Sabe do que eu tenho saudade às vezes? Do vazio, do espaço do nada. De quando eu saía da faculdade no primeiro semestre do curso de comunicação pela manhã, e tudo o que eu pensava era no soninho da tarde, antes da barra de chocolate em frente a TV com a minha cúmplice da época, e uma malhação de final de tarde sem pressa. Sem boletos, sem financiamentos, sem gente me esperando, sem horários de remédio, de escola, de extracurriculares, sem complementação de vitaminas no café, no almoço e na janta, sem óculos pendurado no pescoço, sem despertador para cada compromisso ou agenda eletrônica comandando a minha vida, e sem intercorrências diárias promotoras de correrias e saias justas. Não estou dizendo que com tudo isso não vieram conquistas das quais me orgulho. São sonhos realizados, projetos, chão caminhado, afetos muito mais profundos do que eu poderia imaginar viver, e isso tem um valor imenso, algo que, na maioria, já não conseguiria abrir mão. Partes de mim. Mas que como tudo, veio com seus sacrifícios. E talvez o maior deles seja o de se fazerem caber em uma única vida, em uma só pessoa. 

Falava com uma amiga dia desses, um daqueles de exaustão, sobre o medo de pifar na minha saúde mental. Às vezes a sensação de estar em uma panela de pressão me deixa com medo de mim mesma, do que posso dar conta ou não. Com medo do meu cansaço, do limite da minha paciência, do meu usual otimismo, do meu autocontrole, da minha capacidade materna ou da diplomacia que preciso no meu trabalho, no trânsito e no lido com pessoas, quanto a suas funcionalidades e ataques inimigos. E ela me disse que todas as mulheres que conhece estão cansadas. Se encontram assim, caminhando sobre a linha da loucura. Fiquei confortável, não posso negar, pelo fato de não estar sozinha nisso, de não ser a louca da vez, não solitária, pelo menos. Foi um abraço acolhedor, “obrigada minha amiga”, diga-se de passagem. Mas fiquei também preocupada. Atenta. Alarmada com o “deixar a vida levar nesse ritmo”. A gente precisa saber a hora de parar. Sinto que não faltam estímulos para as altas velocidades e nos faltam semáforos, pardais, controles para nossa rotina desgovernada. Quem nos diz que estamos rápido demais? E quem pega a direção para a gente? Nos dá retaguarda para parar nos refúgios? Pois como em um carro, mesmo que ele potencialmente atinja 180km/h, o que a gente sabe que pode, sempre há de aparecer um buraco, uma outra pessoa, uma pista molhada que nos exija parar. Isso sem falar na paisagem, que se torna um traço borrado de vida, mais curto que um suspiro. E com essa velocidade os riscos disso não acabar bem são imensos. Tu nos leva a nos espatifarmos ou perdermos o trajeto, na melhor das hipóteses. E que sentido isso teria?

Todos temos coisas que amamos e que são inegociáveis. E por essas “coisas” vale repensarmos o “como” tocamos a vida. O que queremos que fique, onde queremos ficar. Quem conhecemos nesse ser “cheio” que nos tornamos e que desejamos preservar. Simplesmente para tratá-lo bem e na medida do que podemos controlar, nos mantermos com o que nos importa até o final. 

O ponto de partida é se preocupar. Normalizar e deixar-se levar às raias da loucura. E sinceramente, deixou de valer a pena quando deixei um problema de trabalho que me tirou do sério no trânsito, me tirou o sono e a paz, e quase perdi um pôr do sol único com a minha filha Joana. Por sorte eu já estava preocupada e consegui parar.

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