Como você chama o seu filho, de “amor”? E a sua filha, de “princesa da mamãe”? De “meu bebê”? Tudo bem que a entrada da escola fica na quadra da minha casa, mas você permitiria que o seu filho de dez anos fosse sozinho? E você deixa a sua menina mocinha e bonita andar solta por aí com as amigas? Ela me pediu para ir com o seu grupo de pelo menos sete mocinhas em uma praça próxima e eu não deixei, estou louca? Elas afinal são apenas crianças de doze anos sem a companhia de um adulto, sou só eu que temo pela segurança delas nessas circunstâncias?

De repente me vi uma mãe completamente inadequada e rotulada de “velha”, “sem noção”, “surda” e incapaz de entender o que está se passando com os meus pré-adolescentes. Seria engraçado se não fosse trágico, pois me parece que essa é a exata percepção deles sobre mim, a “ex-rainha dos baixinhos” aqui de casa. Mas vou confessar que no raso do assunto eu até me divirto com o que tenho passado, não vou negar.

De acordo com eles eu nunca entendo. Não capto o que querem dizer e por isso logo perdem a paciência de me contar os detalhes das aventuras que para eles são “os mais importantes”. A minha fala é fora de moda e quase tudo o que eu digo faz a minha filha mais velha revirar os olhos. Meu esforço para não ser “cringe”, termo moderno que usam para definir situações embaraçosas e vergonhosas, novo para mim, não supera o fato de que para eles eu sou e produzo tais situações. Juro que não é por mal, pois até ontem eles gostavam e eu me sentia satisfatória… Ocorre que, como diz o ditado, “o que você fazia ontem não garante o seu sucesso de amanhã”, e isso me parece cada dia mais uma verdade.

Também não escuto os murmurinhos proferidos pelas boquinhas “reclamonas” e alteradas pelos hormônios que abatem a idade deles. De presença linda, cheirosa e objeto de desejo das minhas crianças grandes, e até de conflitos, como seu eu fosse um osso ou uma salsicha em um canil, passei a atrapalhada, dispensável e inadequada… “Nada a ver, mãe!” “Dá um tempo”… “Tanto faz”… “Vou ficar no meu quarto”… “Prefiro ver a minha série”… e “Depois eu faço” são as bases do nosso diálogo, além, é claro, dos que trazem pedidos de ajuda e invenções de programas que não me envolvem mais, exceto pelo meu inegável potencial de “Uber” e estalagem para pré-adolescentes.

Quanto menos aparente eu for para as amigas e amigos deles, melhor. Como uma miss, a encomenda deles é só de um “sorrisinho” simpático e bonito, uma “abanadinha”, pois eles também não gostam que os beije e aos seus amigos, e de preferência, não falar nada. Afinal, tudo o que eu falo parece constrangê-los nessa fase. Fui presentear uma mãe da escola com um livro meu, por exemplo, e quase fui fulminada por um olhar ameaçador da minha filha. Que vergonha afinal, né! Um presente, e ainda escrito por mim?

Meu filho de quase onze anos dá a cabeça para eu beijar, a bochecha não… Ora, vou “melar” ele e meu hálito não o agrada nunca. Ou cheira a morango, ou a vinho, ou a café, ou a salada. Tudo uma delícia, mas ele já não tolera. Não importa o que eu coma ele diz: “que cheiro de… (vai saber!)” Também não come do meu garfo ou bebe do meu copo, pois entrou naquela fase “nojenta” de não querer usar nada de ninguém. Até a manta do sofá ele repudia.   

A minha menina mais velha, tão linda… Se você olhasse de longe, a vontade que dá é de pegar para si. Mas, atenção! Eu não pegaria para mim uma pré-adolescente, acredite, exceto ela, pelo fato de ser minha. Ela se irrita com o tom da minha fala e com os movimentos do meu corpo. Se eu a cumprimento, ela se esquiva, se eu dou espaço para ela, reclama de carência. De irritante, viro a melhor mãe do mundo em segundos: basta eu autorizar um almoço com as amigas ou uma ou duas a dormirem lá em casa. Se eu digo que ela é linda, ela retruca furiosa sob a alegação de que é horrorosa e que eu elogio porque sou mãe dela. Se eu não digo nada, não contribuo para a sua segurança e autoestima, ou, pelo menos, para a liberação de energia através do “coice amigo”, aquele… que relaxa ao descontar a raiva na mãe.

Desabafos à parte, nunca fui tão honesta… É uma fase desafiadora. Mas para ser justa com as crianças amadas que acompanho de perto se transformarem, e que se distanciam a cada dia dos “ursinhos carinhosos” que eram, me sinto privilegiada por ser aquela que está perto deles no trajeto assustador que é crescer. Que é deixar a infância inocente para trás, não por escolha. Que é ver o corpo mudar, os hormônios atuarem, o sentimento em relação às pessoas se afetar, a distinção entre gêneros acontecer, as opiniões brotarem da cabeça em ebulição. Que está em viver o egocentrismo da idade e a demanda por consciência de comunidade, ainda uma montanha russa de polos antagônicos para eles. Que intensifica a sensação de perdas e de ganhos a algo a flor da pele, que provoca dor física e emocional. Que revisa o certo e o errado, ou o caminho do meio que permite “experienciar”, provar, sem “ser” nada que não si mesmos, sem serem resumidos aos seus tropeços e tentativas, considerando que vivemos em um mundo no qual ser “bonzinho” e não errar é meta.

Olhando assim, apesar de parecer inadequada e me sentir dessa forma tantas vezes pela reação deles, acho que não poderia estar em melhor posição neste momento… Ao lado. Atravessando junto aquilo que ambos desconhecem. Aprendendo que o prazer de cada fase da vida muda e que aquilo que eu já tive com eles eu não terei mais. Que agora será diferente e que até pode ser prazeroso se eu permitir que os desafios me levem a conquistas novas como mãe, como pessoa, como contribuinte na formação dos seres que eu mais amo no mundo. E eles são uns amores e não tem a missão de serem fáceis para mim nem para ninguém…

Não poderia ser diferente vindo de quem vive, fala e acredita em transformações e recomeços, não é? Sigo no trajeto esforçado de ser coerente, já que na prática não é bem assim, e o melhor possível para eles. Só não garanto que sem reclamar:)

Aos meus parceiros de vida Joana e Joaquim, a mãe está mais adequada do que nunca. Antonella, estarei pronta <3

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