Sabe o que é mais incrível e excitante nas amizades? É o fato de nascerem de situações improváveis. A gente pode ter disponível um monte de gente “provavelmente amiga” na vida, porque nos conhecem, porque nos acompanham parte da jornada, porque têm com a gente rotina, laços familiares, projetos em comum ou vontade de estar junto e, ainda assim, não nos vincularmos afetivamente, profundamente. A gente pode ter uma história com a pessoa e na hora que mais precisamos de um ombro amigo, ou a situação demandar deste nosso oferecimento em recíproca, a magia com ela não acontecer. De repente falta empatia, falta jeito, falta trato, falta compreensão e a vontade parece nem ser tanta ao ponto que a amizade não se dá.   

Nos acostumamos a chamarmos de amigos aqueles que conhecemos. Somos “amigos” deste e daquele outro que vimos alguma vez ou muitas vezes na vida, mas se quer nos conectamos verdadeiramente. “Amigos” que não nos conhecem realmente. Essa cortina de fumaça começa embaçando a nossa visão do que é amizade e quanto a quem realmente podemos contar. Pensamos que por ser “amigo”, aquele “conhecido” pode nos compreender, ficar ao nosso lado, cuidar da gente, receber cuidados nossos, trocar honestamente, sem máscaras ou atuações… Então, nos momentos mais exigentes, ficam claros joio e trigo. Quem está realmente junto e quem não está.

As parcerias ditas amizades são de todo o tipo e cheias de conveniências também. Tem amizade para a farra, tem aquela que a gente olha e já começa a chorar, tamanha a acolhida. Tem aquela que faz parceria em algo que cativa a ambos: um esporte, um projeto, um ideal, um grupo, e deste conhecemos bem… Neles a “parceria” de certa forma acontece, às vezes até resultando em uma verdadeira amizade, mas em muitas, ficam apenas frustrações e a sensação de abandono.

No Google diz: “Amizade é a relação afetiva entre os indivíduos. É o relacionamento que as pessoas têm de afeto e carinho por outra, que possuem um sentimento de lealdade, proteção etc. A amizade pode existir entre homens e mulheres, irmãos, namorados, maridos, parentes, pessoas com diferentes vínculos.” Desde que, “conectadas”, eu complementaria.

Menos vida, mais amigos aparentes. Mais vida, menos deles, e mais valiosos. Como em qualquer relação, saímos mais fortes, evoluímos na amizade quando atravessamos exigências juntos.  Quando as experiências vividas nos movimentam dos lugares convenientes, nos colocando como “escolha consciente” um do outro, crescemos na amizade, tornando-a algo vital, joia na vida, em alta estima, protegida, amparada e amada.

A amizade verdadeira emociona só por existir. Me emociona um monte encontrar quem eu realmente tenho como amiga ou amigo meu, sabe? Quando a energia que trocamos tem memórias, me lembra do quanto já nos seguramos uns nos outros, do quanto nos transformamos e ainda sim seguimos juntos, do tanto que nos queremos bem… É algo que se pode sentir.

Toda a vez que eu encontro as minhas amigas verdadeiras dá choro. De feliz ou de triste, desaguamos. O abraço já emociona. Vê-las vivas já basta para a minha felicidade.

Quando saí do Hospital a minha primeira visita em casa foi a de uma amiga que quero muito, que eu amo demais. Lembro de descer as escadas, ansiosa para vê-la, e ao nos olharmos, nos abraçarmos e depois ficarmos nos curtindo sem palavras, apenas gratas por estarmos ali uma para a outra, ouvi dela o seguinte, emocionada: “como tive medo de te perder…” Ela teve medo de perder o tanto que temos de verdade, que construímos juntas em uma troca deliberada e honesta. E eu também tive medo de perdê-la… A recíproca era verdadeira. Então, o abraço de boas vindas de volta, também. A doença foi mais uma travessia nossa, que fortaleceu os nossos laços de amizade e afeto e nos levou a nos escolhermos de novo. Ela me lembra todos os dias sobre o quanto eu sou valiosa…

Quando me divorciei, a minha melhor amiga da vida, comigo desde a pré-escola, abraçou a minha “sorte”. Me juntou do chão, me amparou e me disse o “necessário”, quantas vezes foram “necessárias”, sobre aquilo que eu precisava para levantar e seguir em frente mais forte. Ela é minha “madrinha” na vida, minha “fada madrinha”. Não só de casamento e de filhos, mas de todos os investimentos e experiências que vem de mim. Ela me ama exatamente pelo que eu sou. Não me exige mudanças, atravessa comigo as que eu escolho. E quando adoeci de Covid, olhou por mim mais do que qualquer um. Mais do que pelos meus, cuidou de mim e da minha fortaleza pessoal e física. Como indivíduo, como amiga. E ali me senti tão valiosa para ela! Quer coisa melhor para a autoestima do que ter quem te escolha pelo que você é?

Poderia aqui citar também as minhas irmãs amigas, a minha prima irmã, que genuinamente reagem em minha proteção e vivem a me oferecer amor, retaguarda e conversas honestas. Poderia também trazer amizades daquelas que vivenciaram um momento breve comigo e, de lá para cá, se mantiveram vivas e presentes na minha jornada, muitas vezes de longe, sempre torcendo, vibrando e amparando meus passos da forma possível. Mas vou me concentrar em citar aquelas realmente improváveis, fruto do projeto New Families. Fruto das conversas estabelecidas em cada texto semanal, em cada post. Nascidas da mentoria que faço em processos dolorosos e disruptivos da vida, nos quais trocamos muito, vivenciamos um tanto de intimidade, entrega, “nudez” e empatia advinda de dois lados, tamanha a intensidade e conexão deste encontro.

Dia desses agendei um café com uma mentorada que encerrou seu primeiro ciclo comigo, de forma online. Seria a nossa primeira vez juntas presencialmente. Fiquei ansiosa em vê-la. Como pede um encontro afetivo, estava com frio na barriga, tão atrapalhada que fui para a cafeteria errada. A esperei com chá quente, ela chegou com flores. Nos emocionamos demais naquele abraço. Sabia tanto dela, do seu coração, que a coloquei a morar no meu, bem quentinha e amparada, e ela podia sentir isso, tenho certeza. Ela já sabe também tanto de mim, que me senti fresca, eu mesma, em casa, mesmo sendo aquela a nossa primeira vez. Nos tocamos, mãos e braços uma da outra, rimos, marejamos os olhos, coisas de gente com intimidade que se quer bem. E nos despedimos para um desejado até logo… Não foi a primeira vez que nos abraçamos, mas ali, usávamos os braços e todo o seu poder.

As amizades que cultivamos no enfrentamento de dores compartilhadas são poderosas, muito além de parcerias na vida. Moram na gente. Movimentam a nossa emoção, nos refazem junto. Fazem com que tenhamos fé na vida, em nós mesmas, no mundo das nossas crianças e no trajeto que ainda temos pela frente, com a crença de que ele pode ser mais feliz… Com mais luz, mais amor. Pode ser tudo o que for possível e ainda, partilhado com quem anda conosco. Festejado, porque bom, quando a gente vence, é a festa com quem mais importa . E apoiado, nos momentos de profundo lido e transformação, que exigem tanto companhia afetuosa.

Essas são as amizades que festejo nessa semana. As improváveis e de verdade.

Com amor da amiga Ju.

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