Certa vez li um livro inspirador sobre como escrever. A autora foi uma indicação de uma mentora querida que esteve comigo em parte do meu caminho, e o objetivo da sugestão da leitura era de me orientar sobre como construir um processo de escrita que seguisse a linha do que eu acredito ser um ato curativo e inspirador, principalmente para quem escreve.

Já pensou em escrever como se sente? E se eu te contar que essa pode ser a conversa mais libertadora do mundo, com a mais leal das amigas?

Muitas pessoas, mulheres, sempre me pediram para montar essa “oficina” para o desenvolvimento pessoal através da escrita afetiva. Chamo de “afetiva”, pois nada pode ser mais amoroso do que olhar para o que sentimos e reconhecer a relevância do que se passa com a gente no enfrentamento do mundo, colocando no papel, para fora, dedicando tempo ao registro, refletindo sobre como percebemos as coisas. E muitas nutrem a vontade de se apresentar através desse canal. Talvez entusiasmadas pelo fato de eu me utilizar da escrita para os meus atravessamentos e construções. Para enxergar saída nos meus tuneis mais sombrios, ou mesmo para iluminar pensamentos e me trazer clareza e reconhecimento sobre aquilo que me “presenteia” na vida, e que divulgo semanalmente no meu blog, fazendo da minha história, literalmente, um “livro aberto”. Mas enfim, uma ideia bacana que desejo um dia realizar.

O fato é que na construção desse tipo de escrita o propósito nunca foi o de formar escritores, mas encorajar. Aliás, quem seria eu para formar alguém na arte de escrever, ora… Logo eu que acredito na escrita como fruto de uma tempestade de pensamentos e reflexões livres, únicas, da criação mais íntima e solitária de quem decide olhar a vida em todos os seus tons, com coragem, e que pode nascer do encontro da gente com o mundo de dentro e de fora, o que precisa ser uma escolha, um caminho particular? Fruto da capacidade de sentir-se a si próprio frente a tudo que nos toca e traduzir no papel de forma honesta aquilo que nos passa na mente e no corpo? Tanta coisa que parte do escritor, de quem entrega o que tem que quem seria eu para ensinar alguma coisa senão estimular pelo exemplo a navegação em si mesmo e no contexto no qual estamos inseridos com um bloco de notas em punho, um apoio?

Contar histórias de nós mesmas ou de outros, reais ou imaginativas, exige a coragem de se apresentar. A gente quando escreve fala do que nos toca ou daquilo que a nossa fantasia nos cochicha, ao pé do ouvido, e por isso é uma entrega de intimidade profunda, um segredo compartilhado. Fica escancarada a nossa identidade mais genuína, mesmo que parte seja inventada. Porque para inventar, a gente tem que criar a partir daquilo que somos, sentimos e conhecemos. Até a imaginação tem terreno fértil naquilo do que fomos feitos, e às vezes nem sabemos bem sobre, apenas sentimos.

Quando me separei sentia que ninguém entenderia o que se passava comigo e porque eu largaria tudo pela busca sem garantias de uma vida com mais do que me fazia falta, além daquela que construía o meu vazio. “Quem vê cara não vê corre” e a fotografia da minha realidade aparentemente perfeita não corroborava com a minha intensão de deixa-la. Então escrevi, ah como eu escrevi… Coloquei minhas dores e a forma como eu enxergava e sentia o meu casamento, a minha maternidade e a minha vida de mulher de um lugar que ninguém poderia contestar. O meu. Daquela que vivia a minha vida. E para a minha surpresa algumas palavras representavam a realidade de muitas. No papel eu tinha uma chance de me explicar a mim mesma, clarear as minhas escolhas e me fortalecer frente aos meus filhos sem ser interrompida, julgada ou desencorajada. Meus manuscritos eram leais a mim. Depois de registrados e relidos, me fortaleciam como poucas conversas tinham o poder.  Me permitiam me revisar, identificar pontos profundos de dor e aqueles que urgiam por mudanças que me levariam à paz de uma vida com sentido, que me levaria em consideração. Até hoje uso e abuso deles e mergulho em mim mesma, conhecendo os meus cantos mais e mais a cada dia. E mais importante do que você me conhecer, é o conhecimento que adquiro sobre mim mesma neste ato.

A escrita diz muito sobre aquele que escreve. Talvez por isso a cura, o autoconhecimento e o trato da autoestima sejam tão trabalhados no ato de escrever. O papel é um amigo leal, a escrita é. Um campo livre para corrermos, um plano que nos permite ir e voltar, mudar de ideia, enfrentar monstros, criar finais bonitos ou entregar-se ao aprendizado daqueles exigentes, escuros e dolorosos. Nos desafia  a escrever sobre o ordinário, aquilo que acontece enquanto amanhece, anoitece, chove ou faz sol. Enquanto criamos filhos e tentamos dar conta de existir. Enquanto vivemos a nossa própria vida mesmo que para os outros ela não seja nada de mais.

Assim é. Enquanto não somos tão importantes assim, tudo na gente pode ser interessante… Percebe?  A ida até a escola com a minha filha pequena, o lavar a louça, a caminhada entre o estacionamento da empresa e a minha mesa, o passeio em uma livraria ou o deitar cansada na cama, no final do dia… Folhas de outono, dor de crescimento do meu filho do meio, uma ida ao supermercado ou uma conversa de celular com uma amiga entre um compromisso profissional e outro, tudo é tema. Não precisa ser sobre um problema desafiador do trabalho nem sobre a guerra da Ucrânia e da Rússia, ou sobre a política brasileira e a Amazônia. Quando estamos abertos a nós mesmos, sentindo a vida, podemos dissertar sobre “quase nada”, ou quase tudo. Numa conversa que começa na gente, curando o não falado, ou o “berrado”, o pensado e não vivido, ou o vivido e não pensado, enquanto estabelecemos delicadamente uma conversa com outro que se identifique na contação. Tanta coisa que seria um desperdício não tentar.

O mundo não está nada fácil, está chato como diria um amigo… Nunca foi diferente, dizem os mais experientes. Porém, neste momento atrapalhado no qual buscamos nos readaptar após tempos de medo e isolamento, administrar as dificuldades das nossas crianças, as guerras, a ansiedade de quem transbordou, as crises financeiras, as de consciência e as perdas inerentes à jornada individual que temos, que bom que pudéssemos contar com nós mesmas no encontro que a escrita promove e, quem sabe, entender melhor por onde podemos caminhar? É um convite, uma sugestão, um conselho de uma amiga dependente deste recurso e admirada leitora de histórias alheias…

É um favor que fazemos a nós mesmas e a outras que buscam palavras para traduzir o que sentem.

Então me conta… O que se passa aí? O que tens aí pode ainda me ajudar:)

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