Esta semana vivenciei a experiência de me entregar a partes minhas as quais um dia fui e que me seduziram a revisita. Sem pudores, caminhei pelo seu piso familiar como se fosse a primeira vez.

A gente é feita de muitas partes… É uma ilusão pensar que somos uma coisa ou outra, quando se pode ser tantas. Na noite em questão, acolhi um pedaço meu, de um mercado no qual eu fui muito feliz e que tem uma parte importante na minha vida por inúmeros motivos. O mercado de mídia foi onde me aventurei como liderança. Foi também o lugar onde me apropriei de uma capacidade negocial desafiadora e que com certeza construiu parte da força que eu tenho para o trabalho e para a vida. Onde conquistei amizades bacanas que não se abateram com o tempo. Onde trabalhei dia a dia com aquilo que o meu pai foi na vida toda. Com o sonho dele e as realizações dele. Um lugar no qual encontrei um espaço meu, e que um dia deixei para trás para me experimentar em outras coisas, alçar outros voos. Me dediquei a minha escrita, trabalhei com importações da China, atendi como negociadora as indústrias de todo o país, intensifiquei as minhas mentorias com mulheres, produzi textos para marketing digital, blogs empresas, e sob fotos cheias de significado no meu Instagram… Vivi, entre idas e vindas, mais perto dos meus filhos, ainda pequenos.

Então apareceu a oportunidade de voltar. De outra forma, pequena, mais sutil. Mas que me permitiria conviver com o meu pai, que ainda tenho, com pessoas queridas com as quais me amiguei nesse trajeto de trabalho, com um lado meu empreendedor criativo, vendedor, que em muito já fez bater o meu coração e me realizou profissionalmente, a arejar com mais uma cena, além do dia a dia que fui desenhando para mim com conexão e afeição.

Alguns diriam que é falta de foco. Aquele pessoal da “produtividade”, com certeza.  Ou que esse movimento seria como “voltar para trás”. O que me fez pensar no quanto as “boas práticas” empacotam a nossa desenvoltura na vida. Tiram a sua liberdade.  Nos “desconvidam” a degustar “de novo”, ou a revisitar aquilo que eventualmente volta a fazer sentido ou simplesmente dá vontade na gente, mesmo que vivido diferente. Nos tiram a leveza, a fluidez de ir e vir, de repetir o que é bom ou que pode ser.  Cria a ansiedade de só ter que olhar para frente, quando podemos ver trezentos e sessenta graus, o que não pode fazer sentido, sabe?

Nos questionamos muitas vezes se as andanças da vida não são “desfocar” daquilo para o qual nos determinamos, para um lado ou para o outro, de quem a gente definiu ser, de quem a gente já foi e não é mais. Como se tudo fosse duro, e não, vivo.  Como se, no meu caso, por exemplo, eu “tivesse” que ser só escritora e mentora, ou só negociadora, ou só empreendedora, ou só mãe…

A vida se trata de se permitir viver e a tudo o que ela apresenta, não te parece? Não é um saco não poder se entregar a saudade? Ou a uma forma de fazer algo que já fizemos, mas de forma que nos acolha e atenda mais? Que lugar é esse para o qual caminhamos? Fica encima, na frente? E a felicidade tem que relação com isso tudo?

Tenho uma amiga que é esteticista e faz “maxi tricô” por encomenda. Ela também é mãe. Outra, é empresária no ramo de comercio internacional, faz joias por paixão e tem três filhos. Eu tenho ainda aquelas que trabalham fora e escrevem textos, livros, aquelas que fazem doces, artesanatos e maquiagem ao gosto do cliente, e cuidam de filhos. Tem quem trabalhe com negócios de dia e ofereça amparo espiritual à noite, simplesmente porque essa caridade realiza. Há quem largou carreira e foi com a família e um computador trabalhar na praia, plantam seus próprios hortifrútis e viverem simplesmente. Serão estes movimentos de quem anda para trás? Serão eles ofensores da felicidade?

Os caminhos da vida, como os salões de dança, pedem passos soltos, livres, idas e vindas, para um lado para o outro… O rebolado dá ginga, dá sentido ao movimento, ensina sobre coragem e superação, encontram o balanço familiar e o autoconhecimento. Os braços dançam por vezes solitários, eufóricos, em outras, calmos, baixos, e ainda, o que é muito gostoso, entrelaçados com outros. A gente dança na vida junto e separado. Volta dois passos, avança três, experimenta passos alegres, outros dramáticos. A gente até cai na pista tentando achar o tamanho que nos cabe ou forma nenhuma.  Não tem lado certo, movimento melhor que não o livre. Então, se você tem vontade de fazer da sua vida o que for, não importa o grau de glamour e de foco no objetivo que eventualmente traçou para a sua vida,  lembra da pista. Da dança. De que a felicidade não está nos topos que planejamos pra gente nem no quanto isso possa parecer preenchimento, a parte que falta, mas nos trezentos e sessenta graus de possibilidades.

Às vezes basta a sensação de caminhar livre, de circular. De poder andar e voltar. De trocar de lugar. De aprender a sentar, a se acomodar onde der vontade, independentemente das provocações exigentes por progressão constante na vida, pela ideia “negativa” imputada ao movimento de retornar.  Pois é preciso coragem para avançar para trás. Para perto de quem somos. Como diria Carpinejar, quem foi que inventou que a zona de conforto é ruim? Que revisitar aquilo que já vivemos e conhecemos é regredir? Que nada. Evoluir é dançar livre no salão e aprender a gostar daquilo que nos deixa confortáveis…

Abaixo a apologia ao sofrimento, auto exigência exacerbada e à produtividade. E um “viva” à liberdade e ao conforto dos caminhos que ainda podemos escolher.

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