Tudo o que eles querem é pertencer. E esse passa a ser o maior dos nossos desafios enquanto pais, quando se tratam de crianças que parecem simplesmente precisar de provas sólidas de que o “seu lugar” segue firme, segue uma verdade, segue inabalável na vida das suas origens, das suas “torres de luz”. Quando seus pais, de repente, a partir de uma decisão de disrrupção do casamento e de desmoronamento da configuração familiar na qual estavam vivendo, recomeçam suas histórias.

Dá medo dito assim, não é? Natural se sentir ameaçado quando uma história vai ser reescrita e você se pergunta se será mantido nela com a mesma relevância, ou não.

Também sinto neles uma necessidade de enxergar uma cena mais feliz do que a de antes, para justificar o que os movimentou. Algo que traga propósito ao divórcio dos pais, como o de ver as suas partes enfim em paz, no novo lugar escolhido, melhores na vida e com eles.

Mas tudo para realmente se sentirem parte ou se adequarem ao novo formato escolhido pelo pai, pela mãe. Na transição e no depois. E as reações deles para dizerem isso permeiam entre a total parceria no processo, como forma de estarem “junto” e garantirem o seu lugar, e a hostilidade e repulsa a tudo o que vem após a notícia da separação e a travessia de reconstrução de uma nova configuração para a sua família.

As distâncias entre as duas casas dos nossos filhos só aumentam com o tempo. Se não havia sincronia nas formas quando o “ex casal” era casado, como esse fato não piorar quando se perde a mesa de negociações do dia a dia, impulsionada ainda pela vontade, mesmo que já desgastada e incerta, de preservar a relação a dois e fazer dar certo a família, naquele formato idealizado?

Na descoberta do novo indivíduo que segue sozinho, e depois se mistura com um outro, terceiro, se caminha cada vez para mais longe… As proposições que dentro do casamento, da família comum dos filhos, foram uma vez complementares, de certa forma, dando cor e mistura de ideias às rotinas, de repente se configuram polos, modelos de vida completamente diferentes, propostas até antagônicas na crença do melhor viver, do sentir, do usufruir, do consumir. Do que é saudável e do que não é na régua da tolerância humana. Tão flexível, maleável, e tão suscetível aos efeitos de um caminho escolhido.

Só que no lugar de achar que isso confunde, sempre acreditei que enriquece. Que assim, os filhos poderiam provar de mais alternativas na vida. Sentir mais gostos, ouvir mais músicas, conhecer mais gente, debater com uma maior diversidade de opiniões, acessarem mais perspectivas. Questionarem ideais e encontrarem possibilidades amigas nas alternativas a eles. Conhecerem mais sobre quem são seus pais… Algo riquíssimo, se olhado com as lentes do bem. Então essa explicação me serve. É fé minha.

Porém como todo o caminho tem cantos escuros, talvez o maior deles para os filhos de um divórcio, e por natural consequência, para seus pais também, seja o de serem peças volantes nas suas famílias. Essas que seguem existindo na ausência deles, tocando a vida. E outro dia ouvi de uma amiga essa perspectiva, trazida por uma sobrinha dela, filha de pais separados, que me fez refletir sobre o tamanho da nossa responsabilidade quando seguimos em frente após um divórcio do pai dos nossos filhos. O quanto é importante esse trabalho diário de mudar, transformar, acolher as novas oportunidades de ser feliz, sem deixar de ser lar firme e forte, de amor e segurança para os pequenos viajantes, companheiros nossos de jornada.

As vigas de sustentação da vida acontecem nos detalhes. Parece estranho, e até paradoxal, já que viga lembra estrutura pesada, base… Mas aqui, nesta cena, me pareceu algo sutil, como um pequeno cinzeiro de cristal acomodado na sala, que foi de uma avó. É algo que se mostra na forma como atuamos, como nos acomodamos, como definimos os quartos da casa nova, como compramos as roupas deles, a quem priorizamos na hora do banho, do choro, da demanda de colo. De como fazemos a vida parecer normal e a presença deles algo natural, e não especial. Pois mesmo indo e vindo, mesmo viajantes, não são visitantes… Só estão voltando para casa.

Essa coisa toda se mostra neles, nos pequenos movimentos. Quando seus olhinhos pescam o vacilo aqui e lá em algo que ficou imensamente diferente do que era quando a sua constelação familiar mudou. Quando o que era óbvio, equilibrado e natural passa a ser exercitado, confuso e eventualmente pesado, como o simples ato de educar. De um jeito diferente que os fazem pensar que ali, naquele momento, foram emburrados por ambos e pelas suas vidas “vivas” e sem eles, os pondo agora no meio do caminho, entre as suas duas casas, sem saber para onde ir, a quem servir.

Ninguém faz isso com os filhos de caso pensado, conscientemente. Quando se perde a outra ponta, o fio da meada, a outra torre, aquela que dividia terreno, se perde também o ritmo da dança, o jogo de cintura, as concessões e as salva guardas que a presença oferece, e que propicia a possibilidade de um caminho do meio “negociado”, mas alinhado.

Então, quando seguimos nossas construções e nos conectamos a novas oportunidades de felicidade, trazemos eles e, naturalmente, os puxamos do outro, e vice-versa. Algo que merece olhar, exercício e amor. Aquele todo, infinito, que sentimos por eles. Que demanda o cuidado fino, como o que dedicamos a uma taça de cristal em meio à louça do jantar. Pois mesmo no meio da bagunça de vida, da presença de fatos novos, de afetos nascidos no depois e da poeira que levanta das novas construções, sentimentos delicados estão ali, no meio da “louça”, acompanhando os nossos movimentos e pedindo espaço… Aquele na gente.  Acolhida. Terreno seguro e amoroso. Para que possam pernoitar nos dias nos quais aquele é o “cais” da vez, mas se sentirem em casa. Uma das suas origens e sempre um dos seus destinos.

Tem coisa mais importante do que isso? Não me passa nada mais pela cabeça de mãe, essa que se acomoda sobre o meu pescoço e coração.

Por isso trouxe para nós.

Apostando na nossa capacidade de construção da felicidade no depois para todos, com a delicadeza e a maciez de um colo materno. O melhor “porto” do mundo, o que jamais deixa de sê-lo na vida. Aquele que não acaba nem quando tudo termina. Pois fica, existe na ausência, aprendizado tão valioso da travessia do divórcio e suas despedidas, “ninhos vazios” e saudades. E que por isso, não será por ele que deixará de ser o que é, não é?

É.

Mãe é lar, mãe é mãe. E fica o meu desejo de que pais possam fazer o mesmo pelos nossos pequenos filhos de famílias diferentes ❤.

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