O ano talvez mais exigente das nossas vidas vai se encaminhando para o fim, e algumas verdades poderiam ser ditas… Então senti necessidade em dizê-las, como que em representação a muitas. Por senti-las na pele e por assisti-las vivas e desamparadas em outras mulheres. Fruto da minha escuta no meu mundo e no das que me permitem acessar os seus. Então lá vai!

Desabafo número um: desinteressante é a mãe! Ou melhor, qualquer um, menos a mãe! Queria ver outra executiva da vida com tal volatilidade… Saímos muitas dos “terninhos” e dos desafios diários da rotina de mulher e profissional, de produzir recursos fora para trazê-los para o lar, cuidando dos filhos sem aula em meio a pandemia. Outro “executivo” ou “empresário” teria posto fogo nos próprios filhos ou na casa. Mas nós, não. Seguimos na labuta e ainda amamos eles, ainda conseguimos falar do quanto essa também foi uma oportunidade de aproveitá-los mais, de fortalecermos laços. Então, ouvir sobre o quanto nos tornamos “cansadas” e sucumbidas pelos assuntos domésticos me deixou incomodada.

Desabafo número dois: receio que o normal “aquele” não volte… E como vai ser? Deu medo até de pensar. Me sinto às vezes cansada, quase senil, mas vejo que mantenho minha consciência e saúde mental em dia, quando sigo gostando da minha vida e amando a quem sempre amei. Quando não deterioro o que conquistei até aqui. O que reconheço no caminho das mulheres que acompanho. Mas confesso que me parece cada dia mais improvável que tudo se acomode como antes, do jeito que era, e consigamos reconquistar aquela forma a qual vivíamos até a pandemia se dar. Até lá, o malabarismo vai ficando bem exigente e ranzinza de tão velho. Afinal, está quase fazendo um ano disso tudo.  

Já não acho que sejamos as mesmas. As marcas desse ano foram fortes. Irreparáveis. E considerando que seguimos ainda na tempestade, sinto falta do sol, confesso. Do calor da rua, das pessoas, da minha retaguarda e disso tudo na vida das pessoas que dividiram vida comigo… Então, como não ressignificar tudo?

Desabafo número três: o que não nos mata, nos fortalece. Nem fogo na casa, nem dor de garganta por enquanto… Acho que o vírus passou e achou que ainda não é páreo para mim e para muitas como eu. Tive amigas mães que passaram ilesas, enquanto seus parceiros foram para o cilindro de oxigênio, e quase me atrevo a dizer que tem Deus, ou outra força justa qualquer, envolvida nisso.

Meu “vírus” foi chamar reforço e ainda não voltou… Receio que não me encontre, pois vou me mudar de casa:)

Brincadeiras à parte, pessoas próximas andam doentes e isso me amedronta um pouco mais. Pensei que se a coisa me pegasse de jeito, deixaria meus filhos sem mãe, sem uma boa mãe. Presente, executiva. Empreendedora, mas sabedora das suas responsabilidades. Dona de casa, desenhista, jogadora de “stop”, contadora de histórias, juíza de brigas, companhia para séries e filmes de Natal, rainha da organização e da mudança, colo… Alguém presente. Que faz o que tem que fazer enquanto o mundo anda uma bagunça lá fora. E por isso me dei conta de que faria falta para eles. Não pela mulher que sou, não se trata de valorizações, reconhecimentos e vaidade… Mas pelo que nunca deixei de fazer. Pelo que fui quando eles precisaram, sem abandonar os meus trabalhos em definitivo, pois também precisavam do resultado deles. Pela mulher mais que interessante que me tornei quando assumi meu posto na vida, mesmo cansada e com medo. Mesmo que exausta. Mesmo em reinvenção. Pois ela é real.

Desabafo número quatro: Vivi quase 48 horas sem luz em casa com as minhas crianças e marido, após a tempestade deste domingo. Me parece que cento e oitenta e nove mil pessoas na minha cidade, também. Sem eletrônicos, preocupada que a comida da geladeira estragasse, que as crianças não conseguissem dormir de calor, que velas não fossem suficientes para iluminar a nossa casa grande de muitas pessoas… Então, apareceu claro o valor do básico e o fato de que tudo pode piorar na vida se não nos esforçarmos na busca da ideia do bem e do aprendizado de cada desafio imposto.

Precisamos, neste tempo de “blackout”, conversar uns com os outros. Jogar “papo fora”, lidar com os pensamentos que perambulavam nas nossas cabeças, enfrentar o quanto somos vulneráveis, o quanto a vida é. E o quanto ela precisa ser mais leve para a manutenção da sua integridade.

Descobri que podemos dormir sem ar condicionado e que a energia elétrica nos serve e escraviza. Que estávamos cansados todos e que a penumbra poderia nos ajudar a clarear o que realmente importa. Coisas dos desafios trazidos pelo ano de 2020…

Com licença, mas precisava desabafar. Não por mim, só. Aqui represento a muitas, pode acreditar. E como, por conta do privilégio das minhas mentorias individuais, sei que falo por mulheres mães, considere um “abaixo-assinado” da turma esquecida no ano em que o mundo entrou em pandemia e não saiu mais. Da turma que teve que dar conta, que não teve alternativa, que mudou de vida e que, assim mesmo, não saiu nas manchetes dos jornais por terem posto fogo na casa ou matado “um”. Vencemos, na grande maioria, o jogo jogado até aqui.

Esperança? No espírito contagiante de Natal, no 2021 que começa, na lua que muda, na nova vacina e nas mulheres que venho conhecendo a cada dia, além da que se apresenta aqui. Gente de resiliência gigante, de atitude corajosa de quem não foge da luta que é sua. Mulheres que ainda buscam manter corpo e mente nos patamares possíveis de integridade, a fim de se sentirem bonitas, sãs e femininas na arena com a faixa que a nomeia como “o ano do Covid”. Que buscam manter o choro do desabafo em dia, seu posicionamento mais vivo do que nunca, como ato de superação, e o seu feminino reconhecido, acolhido e elevado, por tudo que teve a capacidade de construir nesta realidade tão exigente. Já não bastavam a lutas da vida?

Aff… Se sobrevivermos a essa, que tudo indica que vamos, o mundo que nos aguarde. As competências que constituímos na gente até aqui, nem em uma vida toda conseguiríamos desenvolver com tal destreza, delicadeza, diplomacia e força. Então sairemos prontas para os recomeços e as conquistas que virão, para as novas escolhas, para os “sim’s” que queremos para as nossas vidas…

Prontas para irmos avante… Melhores, com certeza. No máximo, cansadas:)

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