Há pouco mais de seis anos atrás me divorciei de um casamento do qual gerei filhos. Um casal querido e com idades próximas. Ela, a mais velha, morena de pele jambo e olhos verdes ardósia. Ele, um lindo menino de pele cor de cenoura, cabelos claros e olhos azuis. A realização de um sonho comum ter um casal de filhos quase do mesmo tamanho, lindos e de olhos claros. Ter um menino e uma menina, o que me tornava então, uma “expert” em criação de filhos nas rodas das amigas, e uma sortuda. Afinal, uma mãe morena de olhos castanhos passeando por aí com duas lindas crianças de olhos claros é um “tiro na lua”.

A minha primeira sensação frente ao fim da minha família na sua constituição original foi a de que jamais, jamais (!) eu desejaria filhos de novo. Essa não era uma questão com eles, com os que já tinha. Eles eram, são e sempre serão a minha vida, e sou grata por cada centímetro deles que perambula por aí e que constitui essa alma nova que me habitou a partir do momento em que me tornei mãe. Mas em se tratar de futuro, de jeito nenhum. Tinha consciência de que em parte me perdi em mim mesma  com a maternidade. Ela veio como uma avalanche de emoções, de um amor incontrolável e incondicional que me assustava ao ponto de eu me tornar de certa forma servil neste papel, me atrapalhando nos outros. Aconteceu com você?

Nasceram eles, nasceu uma mãe dedicada, encantada e exausta. E foi natural, com a vivência do divórcio acontecendo pouco a pouco dentro da minha casa, fechar a porta para a possibilidade de uma nova maternidade. Namorar sim, casar, até sim… Mas engravidar de novo definitivamente a resposta era “não”.

Só que a vida passa empreendendo, tem direção própria e às vezes desgovernada. Faz aparecer e desaparecer, surpreende, assusta, encanta, apaixona, ignora, e faz propostas com cara de “indecorosas” para nos provar que por mais que desejemos planejar as coisas, existe sempre um caminho, uma alternativa, um acontecimento para o qual não estávamos preparados, não olhamos antes.

Impactada pela paixão, me envolvi afetivamente de todas as formas conhecidas, e até desconhecidas para mim, com o homem que veio a construir uma nova família comigo a partir da união, do retorno meu e dele, também divorciado na época, a instituição do casamento. Mas antes disso tudo acontecer e o nosso romance ser registrado em um cartório qualquer, eu o amava. Fui tocada de forma que tudo o que eu havia construído de “barricada” para o meu recomeço foi levado como que pela correnteza de um mar revolto. Como a casa de palha dos “Três porquinhos”, como um daqueles “tsunamis” das ilhas asiáticas. Meu plano seria ali o plano dele também, e em um dos nossos primeiros encontros, quando navegávamos na presença de filhos na vida, na minha com dois e na dele com nenhum, ofereci a minha barriga, a minha maternidade.

Estou trazendo este assunto não só por ser esta a semana do aniversário da filha que tivemos juntos alguns anos após aquela conversa e o meu oferecimento. Trago porque, desde lá atrás, passei a olhar “planos”. “projetos”, “estratégias de vida” com mais desdém.  Consciente da sua “bussola” própria, tantas vezes desconectada do meu desejo, do meu empenho, das minhas idealizações, mas sempre conectada a uma necessidade de aprendizado minha e de novas experiências surpreendentes no afeto. Trouxe pela grata surpresa que receber da vida propicia. O tal do “recebe e agradece” fazia algum sentido ali… E trago para encorajar à liberdade. De mudar de lugar, de função na vida, de cadeira ou de pé, de decisão, de verdades e até de algum valor. Trago para dizer que hoje, quando vejo meu mais jovem investimento aniversariar, celebrar anos de vida ao nosso lado e crescer sob os nossos olhos, a mim parece um milagre daqueles que a gente precisa se permitir vivenciar, ter fé. Quando nos relacionamos com trocas honestas, generosas, realmente amorosas. De composições bacanas e propostas que se não violam, fazem algo valioso com a gente: nos movimentam, nos transformam.

Foi o que a minha terceira filha fez com as nossas vidas. Essa história de “minha vida” não me diz muita coisa, mais… Na qualidade de “ser conectado” ao mundo, aos afetos, o que me é tão caro, e ao que vem do outro, sigo aberta a propostas desconhecidas, caminhos não sabidos, ou visitados, e à alternativas aos planos uma vez desenhados no papel. A riqueza do viver está exatamente aí, e dessa “manga” quero “até o caroço”.

Respondendo à pergunta de curiosos, foi coragem? Prefiro acreditar que foi abertura, liberdade, leveza e menos condicionamentos… Se tratou de “receber”. Ao que agradeço, do fundo do meu coração.

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