “urubu” no papel? Tudo o que eu sempre protegi, que era a relação deles, de repente, não estava mais no meu controle. Todos têm em si seus afetos, e o que sentem a respeito de como os entregam e recebem de volta. Cada um tem a sua demanda, e o que pode ser suficiente para um, pode ser pouco para outro ou exacerbado para um terceiro. Daquelas coisas que assistimos e não temos o que fazer. Sobre as quais não temos nenhuma ingerência.

O fato é que observava nos dias a relação deles se transformar.

Não era para pior, se considerarmos que a idealização das coisas é muito mais nociva do que amiga, e que eles teriam na vida, os meus amores, a relação de afeto possível para eles, dentro do que estavam dispostos a trocar. Mas era diferente, nova. E no meio daquele novo cenário, vi luz com a presença do pai dos meus dois filhos maiores no nosso entorno. Enquanto antes, eles tinham dois pais, um aqui e um lá, como uma edificação trabalhada, em tempos de pandemia, vi a torre do pai deles se fortalecer, sem desmanchar a do pai afetivo. Apenas clareou as suas torres de luz. Apenas iluminou o que sempre foi e nunca vai mudar, para Joana e Joaquim. Eles tem um pai, e este será sempre o lugar dele, por melhor que seja o pai afetivo, também da Antonella, e novo parceiro da mãe. Por mais que entre eles exista muito amor.

Joana e Joaquim reconheceram neste caminho a força da presença do seu pai, assim como a força da presença do pai da Antonella na vida dela, e carinhosamente afetiva, na vida deles. Identificaram ali um “cuidador zeloso”, uma base masculina presente e acolhedora em uma de suas casas, mas um tio. O “tio Lê”, como já proferiam desde o nosso recomeço, e que agora nunca teve tanto significado. O tio, mais que tio, pai da irmã, pai afetivo, e amor da mamãe. O suficiente para uma família se constituir forte e honesta com os seus afetos. Sem tirar nada de ninguém. Apenas trabalhando posições, se confortando em seus novos lugares, e mexendo cadeiras.

Porque a vida não para. Lembro de escrever, lá no início dos meus alfarrábios, que não há jogo ganho, não há fim para o trabalho no mundo dos afetos, e eu diria que, nem em qualquer mundo. E lidar com estes movimentos procurando a ideia do bem, respeitando o que cada um pode dar e os espaços necessários para as transformações da vida, me parece o melhor caminho para atravessar a jornada sem deixar de sentir o “gosto” de cada passo dela, ou de respeitar os sabores do paladar alheio, das suas escolhas e da sua afetividade natural.

Minha “nova família” só fica mais interessante no tempo. Os meus, vêm acumulando mais afetos. Nossas posições de pais, cada vez mais fortes, independentemente da nossa configuração. E o meu coração, aberto às ventanias e tempestades. Essas que movem telhados e trazem mudanças, novos desenhos para o meu lar, cada vez mais crente de que a vida não para de surpreender. E que se respeitarmos os movimentos dela, fazendo dos limões aquela limonada, cada um viverá a sua história e crescerá no seu amor, de forma livre, consciente, respeitada e amparada, sempre.

Não há motivos de se esforçar tanto pelo plano aparentemente perfeito. Há coisas entre o céu e a terra que ninguém explica, e uma delas é que o “plano perfeito” está longe de existir, ou mesmo, de ser o melhor para a nossa constelação.

O melhor é o real, e o possível:)

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