Olhava a minha filha caçula dormir, deitada ao seu lado entre almofadas, travesseiros e bichos de pelúcia, seus “protetores” da noite. Desde a troca do berço para a cama de solteiro ela pede companhia até pegar no sono. Com a mudança veio o medo, nenhuma novidade, já que sabemos bem como são os anseios de quem muda. Mudança e medo são comparsas de trajeto. Enfim, uma função a mais para mim, judiada ainda pelo fato de ser nesse frio do sul, mas também algo que resolvi “ceder” na minha terceira experiência de maternidade. Fui mais dura na primeira, um pouco menos na segunda, mas ainda assim, exigente comigo e com eles. Exigia regramentos e disciplina na fé de que só assim eu conseguiria dar conta de ser mãe e trabalhar, de ter o controle daquilo que eu não conhecia, mas que teria que se adaptar à minha vida, como se assim fosse a chegada de um filho ou dois.  Só queria que fossem autônomos, resistentes, independentes, educados e afetivos. Tudo isso junto… Percebe a idealização? Amor nunca faltou, mas eu era uma executiva no trabalho e na vida, na empresa e com eles. Buscava produtividade, otimizar de tempo, ter eficiência e engajamento por parte deles, contando que fossemos peças de uma grande engrenagem que exigiria sintonia e disciplina para dar certo. E as coisas, mais para o bem do que para o mal, funcionaram de certa forma para a sorte de todos nós.

Fiz um trajeto longo entre aqueles tempos e os de agora. Definitivamente deixei de ser uma “executiva padrão”, daquele tipo que um dia fui. Com certeza menos produtiva em algumas coisas, exceto naquelas que elenquei mais importantes. E o lido com o tempo foi uma delas. Com o tempo que eu ainda tenho. Com o entendimento de que tem um tanto de coisas que eu não posso ou poderei evitar, moldar, segurar, ou fazer acontecer. Que as pessoas tem seu próprio tempo, tudo tem. Que pressionar nem sempre faz crescer para cima, que às vezes derruba, machuca, condiciona, esgota, desmotiva, gera motivos para “não acreditar”. Que produtividade só é bom quando está a trabalho do nosso propósito pessoal, de vida, e por isso não existe manual de boas práticas nem indicadores exatos que não aquele que sugere a paz de espírito. Então relaxei na vida, puxei o freio na ânsia de que a coisa toda não passasse nem tão rápido, nem com tanta ansiedade de acontecerem.

Pois, como eu ia dizendo, eu olhava o perfil dela dormindo. Com seu narizinho pequeno e boca com a parte superior “arrebitadinha” e marcada, como um coração, respirando fundo, descansada. A minha médica obstetra disse que a boca dela era um coração assim que a retirou da minha barriga no parto. Me dei conta ali, naquela cena que eu fotografava, como o tempo pode passar devagar quando estamos no presente, inteiros.

Na correria por conquistar, por darmos conta, por sermos produtivas, magras, jovens e suficientes, nos desconectamos de algo que parece tão real quanto à natureza que nos toca. A verdade de que somos parte dela, mais um componente. Que como a terra que gera o alimento, como as árvores da nossa rua, o dia e a noite, tudo vive o seu próprio processo, tem seu tempo para frutificar, para crescer, para oferecer algo, e que cada parte desse caminho guarda a sua própria beleza. Que a vida é a soma de dias inteiros de oportunidades valiosas que jamais se repetirão da mesma forma. Que amanhã estaremos mais velhos que hoje e com sorte e consciência, presentes na própria vida. Ela tem seu próprio tempo, alguns planos desconhecidos e outros passíveis de negociação. Mas a maioria, ou eu diria talvez que o que é realmente importante, não é exatamente criado pela nossa capacidade de fazer mais e melhor. É a vida quem manda. É a forma como vivemos o nosso presente, como nos conectamos com os nossos sentimentos reais, como ouvimos a voz que nos diz que estamos cansadas, tristes ou felizes com o que temos, independentemente do que isso seja que constrói a nossa percepção de valor, de felicidade, de completude, de propósito.

Quando a gente pisca, não cabe mais na cama deles, não reconhecemos o próprio rosto, não entendemos as marcas do caminho que passou nem no corpo, nem na alma, nem como fomos parar onde estamos tão rápido…

A vida para quem se aterra no presente e presta atenção passa devagar. É como venho me sentindo quando escuto atenta as histórias que os meus filhos contam, quando os observo enquanto dormem ou quanto acaricio o meu marido em frente a lareira enquanto leio um livro que gosto, sem pressa. Enquanto vivo o presente, a vida caminha lentamente como um passeio no parque e uma caneca grande de café bem quente. Não quero que corra. Por isso, um assopro, um gole e um passo de cada vez. O ritmo da nossa vida é a gente que dá e não quero perder nem uma boca de coração, um narizinho pequeno, uma história animada ou uma oportunidade de amar mais e por inteiro.

Andas correndo?

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