Nova família pressupõe um formato alternativo na criação de filhos, no qual, em geral, os pais o fazem de casas separadas, de vidas paralelas. Isso a gente já fala muito no projeto New Families. Só que tem aí uma caixa preta, ou um túnel escuro, como prefiro chamar, que pouco se permeia sobre, muito menos, debate-se.

O chamo de túnel porque é longo, e se não encarado, pode não apresentar saída e durar para sempre. Porque assim como o dilema do ovo e da galinha, não é óbvia a melhor prática nem a escolha certa quando se trata da criação de filhos, do estabelecimento de uma rotina doméstica, afetiva e familiar no lar. Quando, em um ambiente seguro, este que ampara o casamento, se estabelece uma negociação quanto ao papel, a contribuição de cada um, pai e mãe, na constelação da família e lido com o dia a dia e as demandas dela.

Como fazer quando os dois, donos do casamento como único projeto comum, tocam suas carreiras, livres, e, de repente, precisam redefinir limites pela presença das novas responsabilidades que um filho dessa família traz consigo? O que é muito e o que é pouco no tempo que é dedicado a ele? Todas as crianças são diferentes e cada uma tem a sua demanda particular, então dá para generalizar na regra? Há quem conte com retaguarda… E quem não a tem?

E quem tem três filhos, como eu, pode usufruir da mesma dinâmica de quem tem um?

Aí vem o apagar de luzes e a porta do túnel aquele, longo e escuro… Como ficam os rendimentos individuais dessas pessoas dentro do casamento, frente às suas disponibilidades, quase sempre tão diferentes?

Cada um faz o que pode, operacionalmente, financeiramente e emocionalmente dentro da família. E pela vivência na minha jornada e na de tantas que acompanho em mentoria individual, preciso me colocar a respeito dessa pauta aparentemente sútil, mas que causa tanta violência, invalidação, dependência e horror à parte mais vulnerável “financeiramente” nas relações de casamento, ou mesmo naquelas que descontinuaram neste formato.

Falando assim parece simples de resolver. Ambos tocam as suas carreiras, promovem os seus ganhos, e as crianças seguem para creches e cuidadores, sendo estes preparados ou não na missão de acompanha-los, enquanto este modelo constitui a tal “maternidade” e “paternidade” possíveis. Simples? Não. Lembra do ovo e da galinha? Se correr o bicho pega e se ficar, o bicho come? Pois é. Cada família tem as suas exigências. E se os dois adultos seguirem tocando as suas histórias por conta e risco, ignorando a chegada dos filhos, escolhidos ou não, e das suas exigências inerentes e particulares, a conta financeira pode até fechar, mas nem sempre aquela real, e tão subjetiva quanto o amor, a confiança, os valores e o afeto, fecha. Aquela que dá sentido à vida e que recursos financeiros só subsidiam, e às vezes, nem isso, já que nem tudo se pode comprar. Sem contar com o que cada um deseja para o seu exercício na parentalidade, tão próprio.

Ocorre que essa é uma negociação íntima, que ocorre entre as quatro paredes que acolhem o casamento, a família, e se baseia na confiança e em uma série de concessões e parâmetros de responsabilidades e entregas. Dizer que uma é mais importante que a outra seria um grande equívoco considerando que somos seres complexos e precisamos de um tanto de nutrições, que não se acham em uma “bomba” só. Não dizem respeito somente ao sustento do corpo. Mas isso eu também já falei. Preciso repassar o assunto? Talvez para alguns sim, mas tenho certeza que para a maioria que me lê não se faz necessário. Famílias precisam de recursos financeiros, “também”. Assim como afeto, amparo, atenção, acompanhamento, orientação, entrega, abertura para o aprendizado, capacidade de escolha, construção de relações de confiança, flexibilidade… Uma gestão ampla das demandas que não são só dos filhos, mas da gente. Do que queremos para a nossa constituição e para a deles. E que vai além do que se discute nas partilhas do divórcio ou no exercício do poder financeiro dentro das relações, que em tanto se trata com violência hoje. Que em tanto, vulnerabiliza, desencoraja e desampara.

A violência financeira, essa da qual não falamos e que judia o adulto de referência que assumiu outra “pasta” na constelação familiar, que não a deste poder, é pauta frequente na história das mulheres do século vinte e um. Que muitas vezes, por negociação ou por necessidade de preenchimento de “lacunas” na vida em família, escolheram abrir mão do potencial ganho individual, para um coletivo e ainda tão mal compreendido. Aquele no qual ganham todos, e que pouco é reconhecido, falado, e nada debatido. Se tornando a faca afiada do estabelecimento da relação conjugal amorosa, esta aparentemente constituída de todas as suas partes, e, posterior, dos processos de divórcio e de compartilhamento de filhos, que se fazem cruéis e punitivos a quem dedicou o que não pôde ser “contado” na mão ou mensurado.

Essa violência é trazida aqui para que possamos estudá-la com cuidado, com consciência de valor. Para que seja pauta frequente nas mesas de negociações da vida. Para que não valham só as moedas, ou que, pelo menos, esta seja uma. Para que os abusos de poder não mais aconteçam. Para que os recursos das famílias possam ampará-las em qualquer tempo, mesmo nas tempestades e disrrupções, considerando que, no seio delas, cada um fez a sua parte no tempo que durou. Tão difíceis de medir, quando se trata de retaguarda, construção de caráter, afetividade, autonomia e capacidade de dar conta na vida. De ser feliz. Além de se prover financeiramente, é claro, e não menos valioso.

É do que precisam as pessoas, afinal. As famílias. Desse tanto de coisas difíceis de medir. E quem sabe, de posse de todas elas e dessa consciência, possam construir formatos sem horror e com respeito. Modelos prósperos e férteis aos recomeços, a melhor compreensão dos filhos, ao amor, às novas famílias.

Diferente disso é mantermos sujeira debaixo dos tapetes que amparam o que temos de mais valioso na vida. É mantermos quartos escuros, angústia, gritos silenciosos no coração de quem entregou o que pôde e sensação de abandono em quem assiste o “fogo pegar no seu próprio parquinho”. Diferente desse olhar transparente, coerente e generoso, é violentar. E tenho certeza que as sãs consciências dos operários das novas famílias não desejam que este horror dure para sempre, não é?

Desejo de verdade que não. Então, evoluamos nessa conversa… Ela começa aqui, sendo espalhada na mesa.

Tem luz no fim deste túnel. Vamos refletir sobre? Antes um fim com horror, do que um horror sem fim.

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