Violência física é a conduta que ofende a integridade ou saúde corporal da gente. Pode ser reconhecida nos empurrões, roxos, cortes, “apertos”, puxões de cabelo, uso de armas de qualquer espécie, mesmo aquelas que não são armas, mas podem ser usadas covardemente como tal.

A violência psicológica é a conduta que causa dano emocional e diminuição da autoestima, ou que prejudica e perturba o pleno desenvolvimento da gente. Que vise degradar ou controlar nossas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularizarão, exploração e limitação do direito de ir e vir. Ou ainda qualquer outro meio que nos cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.

Violência sexual é a conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força. Que induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a nossa sexualidade, de forma que nos impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que nos force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação. Pode-se considerar ainda o que limite ou anule o exercício dos nossos direitos sexuais e reprodutivos.

A violência patrimonial é a conduta que configura retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer as nossas necessidades. Aqui também pode-se considerar o controle da nossa vida usando-se de dinheiro, bens ou documentos, ou ainda, a apropriação real e moral daquilo que foi conquistado enquanto casal, em comunhão e sob acordos aparentemente claros, instituídos nessa sociedade.

E a violência moral é aquela conduta que configura calúnia, difamação ou injúria sobre nós.

Escrevi, naturalmente “nós”, “a gente”, sem querer diminuir o fato de que condutas de violência também abatem os homens, principalmente aqueles em situações mais vulneráveis. Ocorre que essa é uma violação normalizada na história das mulheres desde que mundo é mundo, e ocorre independentemente de qualquer situação de vulnerabilidade social ou econômica, o que merece uma atenção especial. A violência é oferecida ao gênero feminino, não importa em que tempos ou condições.

Aceitamos “culturalmente” um abuso aqui e ali por fazermos parte de um gênero historicamente abusado. Feridas ancestrais que até um passado recente eram escrachadas e cruéis, parte do dia a dia de mulher, sem que sequer encontrássemos fórum para a troca da sensação de desconforto, para ser rasa. Hoje conquistamos o direito de questionar, de falar sobre, mas não vamos esquecer que nosso “riacho” corre por estes caminhos, já abertos pelas “águas de sempre”, e que mudar seu ciclo não depende somente de uma decisão no casamento, no relacionamento afetivo, na família de origem e nos ambientes dos quais fazemos parte.

A violência fez marcas na maioria de nós, mesmo as mais sutis. Já é dinâmica. Depende de reflexão, terapia, conversas, compreensão, exercícios diários na mudança de comportamento e na tolerância ao que não precisa ser tolerado. Exige pedido de ajuda. Amparo. Pois o curso das águas não faz dessa uma jornada fácil, e quando nos damos conta, comprometemos o desenvolvimento dos nossos filhos em construção afetiva e de percepção do mundo e das relações. Em um piscar de olhos estamos repetindo, permitindo e normalizando cenas de abuso.

Que dinâmica desejamos para o futuro? Interromper parece óbvio é fácil, fruto apenas de um posicionamento… Antes fosse assim virar-se do avesso e reorientar cada célula do nosso corpo machucado, “acostumado” àquilo que sempre foi aceito como “normal” e, de repente, fazer força contra, de resistência, quando já fluímos nessas águas como sobreviventes resilientes.

Então, como não é fácil, nem óbvio, talvez a solução para uma jornada de mais saúde e de interrupção desse funcionamento seja conversar sobre. Colocar luz naquilo que antes não possuía iluminação própria, relevância ou palco. Talvez escrever aquilo que nos afeta e entender assim de que forma podemos construir realidades que nos acolham e respeitem. Quem sabe ouvindo a nossa consciência, mostrando a ela o que a violência, traduzida na vida de quem está ao nosso redor, seja ela real ou na arte, pode trazer de marcas profundas na alma de quem a vive. Ou ainda olhar para os filhos e, na força do desejo de que não sejam vítimas de abusos em suas vidas, não daqueles concedidos e controláveis, interrompamos quaisquer dinâmicas que os façam normalizar o que não pode jamais ser normalizado.

Mexida pelo trabalho com mulheres que realizo. Pelas histórias que toco e pelas quais sou tocada. Pela comentada série “Maid”, do Netflix, e seu retrato real e corajoso da violência contra o feminino. Quem não se reconheceu na protagonista “Alex”, que levante a mão. Ambos tocaram e tocam a minha história… O lugar no qual tanto me coloquei por entender que ele seria o “mais adequado” para uma mulher, uma filha e mãe no mundo que “aprendemos” e no qual crescemos pelas mãos de quem é parte dessa cadeia longeva que viola. Provocou dores de barriga, reflexões, compreensões e o início de alguns processos de cura por aqui. Além da construção de novos “cercadinhos” para o movimento das minhas águas.

Joana, Joaquim e Antonella estão me assistindo, afinal. E assim, ganham todos.

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