Alunos do ensino médio de uma escola de referência em Recife manifestaram uma crise coletiva de ansiedade e pânico durante a semana de provas. Foi só para mim que a manchete não foi nenhuma novidade? É assustador ver a situação que sabemos estar ocorrendo entre nós devidamente nomeada. Ansiedade e pânico. Que outro fruto teríamos como consequência dos dois anos nos quais tivemos mergulhados na pandemia do Covid-19? Não consigo imaginar outra coisa que não uma vulnerabilidade latente. Fiquei pensando nos medos que sentimos por tanto tempo e que, em muitos casos, se tornaram realidade. Perder pai e mãe, por exemplo, é um dos maiores medos infantis. Perder avós, entes queridos, vizinhos, conhecidos.

Como pais, vimos crianças como os nossos filhos serem aplacados pela doença quando ainda se defendia a ideia de que nas crianças a coisa era mais leve. Como adultos, perdemos parceiros, amigos e parentes. Perdemos gente que admirávamos, mas não conhecíamos de perto. Perdemos gente que virou número, dos quais o máximo que chegamos perto foi na contagem de vítimas. Vimos aqueles que ficaram órfãos de pai, de mãe, de ambos. Vivemos o medo de não voltarmos à vida como conhecíamos, como um dia desejamos que fosse o lugar para os nossos filhos crescerem, e eles, já não sabiam que vida ainda teriam pela frente.

Em maio de 2021 fui contaminada por um Covid severo que me internou, e na sequência de novo, por uma pneumonia bacteriana que me levou de volta para o hospital menos de trinta dias após a primeira alta. Lembro do quanto a gente se encontrou frágil por aqui. Aquela experiência de medo, de incerteza, de insegurança com relação aos prognósticos da situação a qual vivíamos enquanto todos os dias morriam pessoas como nós às pencas, mexeu com a nossa família de uma forma muito profunda. Meus filhos estavam com medo que eu morresse e eu não conseguia passar muita segurança para eles enquanto isolada na “Ala Covid” de um hospital, em tratamento e com muitos quilos a menos. Lembro de voltar para casa e encontra-los ansiosos e distantes. Tinham medo de me machucar, de me quebrar, tamanha a fraqueza que eu comunicava com o meu corpo magro e a minha cara abatida de quem passara dias sozinha em um quarto de hospital, entre febres e um profundo mal estar, sem a minha família e sem um acolhimento humano, já que quem me amparava naquele lugar eram profissionais com roupas de astronautas os quais mal podia acessar com os olhos …

Paro e fico tentando imaginar onde coloquei todos aqueles sentimentos novos e assustadores. Onde acomodei e compreendi aquela experiência solitária e tão aterrorizante que foi pensar em não estar mais para os meus filhos e o meu marido, ou não tê-los mais para mim. Ter que imaginar uma realidade de perdas que eu jamais me senti convidada ou demandada a considerar como “plano B”. Pois naquele momento de caos nos restaram poucas vigas ou corrimões seguros para nos segurarmos e sobraram espaços de reinvenção e reaprendizado sobre o viver.

Ontem escutei uma entrevista da Dra. Lisangela Preissler, viúva esposa do comunicador Magro Lima, abatido pelo Covid, na qual ela cita que o pior disso tudo que passamos é que não aprendemos nada. Continuamos ruins uns com os outros. Desprotegendo os vulneráveis, quando andamos sem máscara mesmo quando o nosso nariz escorre. Quando ignoramos o mal estar gripal e nos apresentamos no trabalho, repetindo a ignorância e desrespeito de uma vida toda pré-pandemia. Arriscando aquilo que aprendemos que podemos perder de uma hora para a outra porque assim é a vida, vulnerável e imprevisível.  E aí me lembrei das crianças ansiosas e em pânico talvez por ainda não saberem como continuar existindo. De que forma darão conta daquilo que vivenciaram, do medo real de perderem a quem amam e a própria vida, com seus planos e sonhos, e de que forma lidarão com essa jornada frágil e exigente que terão à frente após a realidade provar que por mais que nos entendamos agora seres “vacinados”,  seguimos mais vulneráveis do que nunca. E ter a consciência disso pode ser apavorante. Não ter? Uma atrapalhação que gera atuação, violência, autopunição, atrapalhação…

Então, voltando ao presente e a manchete da escola do Recife: crianças e adultos ansiosos e em pânico seguem te parecendo estranho?

Imagino que não, para ser honesta. Já nos conhecemos o suficiente para sermos francas uma com a outra. Sabemos, dentro da gente, que vivemos efeitos colaterais de tudo isso, mesmo quando evitamos pensar no assunto. Agora, como recomeçar? Talvez não ignorando o fato de que estamos todos machucados e precisando da ajuda uns dos outros e de profissionais, ao invés de apontarmos culpados ou pintarmos o “mundo de Alice”, passando uma borracha neste passado traumático e recente, possa ser um primeiro passo. Afinal, a vida não voltou ao normal, voltou?

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