A gente tira o próprio valor quando por medo de parecermos convencidas, presunçosas, exibidas, deixamos de valorizar a nossa parte, o nosso investimento e a nossa presença nas histórias da vida. Na conquista profissional, na maternidade, na manutenção da casa, na harmonização dos ambientes, na capacidade de amar, de seduzir, ou mesmo, nos registros de tudo isso em fotos, o que é um símbolo.

Tinha vergonha de fotografar. A minha família de origem sabe o quanto. Me propunha a aparecer, sempre que solicitada, para não desagradar, mas não pelo prazer de estar no registro, já que odiava o resultado sempre.

Era uma menina estranha. Hoje acho que todas nós da época éramos um pouco. Mas meu cabelo era curto e crespo, minhas sobrancelhas grossas e o meu corpo magro demais. Já contei das minhas características aqui, em outro texto, então não vou desgastar o assunto como forma de reforçar a minha baixa autoestima, já que hoje compreendo aquela passagem. Mas o fato é que eu odiava tanto as fotos, que minhas irmãs por vezes, em brigas, ameaçavam mostra-las por aí, o que me causava verdadeiro pânico.

A tradução de quem eu era, nas minhas imagens, era de uma falta de aceitação e generosidade cruéis.

No dia em que resolvi começar a publicação das minhas crônicas, me dei conta de que cada postagem precisava de uma foto. Por uma questão de favorecimento na promoção de posts que as divulgassem. Afinal, ninguém sai lendo um texto de uma desconhecida sem uma boa chamada e uma imagem que cause alguma identificação. E as fotos que eu tinha eram nossas. Da minha família, das minhas relações.

Esse não é o tipo de assunto que faz sentido trazer conteúdo com fotos compradas da internet. Pessoas se conectam a pessoas, e eu sabia que teriam que ser imagens reais, que de fato criassem vínculo e acolhimento, e para isso, precisariam ser de verdade.

O meu divórcio era recente, então fui aconselhada a não encher o blog de fotos das minhas crianças, expondo-as, além das histórias também delas, presentes nos textos. E para não causar qualquer mal estar no pai deles, o que era um cuidado extra. Então meu marido me disse que o melhor caminho, que evitaria qualquer incomodo, seria postar fotos apenas minhas.  Pois assim não colocaria luz sobre as minhas crianças, ainda tão pequenas, e que ali estavam lidando com a reconstrução de suas famílias, agora duas. Também estaria assim, protegendo a minha nova relação, sem fotos “meladas” que ofendessem a dor de quem acessava os textos, na vivência do fim de uma relação e da construção de algo incerto ainda no depois.

Precisava ser eu. Afinal, só falo nas crônicas por mim, mesmo que as histórias representem as de tantas. São posições, opiniões e sentimentos meus, mesmo que criadores de identidade em outras. As crônicas só poderiam carregar a mim no seu momento de estreia, pois se nada desse certo, ou se causassem desconforto nos leitores, eu seria justamente a única responsável, o que estava certo.

Para quem está se questionando ainda do porquê de não serem imagens de paisagens, respondo que essa foi uma possibilidade até o último minuto, e depois, em cada semana de texto novo. Mas as mulheres precisavam ver uma outra mulher ali, como elas. Não uma árvore, uma montanha ou uma praia. Nem um banco vazio, uma casa em construção ou um bolo de contas a pagar. Tudo seria real, mas não comunicaria diretamente do coração de uma pessoa para outra. Então topei o desafio a cada quarta-feira. E se querem saber, foi muito mais difícil postar a foto, do que as crônicas que saiam da emoção mais genuína em mim.

Contei essa história para contextualizar um comportamento comum, e que normalizei no tempo, durante o projeto, na conexão com outras mulheres. Aquele que traduz a nossa falta de generosidade com nós mesmas, e que muitas vezes nos derrota em cada arena das nossas vidas. Nos enchendo de culpas, de condescendências e da sensação de incapacidade e não merecimento. Derrubando a nossa autoestima. Que jeito dela ser melhor, se o medo da crítica, o acolhimentos das culpas da vida, da casa suja à malcriação de um filho, do excesso de trabalho à remuneração, sempre insuficiente, se constroem pesos em um cenário no qual não existe mérito para mais?

Comecei o exercício pela exposição. Pela coragem de colocar para fora os meus sentimentos e opiniões mais profundas, e os meus registros, dos quais eu nunca gostei. Enfrentei meus “aparentemente inimigos” a cada semana, quando sustentei uma imagem insegura, mesmo que o meu levantar me mostrasse uma pessoa mais forte e merecedora. Flertei com as minhas fotos. Às desafiei, depositando nelas menos importância do que o que eu estava vivendo e oferecendo nas crônicas. E fui me aproximando de quem eu era, do jeito que era, e menos preocupada com o que pensavam os outros quanto à forma a qual me colocava ali.

Quem passou por dores sabe que ninguém pode cuidar mais da gente, e nos acolher mais, do que nós mesmas. Acho que a expressão “lamber as feridas” diz muito sobre os momentos de sofrimento. E mesmo com ajuda e amparo, nos levantamos na vida sozinhos, essa é que é a verdade. Precisa querer, pois é a força das próprias pernas que eleva, mesmo acompanhadas de torcedores e eventuais mentores e apoios. Então, se eu queria levar uma vida diferente, quem poderia me derrubar senão eu mesma? Um “hater”?

Nunca agradaremos a todos, e por isso, melhor seguirmos o nosso coração e abraçarmos a quem somos, o que queremos fazer, promover e registrar nesse mundo. Isso fez sentido para mim. E se conto essa história aqui para vocês, é porque se trata de um exercício diário, cansativo, mas do qual somos capazes. O exercício de se desculpar em si, de se permitir pensar, mudar de ideia, falar em voz alta, escrever, se curtir, fotografar, se posicionar e desagradar, se assim for, sem que isso seja símbolo de heroísmo, da prepotência ou do exibicionismo. Mas sim, do autocuidado e da auto aceitação, preservação e merecimento.

Não é fácil. Semana passada recebi um elogio para uma foto minha na Serra, e retornei-o, àquela moça querida que o proferiu, dizendo que foi por conta do sol, do dia lindo, e do fato de eu estar feliz. Era tudo isso, também. Mas não nos acostumamos a sermos elogiadas, não é mesmo? E nem por mulheres, então que difícil aceitar um carinho e identificar em si beleza! Talvez se não nos compararmos às referências publicadas na vida digital e nos concentrarmos na mulher que somos e na vida que escolhemos e levamos, possa ser um primeiro passo de consciência sobre si, aceitação, e quem sabe, de reconhecimento das nossas belezas.

Não estamos acostumadas, mas já estamos mudando o mundo como ele é, quando elogiamos umas às outras.

Quando impulsionamos os passos de mulheres como nós, quando acolhemos a dores comuns e abraçamos as nossas vulnerabilidades emocionais, profissionais, financeiras e as físicas também. Aquelas que fazem parte da mulher de verdade. Que traz na bagagem o fruto de onde veio, e dos valores que recebeu naquela cena. Que viveu uma carreira, a falta de tempo para se cuidar, a falta de dinheiro para cremes e tratamentos estéticos, e para exercícios físicos. Que viveu gestações, a maternidade e seus desafios, relacionamentos amorosos eventualmente abusivos, ou só desequilibrados na troca e no afeto, pela ausência de segurança e senso de merecimento. Que viveu o impacto de escolhas de vida, e de “recebidos”, não escolhidos. Coisas que deixam marcas em quem somos, e que por sermos muitas, constituem vulnerabilidades que nos unem. Que nos assemelham. E que agora, reconhecemos umas nas outras.

E isso já é um ponto de luz, um lindo sinal.

Disse uma mulher, dessas como nós, outro dia, em uma palestra no TED X, que temos o dever de puxarmos umas às outras. Ou essa montanha que tem à nossa frente, e que não deveria estar ali, seguirá exatamente onde está. E, de verdade? Já não posso viver com isso.

Comentários

  • Betânia 22 de agosto de 2020

    Ju querida! Que lindo texto!! Muito interessante saber desta tua história passada. Eu te conheci ainda menina e posso te dizer que eras linda!! Sempre foi. Por dentro e por fora. Pensar que a gente mesmo se “sabota” nos achando feias nesta época. Eu também me achava péssima. Magricela, branquela. Como seria diferente se nos
    Elogiássemos e segurássemos a mão umas das
    outras. Tão importante empurrarmos essa montanha juntas. Muito bom ler teu texto. Obrigada pelas lindas Palavras.

    • Juliana Silveira 25 de agosto de 2020

      Beca, que linda!! Obrigada pelo feedback e por acompanhar os textos aqui:)
      Lindas recordações do nosso tempo de “estranheza” e falta de acolhimento… Imagina com o apoio mútuo o qual temos tanta consciência da importância hoje:)
      Bom, mas estes tempos nos edificaram afinal, né! Somos o que somos por vencermos ele, então já valeu:)
      Beijos com muito carinho e saudades <3

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *



NEW FAMILIES