Nossa cultura condena há séculos o divórcio como o movimento de destruição da família. A mulher separada, mais especificamente, é tema de filmes dramáticos que normalmente retratam a luta, a falta de recursos, os filhos problemáticos e a solidão desta condição. E é a partir destas fotografias que nos vemos no universo dos divorciados. E isso não acontece do dia para a noite. Acontece na hora do questionamento sobre o nosso estado civil em um balcão de cartório na venda de um carro. Depois no banco, depois na assinatura da compra ou locação do primeiro imóvel nessa nova condição. E sempre, desagradável.

Divorciada. Soa mais bonito, menos pior. Mas é separada que vem à mente depois daqueles milésimos de segundos os quais você não se reconhece naquela situação. Até hoje me atrapalho às vezes. Confesso que nas primeiras situações em que a enfrentei, a esta pergunta que desnuda e é ingrata, lacrimejava. Talvez de vergonha, não sei.

Chegar a este status não define o que uma pessoa é. Não define que ela é menos forte, menos determinada ou tem valores menos admiráveis. Quando um casal se separa, essa decisão vem após inúmeras lutas, tentativas, um tanto de esforço, mesmo que às vezes de forma velada. Dois operários trabalham da forma em que acreditam para manter aquela relação, que parece ruir em um canto, em outro, se esfarelando. Não deixando mais tijolos visíveis aos olhos. Matéria prima para recomeçar. E vai sobrando só pó. Em meio a lembranças felizes, mas passadas. E de repente ao menos um sabe o que quer, sabe que não dá mais.

Acredito que o que se carrega de um divorcio é a lealdade à luta de cada um no seu contexto. À coragem em reconhecer quando o fim chega. A não se diminuir. Ao contrário, a crescer neste processo tão exigente, mas tão humano. A respeitar nele, o outro. Quem nos acompanhou e construiu vida até ali. E aos poucos, o status de “divorciada” passa a mexer menos com os nossos dias.  Porque simplemente não diz nada sobre a imensidão de ser humano que se faz daquilo que sobra.

E aí, se começa de novo. E de repente, mas exceto nos balcões da vida, o estado civil passa a ser “amada”. Quem sabe feliz. Mulher, homem. Mãe e pai dos filhos que ficaram. E isso é mais, bem mais do que uma experiência dessa vida, do divórcio, que já passou.

Texto para o Jornal Zero Hora

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