Passei a última semana em férias com o meu marido e os nossos três filhos. Cumprimos essa rotina de sairmos juntos pelo menos uma semana por ano em um hotel daqueles de família que tem programação para todos e me tira do trabalho doméstico propriamente dito – aqui leia-se serviço de quarto e nada de cozinha. Entre praia, logo em frente, e piscinas, térmicas e ao ar livre, pais desfrutam de drinks e de sol na medida do possível, enquanto se revezam nas águas com os pequenos, na “área kids” ou no centrinho comercial, rente ao hotel, entre “food trucks”, sorveterias, cafeterias e lojas para todos os gostos e poucos bolsos.

Entre tantas coisas, fazem amizade entre si. Gente do Brasil todo, uma delícia. Não tem vez que não façamos amigos, parceiros nas bordas das piscinas ou para jantar, que não nos estendemos em conversas entre mesas no café da manhã. E este ano uma peculiaridade me chamou a atenção. Eram praticamente todas “novas famílias”.

Quem é uma reconhece no outro seus traços, rapidamente. O comportamento com o parceiro, a desenvoltura com as crianças, os semblantes em determinadas cenas, as tentativas de investimento, e o desinvestimento também, soam como alarmes para aqueles que sabem do que se trata o desafio da mistura. Afinal, são dias de confinamento. São quartos, não apartamentos. São dias, não horas. Atravessamentos de vinte e quatro voltas no relógio, refeições, birras e entregas eventualmente resistentes à alegria, ou sedentas por ela, para que tudo se harmonize, fique bem.

Tem trabalho, tem esforço, tem distanciamento da realidade, tem laboratório dela para quem quiser ver. Então me parece sempre evidente. E esse ano conheci muitas pessoas, pois tenho essa tendência maior do que eu de me conectar, e todas eram novas famílias. Todas tinham uma história para contar diferentes daquelas “encantadas” e idealizadas, dos caminhos tradicionais, da formação de família que começa com dois.

Uma vez ouvi de uma amiga que no meu olhar existe algo triste. Que carrego um lastro de tristeza naqueles momentos de conversa olho no olho ou naqueles outros que mudo a direção do meu olhar, e no caminho me perco. Viajo. Olho longe, suspiro.  Me surpreendi inicialmente. Afinal a tristeza que as mudanças que atravessei com a minha família e em mim mesma já havia passado. Já vivia outro momento, de reconstrução, de novas perspectivas e de felicidade com a vida nova que escolhi. Mas hoje entendo que os momentos sentidos profundamente deixam marcas no nosso olhar e que elas se misturam com aquilo de bom que chega, que conquistamos. Não são substituídas ou esquecidas. Como rugas, cicatrizes de guerra, ficamos com elas ali, como registro, como acervo, no reflexo da história que os nossos olhos carregam.

As pessoas que conheci nessas férias tinham esse olhar com o qual me familiarizei. Um misto de tristeza, esperança, de um tipo de felicidade diferente, ligada nos detalhes, nas pequenas conquistas, no que conseguiu reerguer. E toda a vez que fico face a essa realidade, algo “fisga” no meu estômago. Tipo veterano de guerra quando alguém fala no assunto ou um sobrevivente de uma doença quando a pauta é a sua letalidade, ou quando o tempo está para chuva e o pino do joelho dói. Vem aquela lembrança de quem conhece o caminho árduo e tem vontade de abraçar aquele outro que está vivendo a jornada. Algo do tipo: sei o que se passa, te entendo perfeitamente…

A alma, como o corpo, guarda as marcas do tempo e do que foi importante, do que definiu cada uma das nossas mudanças, a superação de etapas e as escolhas que fizemos. Está tudo no fundo dos nossos olhos. E nos dias nublados, muitos nas nossas férias, as trocas sem óculos escuros me permitiram enxergar a alma dos tantos companheiros de viagem na construção da felicidade no depois, da nova família, de um novo tempo. Gente que nutre uma fé diferente. Gente mais vulnerável, que fala do medo porque já desceu da cama e o olhou nos olhos. Que não subestima o mundo dos afetos. Gente que se emociona com a junção dos filhos, que vibra ao perceber o início de novas relações acontecendo e que parte para outra quando a mágica simplesmente não acontece por, na verdade, não se tratar de mágica, mas de trabalho afetivo. E ele não é certeza, pois somado aos esforços de todos, aprende-se que a liga é um ponto que pode não se dar. E que a vida deve seguir em frente, que seguimos a construir nossos castelos.

Acho que não citei, mas foi das melhores férias que já tivemos. E olha que estava nublado:)

Comentários

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *



NEW FAMILIES