É a mais pura verdade. Se tem uma coisa que a vida parece mostrar com os anos que passam, que somamos nas costas, é que as coisas destinadas a acontecer simplesmente acontecem. Não estou falando daquilo que eventualmente controlamos quando paramos, ponderamos e tomamos a aparente melhor decisão frente aos acontecimentos que se apresentam para a gente. Falo do que vem antes, daquilo que nos leva a reflexão “do que escolher” de forma deliberada e propriamente dita. Do fato em si que nos apresenta alternativas, que nos pede calma ou que nos desafia a aceleração por simplesmente acontecer e demandar lido. Demandar a nossa vivência. É nome de filme também, sabia? “Simplesmente acontece…”. O autor usou a expressão literal de forma poética quando a colocou a trabalho do amor. Por mais que o ser se esforce, afeto que se estabelece genuinamente simplesmente acontece, o que faz todo o sentido ou eu não teria casado com um cara de Santa Maria que conheci em NY.

Estou com pneumonia pela segunda vez desde o meu Covid, o qual atravessei há menos de um ano atrás. Há quem ache que fui abatida porque como pouco, ou restritivamente, já que tenho as minhas crenças alimentares aqui. Quem não as tem? Ou porque me exercito bastante, ou porque ando sem sorte, ou por “olho gordo”, por falta de oração, por excesso de correria, por ansiedade e até por ser, quem sabe, o escudo espiritual da minha família. Já ouvi de tudo, juro. E em quase todos os casos, se você observar, a “culpa” é minha. No último ano então! Todo mundo tem um palpite. Já tentei levar a sério um ou outro, buscar me proteger de alguma forma, comer mais, me fortalecer espiritualmente, me consultar com muitos médicos, evitar grandes exposições públicas, mas a verdade é que sinto que as coisas se apresentam simplesmente porque, por algumas coisas precisamos passar.

Cada travessia da gente traz um aprendizado, as mais exigentes trazem os maiores e mais valiosos. E atravessar o que a vida tem me apresentado enquanto a toco, crio filhos, vivo o meu trabalho, o meu casamento e a mim mesma tem sido um refúgio, uma parada providencial em momentos nos quais aquilo que aparentemente me ataca é também o que está me protegendo. Já pensou nisso? Eu pensei…  Uma amiga me perguntou hoje porque será que o meu pulmão, órgão tão vital, tem adoecido? Que chamado seria esse que me tirou do corre-corre do dia a dia para o centro de mim mesma? O que o universo, o meu destino quer me dizer?

Talvez, a cada adoecimento eu estivesse sendo protegida daquilo que me faria ainda pior. Da ignorância, da anestesia ou de algo que não me pertencia mais. Para o qual eu não estava preparada ou não merecia, ou ainda, simplesmente, demandava reflexão, reconexão, abandono, casamento, recomeço, transformação. Talvez, olhar para a minha saúde fosse a pauta mais necessária para mim na construção do meu autocuidado. Foi por conta das minhas últimas mazelas que mudei a minha alimentação, que inseri uma rotina nova de exercícios na minha vida, que olhei para o meu problema com a minha imagem e com a comida de forma honesta e que iniciei, mais uma vez, um processo de terapia por desejo pelo mergulho. Também foi por esses adoecimentos que criei espaço de reflexão para decisões importantes na minha rotina profissional e “balança” para pesar os valores de cada coisa na minha história. Minha maternidade, o exercício do meu feminino, o investimento nas pessoas, nos projetos realmente necessários e valiosos, no que ainda quero conquistar e do que eu realmente preciso. Foi tempo de leitura, o qual me tocou em vários sentidos, me aproximou de mim mesma e da minha mãe, já que achamos nela um recanto nosso. Foi lugar de pausa, de calma, de olhar de fora para transformar o que urgia por mudança, dentro. Foi quando acolhi as minhas tristezas mais profundas, que fui descobrir, estão representadas nas doenças que atacam o peito, o pulmão.

Tristezas… Sentimentos tão nossos e tão fora de moda, que o corpo resolveu depor em seu favor, reivindicando espaço de acolhida, trato e cura.

Aprendi também sobre controle e o quanto não o temos em quase nada. Afinal, ninguém adoece por gosto e se dar conta de que por mais que façamos tudo certo, “como manda o figurino”, podemos não estar saudáveis, é algo que nos coloca em um lugar bem humilde na vida. E ensina que a saúde talvez seja a joia da coroa quando o assunto é qualidade de vida, longevidade, e que aí parece estar a real beleza da gente, o nosso ponto alto.

Cansada de buscar culpados na vida para as coisas que “simplesmente acontecem”, pensei aqui se viver bem não seria aprender a “boiar”. Nos cobram, desde pequenos, que batamos braços e pernas, viremos lutadores que resistem às coisas como se apresentam, que se debatem, que nadam contra a corrente em demonstração de força de vontade e de capacidade de transformação, buscadores do melhor, o que ousam chamar de felicidade, e que, aí sim, nos tornamos merecedores.

Será mesmo? 

Me parece mais uma busca pela sensação de controle, de que podemos decidir nossas vidas e o nosso destino, enquanto a felicidade tem mais a cara de algo que recebemos quando nos encontramos em paz e capazes de senti-la no lido com a vida como ela se apresenta. Com aquilo que merecemos e eventualmente não, mas é simplesmente necessário. Compreendendo o que o universo diz através dos seus movimentos perfeitos. Boiando na vida, quem sabe… Sem se debater, buscar o “golpista”, mesmo que ele eventualmente viva na gente, o que, contemporaneamente chamamos de “boicote” como forma de justificar que a culpa é de alguém, ora bolas… Pois o que é para nos acontecer, simplesmente acontece. E se não podemos evitar, então aprender coisas novas a partir dos acontecimentos parece um bom caminho. Tem cara de nova chance, de um recomeço, de uma nova forma de lidar com as coisas, com o viver. E se a gente ficar se debatendo, focados em proteger a nós mesmos do inesperado, talvez não percebamos a paisagem ou a felicidade que há nas sutilezas daquilo que não escolhemos ou dominamos, que simplesmente acontece.

É só um outro jeito de viver… Eu tenho olhado isso com carinho. A tosse e o mal estar são efeitos colaterais chatos, confesso, mas nada é perfeito. Já viu tomada de consciência e transformação serem confortáveis? Eu não…

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