Não do jeito que somos.

Tem gente que é casa grande. Que tem um monte de pessoas, de coisas, de ideias, de móveis, de livros, de lembranças, de pensamentos, que tem “pé direito” alto dentro de si, e que por isso já se distrai com seus próprios botões no seu amplo espaço interno. Sou dessas e suspeito que aqui em casa somos todos esse tipo de gente. Que tem um salão enorme por dentro. Todos inventores de moda, cênicos, criativos, distraídos, cheios de imaginação e loucos por um papo, não podemos negar.

Tem gente que é casa cheia, daquele tipo que enche a casa. Esse também é o nosso tipo. Nossa casa é barulhenta, movimentada, ansiosa, alegre, perturbadora às vezes. Precisa enxergar longe, ou no detalhe, para distinguir a paz em meio ao caos e assim viver bem. Quem nos visita costuma fazer piada da nossa rotina estonteante. Minha irmã diz que fica zonza quando nos visita. Mal sabe ela que eu também fico e que talvez a zonzeira tenha se acostumado com o ambiente acolhedor daqui e vindo para ficar. Porta aberta é assim…

Não basta sermos cinco, mais a nossa ajudante e fada madrinha – todos temos anjos da guarda e a nossa família tem ela. Gostamos da casa cheia além de sermos uma em cada um de nós. Vivemos cercados de amigos, amigos dos filhos, amigos dos amigos, amigos da igreja, do clube, da escola das crianças, da nossa própria, acreditem, da praia, do trabalho, da vizinhança…

Vivemos com gente colada na gente. E mesmo tentando exercitar um pouco a solidão, necessária vez ou outra, a gente não consegue segurar o ímpeto do ajuntamento, dói as juntas, a conversa interna pede companhia, as bolas espalhadas no gramado da frente da nossa casa pedem pés descalços e amigos, a cozinha urge pela “bateção”de panelas, os cristais saltitam nas prateleiras da cristaleira pedindo vinho, boca, roda de conversa. O assoalho de madeira da sala estala na esperança de mais pegadas, mais gente, menos palco para si. Então logo somos muitos, de três filhos pulamos para seis, para nove. A mesa fica pequena, faltam pratos dos mesmo jogo de louça, se misturam copos de plástico, de vidro, e quando vemos, taças de vinho carregam uma Coca-Cola com gelo ou uma água saborizada, especialidade do filho do meio.

A usina está ligada, enfim! Um tênis furado, uma passada no shopping para a compra de um novo, pois é semana de campeonato. Todos no carro! Não cabe, somos nove. A nossa boa e velha caminhonete de sete lugares não nos atente mais. Vamos nos dividir, quatro em um, cinco em outro. Eu fico com quatro, mas levo as crianças bem pequenas. Precisam de mais atenção, não dão mais trabalho, por certo. É diferente. Quem tem adolescente, sabe. Leandro fica com cinco, disciplina a ansiedade da turma e combina o budget definido para o investimento do dia.

Corre metade para lá, metade para cá. Quero balão! Preciso de meias! Não tenho chinelo! Uma corrente de prata, mãe, vai? Um sorvete para todo mundo! Não como sorvete… Quero um chocolate. Quem sabe açaí? Dá cinquenta reais para eles e vamos sentar… Mas o que é cinquenta reais? Pega aqui o cartão. A senha é… Se gastar mais eu te mato! E de repente éramos nove sentados em um banco, parte de nós no chão, como itinerantes, cheios de sacolas, de “ranhentas”, de balões, como que em uma excursão de gente de fé. Dois adultos e sete crianças nossas, a turma da casa cheia.

O fato é que não cabemos em nada. Uma descoberta à primeira vista desconfortável, depois, libertadora. Nada é grande o suficiente para nós, nenhum espaço, essa é uma verdade. Há algum tempo derrubamos paredes, abandonamos cantos conhecidos, ninhos, cercados. Fomos abrindo portas, convidando uns aos outros, deixando para trás um pouco da neura pela organização, mas não toda. Engrossando o feijão, encostando vinho, multiplicando vozes.

E às vezes saímos de dois em dois, de um em um, atrás de silêncio quando ele não se faz. Quando precisamos de paz.

Ontem, após um final de semana agitado, a casa parou de repente. Todos deitaram para descansar suas “casas próprias”, cada um num canto com seus pensamentos. Ninguém falava, não tínhamos amigos de visita. Éramos, de repente, somente nós cinco. E as nossas casas cheias deram um sossego. Baixamos as cortinas e o agito, a música ficou lenta. Casas cheias também tiram folga, meditam em frente à lareira, assistem um filme, leem um livro, tudo de forma surpreendente. Coisa de momento. Evento breve. Logo já éramos muitos de novo. Raiou a segunda-feira e chegaram colegas para almoçar.

Fazer o quê? Somos casa cheia, casa grande. E por aqui, pelo menos nisso, nossos frutos caíram embaixo do pé.

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