Há mais ou menos dez dias fomos infectados pelo Covid aqui em casa, de novo. Diga-se de passagem, como quase toda a população mundial, o que faz dessa constatação apenas um fato comum e em nada extraordinário. Começou nas crianças, assintomáticas. Os prendi em casa, passei a chave na porta e a joguei fora por sete dias. Fazer o quê? Não é o que diz o protocolo? Tinha até um amiguinho dos meus filhos dormindo conosco, que na eminência de já ser um provável “positivo”, ficou por uma semana na posição de meu quarto filho. Fomos caindo aos poucos, como soldados em guerra, positivando enfim a família toda.

Eis que eu contraí o tal “gripão” somado ao Covid, e por isso, eu adoeci. Me acamei de novo, com sintomas severos de gripe, como um dia aconteceu no meu Covid, na minha pneumonia, consequência dele, e no meu H1N1, todos troféus que carrego no meu currículo pessoal. Você deve estar pensando que sou uma mulher de saúde frágil e confesso que foi como me senti quando o meu marido fez piada quanto a estar comigo “na saúde e na doença”, sendo, no nosso caso, mais na doença. Pensei: que horror! Afinal estas que citei são tudo de doença que tive na vida adulta, praticamente… Incluiria mais uma infecção urinária e paramos por aí. Mas olhando para um passado breve, eu diria que vesti o chapéu por alguns instantes, pensando no ano de 2021 que tive e no quanto ele me abateu.

Meu corpo andou chorando, dando sinais de cansaço. Já não sou a mãe de 31 anos da Joana e do Joaquim… Ah, quem dera eu fosse! Nem sou aquela mulher que tocava a vida como se ela não tivesse fim, ou tivesse infinitas possibilidades. Não por falta de ânimo, de jeito nenhum. Sigo sendo acusada de “otimista” em doses cavalares, mas talvez tocada pelo momento de vida no qual nos encontramos desde que fomos impactados pela pandemia, me sinto mais realista também. Parece mais real a crise climática, cada vez faz mais calor e mais frio. Os valores do mercado aumentaram demais, comer carne, aqueles queijos especiais de aperitivo que eu e o meu marido sempre adoramos, e até o arroz e feijão do dia a dia para uma família com crianças em fase de crescimento, temos tido como um privilégio, já que leva grande parte dos nossos salários. O básico está caro, e por isso temos vivido mais nele do que em outra coisa. A realidade humana vem me tocando mais, me causando maior sofrimento íntimo, lá no fundo, atrás do meu otimismo genuíno e das minhas ideias do bem.

Ontem assisti ao filme “Não olhe para cima” e fiquei tão triste por ver retratada a nossa sociedade nele, que acabei desabafando do melhor jeito que eu conheço… Escrevendo. Subtraídos os exageros cinematográficos, a fim de causarem um real impacto frente aos temas trazidos, e tocarem com apelo quase que desesperado a gente que assiste, se prestarmos atenção, dá medo do mundo que teremos logo adiante para os nossos filhos. Tenho três e a mais nova pode ter que consumir água a “peso de ouro”, como se diz, considerando que atravesse com sucesso as “pandemias e afins” que podem vir pela frente. Decisões que envolvem o funcionamento da nossa sociedade, que a viabiliza economicamente, que resguarda o ambiente sobre o qual ela evolui e a atmosfera de convivência razoável entre as pessoas, os povos, estão sendo tomadas à revelia dos interesses de alguns. Enriquecendo alguns bolsos, mas empobrecendo nossa cultura, nossos recursos naturais, nossos princípios e o nosso espírito. Sem falar na família…

Como mãe, venho rezando, buscando paz para o meu lar e tentando imaginar para o que estamos preparando as nossas crianças. O nome do nosso filme me parece ser “não olhe em volta”. Siga se distraindo com redes sociais, com a ideia de que devemos fazer com que o tempo passe rápido, os filhos cresçam logo e a angústia possa ser sucumbida com algumas taças de vinho, doses de compras, de “memes”, de “reels”, retirando as informações sobre a realidade em que vivemos do cardápio, como se tira o açúcar da dieta e finge que ele não existe, pelo menos por um tempo. Até a primeira festa, passeio em uma cafeteria, quando somos convidados a enfrentar a realidade de que ele está por toda a parte e precisa talvez ser dosado como tudo na vida.

Talvez por isso a minha saúde tenha sido pega de calças curtas. Ando cansada e assustada. Otimista sempre, mas isso não quer dizer maquiar a vida real e seus desafios. Ando alerta ao tanto de realidade dura que anda desfilando nas ruas, “sambando” em frente aos nossos olhos sem a folga de uma quarentena.

Ônus de quem escolheu perpetuar a vida mesmo depois de morta, pela escolha por ter filhos. Não fossem eles, talvez eu estivesse enchendo a cara de vinho branco sobre um veleiro nos arredores do litoral carioca, como se não houvesse amanhã, torrando o pouco que geramos, eu e o meu marido, do nosso trabalho. Talvez me assustasse menos com as ondas de calor e frio, com os altos preços do supermercado, considerando que eu como pouco. Então, talvez, eu pudesse escrever toda a semana só de amor, de recomeços e de prazer. Só que não. Por um momento, desejei que o fim fosse uma onda de tsunami ou uma chuva de asteroides e meteoros capaz de extinguir a todos da minha família em volta da mesa, juntos, conversando sobre as notas da escola, o campeonato de futebol infantil do domingo ou sobre planos para as próximas férias… De uma vez só.

Porém, enquanto esse é apenas um enredo de Hollywood, sigo pensando em como atenuamos de forma ativa as consequências dos dias que estamos vivendo. Tentando trazer leveza para os nossos momentos em família e para os meus mais íntimos. Buscando reconhecer que temos tudo hoje, para que a consequência disso seja o cuidado. Convidando os meus filhos a se colocarem atentos no mundo e orientarem seus movimentos sem ignorá-lo.

Considerando que somos mães, melhor o misto de otimismo e realidade, do que idealizar sobre o que nunca foi tão incerto. É um exercício que seria bom para eles, que possuem uma estrada maior, e para nós, que desejamos que este seja um trajeto feliz. Talvez tudo comece por olhar em volta, apenas com a distração suficiente…

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